quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
1641) Ainda a Copa do Brasil (15.6.2008)
Perdoe o leitor se volto a comentar o jogo da última quarta-feira, em que o Sport do Recife derrotou o Corinthians por 2x0. Mas, reflita: qual foi a última vez que um time do Nordeste ganhou um título nacional? Que me lembre (e mesmo assim tive que pesquisar, para conferir o ano) tem o Campeonato Brasileiro conquistado pelo Bahia em 1988. Um ano antes, o Sport tinha sido campeão de um dos módulos do confuso Campeonato da época. O outro foi vencido pelo Flamengo. O regulamento previa uma disputa entre os dois vencedores; o Flamengo recusou-se a disputar e proclamou-se campeão. Para mim (que torço pelo Flamengo no Rio) o campeão brasileiro de 1987 é o Sport, que não “correu com a sela”.
Cada jogo decisivo entre um time nordestino e um time carioca ou paulista é uma remontagem da Revolução de 1817. Ao dobrar dos sinos e clangor das trombetas, abrem-se as sepulturas seculares e de lá emergem Frei Caneca, Peregrino de Carvalho, José de Barros Lima, o “Leão Coroado”... Este último é ainda mais relevante agora, quando é o Leão da Ilha que re-encarna nossos sonhos independentistas, separatistas, autonomistas ou que nomes lhes queiram dar. Sou um defensor resignado da unidade da Pátria, mas tenho plena consciência de que um abismo histórico nos separa, e nunca fica ele tão visível quando das grandes disputas futebolísticas.
Quando o Treze empatou duas vezes com o Corinthians pela Copa do Brasil (e foi eliminado nos pênaltis) recebi emails de gente do Brasil inteiro me dando os parabéns. Idem quando o Galo derrotou o Fluminense em Campina, perdendo igualmente nos pênaltis. Em momentos assim, qualquer nordestino vira trezeano, seja ele maranhense, baiano ou potiguar. Arma-se de repente uma conspiração de espíritos, uma telepatia do DNA. Todos se sentem irmãos, ou pelo menos irmanados durante os 90 minutos em que aquela Confederação do Equador procura reafirmar, desta vez sem sangue ou pólvora, que não somos inferiores a quem quer que seja; que temos luz própria; que somos diferentes; e que temos todo o direito de sê-lo.
Dizem os antropólogos que ninguém inventou ainda um sucedâneo para a guerra melhor do que o esporte. Pode até ser que, com a criação da realidade virtual e do ciberespaço, venhamos a criar novas formas de liberação da agressividade e da nossa tendência cromossômica a quebrar a cabeça do vizinho com uma pedra por mero receio de que ele esteja pensando em fazer o mesmo com a nossa. O ser humano terá sempre essa camada profunda e paleolítica, e por enquanto o futebol é a forma mais divertida de trazê-la à tona para manutenção pacífica. Empunhamos lanças, bandeiras, pipocamos foguetões, falamos em dar o sangue e o suor, enaltecemos a raça e a valentia, enquanto nossos gladiadores maltratam as canelas uns dos outros. Antes assim! O Sport foi campeão sem derramamento de sangue, o Brasil continua intacto, e o Nordeste, pelo menos por dentro, voltou a ser maior do que o Brasil.
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