segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

1423) “Tudo Bem” (5.10.2007)



Revi em DVD este filme de 1978, na época em que Arnaldo Jabor, hoje um dos nossos mais ferozes estilingues, trabalhava como vidraça. Se bem que Jabor, como cineasta ontem e como comentarista de TV hoje, sempre foi um bodoque, uma balieira. Vez em quando discordo de suas opiniões, principalmente sobre política. Mas, e daí? Ele provavelmente também discorda das minhas, então estamos quites, e o proveito da leitura é o mesmo.

Em Tudo Bem (com roteiro de Leopoldo Serran) uma família de classe média reforma seu apartamento, que fica ocupado por um bando ensurdecedor de operários quebrando paredes, raspando pisos, etc. A convivência forçada desorienta os donos da casa, Juarez (Paulo Gracindo) e Elvira (Fernanda Montenegro), um casal maduro em crise. O filho (Luiz Fernando Guimarães) é um carreirista que trabalha com Relações Públicas. Um pedreiro (José Dumont) é despejado e traz a família para se abrigar ali. Uma empregada tem uma crise mística e vê nascerem em seu corpo as chagas de Cristo. Um operário mata outro numa discussão. Juarez dialoga o tempo inteiro com os fantasmas (que só ele vê) de três amigos de juventude: um industrial falido, um militante integralista e um poeta.

Na cena final, o novo apartamento é inaugurado enquanto Elvira tenta esconder as manchas de sangue no tapete e o operário assassinado é velado na área de serviço. Um gringo (Paulo César Pereio), noivo da filha do casal (Regina Casé) faz um longo discurso exaltando a modernização trazida pela TV via satélite: “Pelé dá um chute pelo New York Cosmos, e pimba! Gol no Maracanã!”

O filme é uma polaróide de sua época (inclusive nas canções de MPB que os personagens cantarolam o tempo todo: Belchior, João Bosco...) e produz, 30 anos depois, uma série de ressonâncias. A TV por satélite daquele tempo é a Internet de hoje. Uma possibilidade, para a classe média, de se inserir no consumo globalizado, no cosmopolitismo, anulando o Atlântico para se engatar à Europa e aos EUA. A equação social armada por Jabor defronta patrões e empregados. Nordestinos e operários são vistos como “o Outro” em relação à classe média carioca. O enredo, compreensivelmente, não consegue antever a dimensão dos problemas que explodiriam depois de três décadas: a droga, o crime organizado.

Exageradamente teatral (como a quase totalidade do nosso cinema), o filme vale menos pelo Raio-X sociológico do que pela carnavalidade das situações a que os atores se entregam com gosto. Às vésperas da Anistia, o alegorismo indecifrável dava lugar a provocações debochadas com endereço certo. É notável o discurso ufanista tecnológico com que a classe média da época (ironizada por Jabor) saudava a TV via satélite, sob pretextos de integração nacional (um objetivo estratégico da ditadura), educação coletiva, inserção no Mercado, etc. Com DDD, DDI, celular, Internet, Orkut, YouTube e Google continuamos na mesma cantilena, enquanto o bafafá na área de serviço foi elevado ao cubo.

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