segunda-feira, 22 de março de 2010

1812) “Os Intrusos” (30.12.2008)



("Saki", H. H. Munro)

A Sincronicidade, a ciência das coincidências significativas, implica na idéia de um campo semântico inconsciente, que nos empurra (sem que a gente perceba) na direção de informações que vibram em uníssono com o momento mental que estamos vivendo. Pode ser um estado de espírito passageiro, que dura algumas horas ou dias, e pode ser uma sintonia com áreas mais profundas, com o momento histórico que atravessamos.

Caiu-me sob os olhos, numa antologia, um conto que eu já lera mais em português, e cujo título em inglês (“The Interlopers” – “Os Intrusos, ou Os Intrometidos, ou Os Que Interferem”) não reconheci. O conto é de “Saki”, pseudônimo de H. H. Munro, um mestre britânico da história curta que morreu na I Guerra Mundial. O conto se abre narrando a rixa secular entre duas famílias nos Montes Cárpatos. Por causa uma imprecisão na demarcação da fronteira entre as propriedades, as duas famílias vivem se agredindo e se matando há gerações.

Certa noite tempestuosa, Ulrich Von Gradwitz percorre o bosque à procura de intrusos quando se defronta com seu inimigo histórico, Georg Znaeym. Mal os dois erguem as armas um contra o outro, um raio se abate sobre uma árvore próxima, que cai sobre os dois, machucando-os. Ulrich e Georg sobrevivem, feridos, presos sob os galhos, impossibilitados de se mover. Enquanto a tempestade prossegue, os dois começam por se amaldiçoar mutuamente, cada um deles dizendo que quando for encontrado cuidará para que o outro seja fuzilado. As horas passam. A tempestade cessa. Ulrich consegue tirar do bolso um frasco de vinho, do qual toma alguns goles que o reanimam. Oferece-o a Georg. O outro aceita.

Daí a pouco os dois estão conversando, tirando a limpo suas dúvidas, suas rivalidades, a longa história de ódio entre as duas famílias. E um deles faz a proposta: por que não acabar com tanta violência inútil? E se, quando forem salvos, chamarem suas famílias, explicarem o quanto aquela guerra é insensata? Ulrich e Georg se entusiasmam com essa possibilidade; e começam a gritar para atrair a atenção das pessoas que àquela altura certamente estarão, de um lado e do outro, à procura dos dois. Ouvem um rumor distante, e, à luz da lua, percebem vultos que correm na sua direção, cada vez mais próximos, atraídos pelos gritos. Georg pergunta: “São os meus homens? São os seus?” E Ulrich, com uma risada de desespero: “Não. São lobos”.

O que tem isto a ver com Sincronicidade? Tem o fato de que este conto me retornou durante estes dias em que as nações do mundo se debatem em desespero, tentando tapar rombos de trilhões de dólares que elas mesmas fizeram, nas suas concorrências e guerras insensatas. Vivem hoje um desastre que elas mesmas plantaram: a crise ambiental, a falência da produção de alimentos, e estão vendo a aproximação dos Lobos da Barbárie. Tomara que eu esteja errado, e que um dia, cofiando uma longa barba branca, possa murmurar: “Como eu era pessimista em 2008!”

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