segunda-feira, 5 de setembro de 2011
2652) O jeito regional (3.9.2011)
Uma vez estávamos ajudando um amigo a fazer uma mudança, em Campina. No meio da turma havia um carioca. A certa altura a dona da casa nos indicou uma caixa: “Podem ir levando aquela, mas cuidado, são coisas de quebrar”. O carioca ficou meio desconcertado, e arriscou uma brincadeira: “Bem, já que é de quebrar, vamos jogar no chão”.
“Coisa de quebrar”, em nordestinense, significa “coisa frágil, que corre o risco de se quebrar facilmente”. Para pessoas de outras regiões, deve significar “coisa para quebrar, coisa que é preciso quebrar para que tenha uso”. Casca de ovo, por exemplo.
Este é um entre mil exemplos de um uso aparentemente errado de preposição, porque a palavra “de” nos evoca de imediato uma série de expressões em que indica finalidade, necessidade: água de beber, etc. Além de outras em que o sentido implícito é ligeiramente diferente (quarto de dormir, sala de estar, etc.), mas sempre positivo, ou seja, o verbo está ali indicando que deve ser praticado.
Numa expressão como “quarto de dormir”, “água de beber” ou “pedra de amolar”, o “de” pode ser substituído por “que serve para”. Numa expressão como “coisa de quebrar”, não pode.
A idéia de que a expressão nordestinense está errada (como já ouvi dizer) talvez venha desse fato, do fato de que ela é tão rara (fiquei aqui tentando lembrar exemplos equivalentes a “coisa de quebrar” e não me ocorreu nenhum) que induz facilmente à confusão com expressões contrárias, pela semelhança estrutural.
E isto parece ser o tipo de coisa que os gramáticos desaconselham. Eles tentam fazer com que o idioma fique mais organizado, mais claro, mais fácil de entender. O problema, como sempre, é que para cada gramático aconselhando a coisa mais lógica existe um milhão de usuários fazendo a coisa menos lógica, e a língua evolui nesse joguete entre o poder de decisão de uns e o poder de criação dos outros.
O erro alheio sempre dói no nosso ouvido, mas o erro que cresceu conosco não nos incomoda, mesmo quando aceitamos que é um erro. Eu não aguento ouvir certas formas de falar como por exemplo “Eu quero dizer a vocês DE que isto é muito importante”. Esse “de” fora de hora, fora de lugar, fora de propósito, é uma pedra no sapato.
Já o “coisa de quebrar” não me soa como erro. Quem impõe um significado é o contexto. Passei a vida ouvindo dizer “cuidado, isso aí é de quebrar”, e mais que o sentido literal das palavras valia o contexto, o gesto de advertência, o tom de preocupação, e o fato de que em geral eu sabia que o pacote continha ovos ou a sacola continha taças de vidro.
Que me corrijam os gramáticos, mas essas formas de dizer resultam de convenções, de hábitos tacitamente aceitos e que com o tempo se solidificam em norma. Em regiões diferentes essa cristalização se dá de forma diferente, e cada uma tem o direito de achar a sua forma tão legítima quanto as outras, mesmo que pela lógica não o seja.
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2 comentários:
Quando algum amigo mineiro fala: "eu sou apaixonado com ela", eu só falto empinar e rinchar de agonia; mas ele, não. Quando um gaúcho (essa é muito usada em Portugal) fala: "eu gosto imenso de ti", eu acho que o cara está falando um verso e não uma frase.
Minha mãe, mineira de Descoberto, sempre disse a frase e, eu, por sua vez, continuo a dizê-la:
aí tem "coisa de quebrar"! toma cuidado, hein!
Acho que seu amigo carioca é, na verdade, grego. Os helenos que costumam usar pratos de quebrar. Porém, ainda assim, em um contexto apropriado, que não fira os bons costumes.
Você está à cata de expressões que equivalem a "coisas de quebra"?! Serve a "risco de morte"?
Veja neste atalho aqui (http://pt.wikipedia.org/wiki/Pragm%C3%A1tica) sobre a Pragmática. Se não lhe exterminar, ao menos vá lhe entontecer a pulga atrás da orelha.
forte abraço, BT.
KM
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