Muitas vezes, quando estamos escrevendo (compondo, filmando, etc.), o entusiasmo criativo é tão grande que tendemos a sufocar o leitor, dizendo tudo, explicando tudo, mostrando tudo. Está errado. O leitor gosta de se sentir esperto. O leitor gosta de adivinhar o que estamos pensando, nas entrelinhas do que estamos dizendo.
O leitor gosta de perceber nosso trajeto do raciocínio A para a conclusão B, sem que tenhamos de explicar tintim por tintim como chegamos lá. Toquei no assunto há algum tempo (“Prolixidade”, 8.1.2004) e agora toco de novo para mantê-lo acordado.
Para mostrar o essencial é preciso saber o que é essencial, e muitas vezes não sabemos. O recente filme Dogville de Lars von Trier faz uma experiência interessante: recria uma cidadezinha através de riscos de giz no chão do cenário. Paredes e casas invisíveis, pessoas que fingem abrir portas e janelas. É um imenso palco de teatro, vazio, com um mínimo de móveis e objetos.
Depois de meia hora de filme, a gente nem percebe que a cidade não existe: presta atenção apenas no essencial, ou seja, no que acontece com os personagens.
A síntese verbal é igualmente importante. Há uma frase famosa, que já vi atribuída a Blaise Pascal e a Oliver Goldsmith, numa carta a um amigo: “Desculpe a carta ter ficado tão longa, não tive tempo de fazê-la mais curta.”
A literatura (a escrita, de um modo geral) deveria adotar uma regra básica do cinema, chamada de “8 por 1”, ou seja, para cada hora de filme na tela são filmadas oito horas de material. Um copião de 16 horas nos dá um filme de duas. Não conheço muita gente que escreva 800 páginas para produzir um livro de cem.
Transcrevi ontem, aqui, um curioso exercício de Eric Schulman, uma “História do Universo” em 200 palavras. Houve quem a achasse muito prolixa. Um sujeito religioso contou a mesma História em apenas duas palavras: “Deus. Homem.” Um agnóstico discordou, e deu sua versão compacta: “Nada. Algo.”
Um curioso exercício de contenção linguística é o que em inglês se chama “drabble”: histórias com exatamente 100 palavras. Parece difícil? Confira em: http://www.livejournal.com/interests.bml?int=drabbles.
O credo do minimalismo está sintetizado na quadrinha de Paulo Leminski:
Um pouco de Mao
em cada poema que ensina:
quanto menor
mais do tamanho da China.
A obsessão infatigável de Jorge Luís Borges pelo minimalismo já reduziu o universo a uma biblioteca (“A Biblioteca de Babel”), a um livro (“O Livro de Areia”), a uma palavra (“Undr”), a uma letra (“O Aleph”).
Não precisamos ir tão longe, mas não custa nada tentar escrever como se cada frase tivesse a obrigação de dizer alguma coisa, como se cada palavra tivesse o poder de ser insubstituível.
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