segunda-feira, 14 de junho de 2010
2149) Profissão: repentista (27.1.2010)
(Santino Luiz, cantador de viola, em foto de Roberto Coura)
Foi sancionada pelo Presidente Lula, neste começo de ano, uma lei, de número 12.198, aprovada pelo Congresso, que reconhece a atividade de repentista como profissão artística. O texto publicado no Diário Oficial da União define repentista como "o profissional que utiliza o improviso rimado como meio de expressão artística cantada, falada ou escrita, compondo de imediato ou recolhendo composições de origem anônima ou da tradição popular". A lei lista quatro tipos de profissionais que se enquadram na sua definição: 1) os cantadores e violeiros improvisadores; 2) os emboladores e cantadores de Coco; 3) os poetas repentistas e os contadores e declamadores de causos da cultura popular; 4) os escritores da literatura de cordel.
Espero que essa chancela jurídica se reflita positivamente no exercício da profissão. Violeiros já me contaram que, anos atrás, cantador não conseguia pegar um táxi a menos que escondesse a viola, porque todo cantador de viola era bêbado e desordeiro, aos olhos da população. Cordelistas eram interpelados em plena feira por fiscais que os mandavam embora, ou cobravam propina, ou pediam “o alvará de funcionamento”, ou apreendiam os folhetos. Cantorias dentro de um boteco eram suspensas com a chegada da patrulha, porque “gente que se reunia para ouvir violeiros podia provocar distúrbios”. E assim por diante. Sem falar em situações menos graves mas não menos constrangedoras. Um cantador amigo meu entrou num ônibus para uma viagem interestadual, colocou a viola (encamisada) no bagageiro acima das poltronas e sentou ao lado de uma bonita morena, que lhe perguntou, com jeito coquete: “O que é isso?”. Para sofrimento e opróbrio junto à própria consciência, o cantador respondeu: “É um violão”. Acabaram namorando; o mundo não se acabou quando ela descobriu a verdadeira identidade profissional do galã.
Ser cantador repentista é tão nobre, tão difícil e tão sofisticado quanto ser músico de jazz. É fazer uma coisa extremamente complexa e que poucas pessoas conseguem fazer bem (por isto que existem tantos cantadores medíocres e tantos músicos de jazz medíocres). E, mais do que isto, é exercer uma forma de arte que só existe no Nordeste do Brasil, ou que pelo menos nasceu aqui e daqui se expandiu para o resto do país. Ser repentista não é o mesmo que ser trovador medieval, ou jogral renascentista, ou bluesman norte-americano, ou bertsolari basco, ou inúmeras outras atividades com afinidades de DNA. Quantos povos, quantas regiões, quantas comunidades humanas podem se gabar de ter inventado uma forma de Arte? Muito poucas, eu acho. A Cantoria envolve elementos da poesia, da música, da literatura oral, do teatro e da performance. É algo raro, rico, difícil. Pouco importa se os cantadores de hoje estão batendo píno e deixando de improvisar, pouco importa se o decoreba está tomando conta dos Festivais. O que foi criado aqui nasceu aqui, e tomara que não morra nunca.
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