Minha mãe contava uma história que não sei se ouviu contar, ou se sucedeu com alguém conhecido, no seu tempo de infância. Numa localidade qualquer havia uma pedra grande e pesada, à beira de um caminho, com uma inscrição já meio apagada, que, soletrada com paciência, dizia: “Aquele que me virar, grande cabedal achará”. Quando um sujeito lia aquilo, seus olhos enchiam-se de cifrões, ele botava mãos à obra, pegava um galho de aroeira para fazer alavanca, e, com algum esforço, conseguia virar a pedra. Na face de baixo podia-se ler outra inscrição: “Deus te ajude a quem me virou”. A gente se divertia muito com esta anedota, e acho que uma das primeiras idéias próprias que tive na vida foi imaginar que a peça pregada pelo humorista anônimo só seria possível se a vítima virasse a pedra de novo, deixando a primeira inscrição para cima, para pegar o próximo besta.
Isto me veio à mente agora, quando li a história da maldição de Pedra de Carlisle, uma pequena cidade inglesa. Em 2001, um artista plástico local, Gordon Young, produziu uma obra para um museu da cidade. Ele pegou uma pedra enorme, da altura de uma pessoa, pesando 7 toneladas e meia, e nela copiou um texto antigo: uma maldição proferida em 1525 pelo Arcebispo de Glasgow. (Não me perguntem a finalidade disto, é coisa de artista plástico, e pronto.) Desde sua instalação, a pedra foi violentamente combatida pelos evangélicos locais. E agora tem gente atribuindo à pedra tudo de ruim que têm sucedido a Carlisle: desemprego, surtos da doença da vaca-louca, um incêndio, inundações, e até mesmo a má campanha do time local no Campeonato Inglês.
A maldição do século 16 se voltava contra os “reivers” (forma antiga de “reavers”): assaltantes, estupradores, malfeitores em geral. Dias atrás, o Conselho Municipal se reuniu e decidiu que a pedra não seria destruída, pois não havia nenhum motivo sensato para responsabilizá-la por problemas que acontecem no país inteiro. A verdade é que inscrições em pedra têm uma credibilidade enorme, justificando aquele provérbio de que o escrito na areia passa, e o escrito na pedra fica. Dizem que o túmulo de Shakespeare, em Stratford-upon-Avon, tem escrito na lápide: “Maldito seja quem tocar nestes ossos”, e que até hoje não teve ninguém que ousasse desobedecer. Isso me faz pensar que no túmulo de Tutankamon devia haver algo parecido, só que escrito em hieróglifos egípcios. Ninguém se deu ao trabalho de traduzir, foi logo botando a porta abaixo, e eis aí a “Maldição do Faraó”.
A história da Pedra de Carlisle é curiosa: sugere que uma praga rogada contra criminosos do passado possa prejudicar, hoje, os descendentes de quem a proferiu. Se é para acreditar na eficácia dessas coisas, acho que seria mais sensato considerar a Pedra um talismã, uma proteção contra os bandidos. A reação que houve é típica de quem crê no poder do Desconhecido mas não tem capacidade de dialogar criativamente com ele.
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