É a mais recente praga que se alastra pela língua portuguesa do Brasil, e seu principal grupo de risco são os executivos empresariais e suas secretárias. “Pois não, senhor... Eu vou estar enviando o seu contrato amanhã cedo...” Esta construção tão desajeitada é uma tradução aproximada do inglês “I shall (ou “I will”) be sending you the contract tomorrow morning...” Se você quiser que a língua inglesa desmorone como as Muralhas de Jericó é só retirar-lhe os verbos auxiliares (e os pronomes também, aliás), e ninguém conjuga mais nada. Português não é assim. Se você disser: “Enviarei seu contrato amanhã cedo”, todo mundo entende. Mas não, o pessoal acha que é um defeito usar uma palavra só quando podem-se amontoar três ou quatro, e em razão disto eles vão estar amontoando esses monstrengos até o dia do Juízo Final.
O linguajar “burocratês” tem uma longa folha-corrida de delitos cometidos contra a beleza, a funcionalidade ou a simplicidade do idioma; às vezes, contra os três numa tacada só. A razão principal disto é a tentativa de parecer chique. Se vocês prestarem atenção, verão que no linguajar dos escritórios existe uma separação tipo “casa grande & senzala” entre verbos sinônimos; sempre existe um verbo “chique” para substituir um sinônimo “vulgar”. Por exemplo: em burocratês as pessoas não esperam: elas aguardam. Ninguém manda uma carta: envia, ou remete. Na burocracia, ninguém pede: solicita. Em caso de dúvida, não se deve perguntar, e sim indagar. Os chefes não mandam: eles determinam. E assim por diante.
Faço esta crítica porque acho que a razão dela está muito próxima à de uma outra batalha que se trava por aí: a do uso indiscriminado de aportuguesamentos de palavras em inglês. Eu não tenho preconceitos nacionalistas, como aliás deve ser óbvio para quem lê esta coluna. Acho normal dizer saite, draive, acessar, deletar, deu um bug. Ainda não acertei a dizer mause em vez de “mouse” mas um dia eu chego lá. Qual é o problema, então? O problema é que estes termos não foram criados por submissão colonizada à língua do imperialismo, mas por simplicidade, atalho, encurtamento de caminhos para a expressão. Não é o caso das expressões no parágrafo acima, em cujo uso eu detecto uma angústia freudiana de parecer chique, de se distanciar da classe social imediatamente abaixo.
O problema não é aportuguesar palavras em inglês, é escrever em português como se fosse um inglês mal traduzido. Sou um leitor de histórias em quadrinhos, mas a qualidade da tradução dos álbuns é constrangedora. Prefiro pagar o triplo e ler no original, porque pelo menos vou ter uma idéia do que os personagens estão dizendo. Quando deformamos, diluímos e sub-aproveitamos o português, aí sim, estamos abrindo caminho para que outras línguas o suplantem, porque tudo que dizemos nessas outras línguas parece fazer sentido, e a nossa própria língua parecerá sempre uma tradução mal-feita.
Um comentário:
A literatura brasileira padece também desse "amontoar" de palavras que tornam novelas instigantes em romances enfadonhos.
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