domingo, 19 de dezembro de 2010
2431) Drummond: poemas natalinos (19.12.2010)
Fazer poemas sobre o Natal é algo que se espera de qualquer poeta. Um teste de admissão ao Empíreo dos Vates: será que o caro amigo consegue dizer algo de novo sobre um tema tão desgastado? O livro de estreia de Carlos Drummond, Alguma Poesia (cujos leitores comemoram 80 anos de seu lançamento) trazia logo dois. O primeiro, “O que fizeram do Natal”, começa com uma descrição melancólica: “Natal. / O sino longe toca fino. / Não tem neves, não tem gelos.” A descrição do ambiente se prolonga cheia de diminutivos: “coitadinho”, “burrinho”, “estrelinha”, “o deus nuzinho”) certamente ecoando a sensibilidade maternal das beatas e as dimensões do presépio. É somente no final que a guilhotina modernista decapita a cena: “mas as filhas das beatas / e os namorados das filhas, / mas as filhas das beatas / foram dançar black-bottom / nos clubes sem presépio”. Note-se a eficácia da repetição da frase. Quando o poeta repete “mas as filhas das beatas”, é como que considerando a menção aos namorados das filhas uma lembrança repentina e incômoda, e quisesse às pressas retomar o discurso interrompido: “Mas, como eu ia dizendo, as filhas das beatas...” E essa história de dançar black-bottom, seja isto o que for, é Modernismo puro.
O outro poema, talvez um dos mais divertidos de Drummond, é “Papai Noel às avessas”, em que Papai Noel entra de madrugada pela porta dos fundos, examina a casa com olho de profissional, belisca alguma comida na cozinha, rouba os brinquedos das crianças e vai embora com o saco cheio às costas. Como desmistificação do espírito natalino, é uma ótima piada. Como narrativa, é excelente, e poderia ser usado como guia num oficina de roteiro para curta-metragem. Drummond sempre teve um olho cinematográfico e muitos bons momentos de sua poesia são decupagens perfeitas, de cortes precisos, de uma cena visualmente bem concebida.
Há no poema os pequenos detalhes de linguagem com que Drummond dá tapas de luva na poética do século anterior. Veja-se o uso de expressões plebeias (“que nem”, “pegar fogo nas”, ao invés de “atear fogo às”) e de imagens dessacralizadoras para além da mitologia propriamente religiosa (“um presidente da república de celulóide”). Quando o poeta diz que “a eletricidade bateu nas coisas resignadas”, que um galo “comunicou o nascimento de Cristo” e que o luar “abençoava os legumes”, cada expressão destas é uma pequena deseducação imposta ao leitor, como quem diz: “desaprenda o jeito antigo de falar dessas coisas, de pensar nessas efemérides, aquilo não existe mais”.
O Modernismo foi um processo de substituir o olhar romântico pelo olho “esperto” com que Papai Noel localiza um queijo e come. Olho de rato, talvez; mas olho vivo, olho malandro, olho finório, olho irônico. Os poetas parnasianos e simbolistas eram tudo, menos espertos. A esperteza não vem do Empíreo dos Vates nem do Parnaso das Musas, vem das ruas, como veio o Modernismo, e para onde ia a poesia de Drummond.
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Um comentário:
http://www.youtube.com/watch?v=n5UnEB23YCI&feature=related
Neste endereço você verá pela primeira vez, assim como eu, o que vem a ser black-bottom. Parece-me que é uma dança prima-irmã da charleston.
Grande abraço, Braulio.
PS: Consegui seu livro "O Homem Artificial" pelo saite Estante Virtual em uma livraria de Porto Alegre! O livro já foi devidamente lido e eu estou feliz da vida que nem pinto no lixo!
Tem um trecho do poema "Quinas e Arestas" que particularmente achei tão genial de tão simples que é o achado:
(Tenho uma teoria
de que o oxigênio é um gás alucinógeno
e é porisso que somos todos extravagantes)
De uma ironia maravilhosa!
Continuemos a cata de outros da sua bibliografia!
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