quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

1605) Entre o chicote e o chiclete (4.5.2008)



(monumento a Isaac Newton na British Library)

Dizem que Sir Isaac Newton, depois de perder cerca de 20 mil libras em especulações financeiras, desabafou: “Eu consigo prever os movimentos dos astros, mas não a estupidez dos homens”. O que é uma ótima notícia para todos nós. Enquanto existirem seres humanos imprevisíveis, capazes de atitudes inesperadas, nenhuma ditadura poderá se manter eternamente. Nem as ditaduras do chicote, nem as ditaduras do chiclete. Nem aquelas que se baseiam na violência, no terror e na intimidação, nem aquelas que se baseiam no pão e circo, na alienação, no controle das massas através do entretenimento e do consumo.

Não são apenas as ditaduras que tentam prever o comportamento humano. As utopias também. Utopias são uma espécie de ditaduras benignas, ditaduras do Bem. São aqueles governos que projetam, com boas intenções, a sociedade ideal, onde todos tenham direito a tudo, sem nenhum tipo de injustiça, bibibi, bobobó. O problema é que para obter isso as utopias fazem uma “limpa” total na sociedade. Não admitem a bagunça, a rebeldia, a contradição. Dizem que na “República” de Platão os poetas seriam expulsos. Por quê? Ora, porque são imprevisíveis.

No tempo de Platão não existiam muitos instrumentos para avaliar as opiniões das massas, mas mesmo assim os gregos inventaram lá o seu formato de democracia, com eleições e tudo. Hoje, com as infinitas possibilidades do controle eletrônico, das pesquisas de opinião, dos mecanismos interativos de comunicação de massas, da lavagem cerebral proporcionada pelo rádio, TV, etc., é claro que todo tecnocrata com sonhos mais audaciosos pensa consigo mesmo: “Chegou a hora! Agora vai ser possível não apenas saber o que 180 milhões de pessoas querem de fato, como também fazer com que todas elas queiram justamente o que nos convém”.

Nem o próprio Isaac Newton resistiria a um desafio como este. Porque existem dois tipos de cientista: os Grandes Individualistas e os Técnicos Competentes. Os primeiros têm por sua própria natureza um certo desprezo para com as massas, que aos seus olhos não passam de um admirável gado novo. Os segundos talvez nem sintam esse desprezo, mas vêem nas multidões o laboratório ideal para experimentos quantificadores em larga escala, que é o que lhes interessa. Quando um governo ambicioso consegue formar um quadro tecnocrático onde os dois tipos estejam bem representados, já está no meio do caminho para articular sua máquina privada de pesquisa e manipulação.

E o que nos salva é aquele herói que o cinema norte-americano, paradoxalmente, sempre endeusou. O indivíduo indomável, o individualista por conta própria, que não se acha superior a ninguém, quer apenas que o deixem em paz, dono do seu nariz, com as mãos ocupadas no que lhe apraz e com as pernas livres para ir onde quiser. Este é o indivíduo que comete as estupidezes lamentadas por Newton, mas que em última análise é o último homem livre, seja ele ovelha negra ou lobo solitário.

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