domingo, 21 de março de 2010

1806) A Rendição ao Concorrente (23.12.2008)



Suponhamos que numa rua há dois restaurantes vizinhos: uma churrascaria e um restaurante natural. O primeiro é adepto da picanha, da lingüiça, da costela. O outro exalta as virtudes do aipo, do gergelim, do queijo tofu. Um belo dia o gerente deste último, em dificuldades financeiras, resolve oferecer um bifezinho bovino, que começa a vender que é uma beleza. Quando o entrevistam na TV, ele dá sua receita de sucesso: “Meu sucesso prova que a comida natural caiu no gosto da população, basta ver a receptividade encontrada pelo nosso bife de panela”.

Acontece mais vezes do que se pode imaginar. Tenho visto, por exemplo, no cinema brasileiro. Os filmes brasileiros não dão público? Por que? Por causa da televisão? Muito bem: chamemos então as modelos-e-atrizes da televisão para trabalhar em nossos filmes. E tome “filmes cabeça”, sombrios, existenciais, “artísticos”, estrelados por aquelas menininhas feitas de porcelana e pétalas de rosa, que pronunciam seus diálogos com a indefinível expressão de quem fita uma “dália” pregada na parede oposta.

Quando a Jovem Guarda tomou conta do Brasil, as igrejas, alarmadas com a fuga em massa dos joves, decidiu concorrer com a Jovem Guarda de maneira salomônica: contratando conjuntos de Jovem Guarda para tocar na Missa! Não é muito diferente da história que se conta sobre o forrozeiro Dominguinhos. Ele recebeu o telefonema de um contratante: “Dominguinhos, queremos um show seu. Todo mundo só contrata aquelas bandas de forró eletrônico com dançarinas de minissaia. Nós queremos o forró pé-de-serra, autêntico”. Dominguinhos: “Que bom, fico agradecido. Farei o show com todo prazer”. E o cara: “Muito bem. Só um detalhe... Dá pra botar no teu show umas dançarinas?...”

Existe uma força no sucesso que nos puxa em sua direção. É uma espécie de fototropismo, o fenômeno que faz as plantas se expandirem na direção da luz do sol, cuja presença elas sentem mesmo de forma indireta. Quanto mais afundado no fracasso e no saldo negativo, mais o sujeito sente, intuitivamente, que o dinheiro e as capas de revistas estão situados a tantos graus de latitude e tantos de longitude; e começa a migrar, devagar e sempre, naquela direção. Vejam os festivais de literatura: estão cada vez mais cheios de palestras de cantores de MPB. Basta o músico publicar um diário de viagem ou um livro infantil, os convites chovem. Por que? Porque o pessoal “do livro” sabe que o sucesso está na música, e não nos livros que, em tese, eles estão se propondo a divulgar.

Parece que quando o concorrente é muito forte, o melhor é render-se a ele, grudar-se a ele. Como no famoso comercial de rádio da TAP: “Nós somos a TAP, Transportes Aéreos Portugueses, uma das melhores companhias aéreas da Europa, agora atuando no Brasil. Temos as melhores aeronaves, as melhores rotas, o melhor atendimento. Faça-nos uma visita! TAP, avenida Rio Branco, 315, bem ao lado da... Va-ri-g, Va-ri-g, Va-ri-g!...”

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