sexta-feira, 7 de novembro de 2025

5206) As Filmagens Redescobertas (7.11.2025)




O conceito de “found footage”, que traduzo aqui por “filmagens redescobertas”, é um tema recorrente na ficção, tanto a realista quanto a fantástica. Implica na descoberta, ou redescoberta, de algum tipo de material filmado algum tempo atrás e que estava desaparecido, ou por alguma razão era conhecido por poucas pessoas. 
 
As variações são muitas. O que importa é que este subgênero narrativo se alimenta de um certo fetichismo cinéfilo por material filmado, algo que já existia mas não era conhecido.  Algo que era fisicamente real, mas não fazia parte da “realidade consensual”, da consciência coletiva de um grupo, um país, etc. 
  
Às vezes é a obra de um diretor obscuro, filmes que foram exibidos para platéias obtusas ou indiferentes, e que somente anos depois alguém assiste a sério e percebe conter implicações mais sombrias. 



É o caso de Flicker (1991), romance de Theodore Roszak (aquele mesmo que escreveu o clássico A Contracultura). Alguém começa a ver os filmes de um diretor de filmes B de terror e descobre ali uma conspiração internacional e maligna, mistura de Dan Brown com H. P. Lovecraft. 
 
Redescobertas desse tipo recorrem a um tema dos mais interessantes da narrativa de ficção: o de que o Passado às vezes nos reserva mais surpresas do que o Futuro. 
 
Há fragmentos do Passado que a maioria de nós desconhece, mas no momento em que se tornam conhecidos mudam radicalmente a nossa maneira de enxergar não só o Passado, mas o próprio presente. São revelações que mudam nossa visão do mundo. 



O filme inglês LOLA (A Máquina do Tempo), de Andrew Legge (2022), é uma experiência curiosa de ficção científica e filmagem redescoberta. Sua premissa narrativa é de que por volta de 1938 duas moças inglesas órfãs, filhas de um casal de cientistas, inventam uma máquina de espiar o futuro, captando as transmissões de rádio e TV de meses ou anos à frente. 
 
Como elas têm câmeras portáteis em casa, e gostam de se filmar uma à outra, o filme é narrado a partir dessas cenas. (Com som direto, meio improvavelmente, mas tudo bem.) 




De início as moças se limitam (de um modo muito divertido) a ficarem fãs de David Bowie e do rock em geral. Mas começa a II Guerra, começa Blitz nazista contra Londres, elas se dão conta de que podem captar transmissões de rádio do futuro e avisar onde as bombas vão cair. Não conseguem evitar o bombardeio – mas avisam as pessoas, e salvam vidas. 
 
Passam a trabalhar em conjunto com as forças armadas britânicas, uma delas se apaixona por um oficial (e é correspondida), mas daí a pouco elas percebem que algumas de suas interferências estão de fato alterando o curso do tempo. Porque quando elas saltam para o Futuro mais afastado (ou seja, a década de 1970) David Bowie não existe mais – quem está em seu lugar nas paradas é um roqueiro de extrema-direita, com canções tipo “The Sound of Marching Feet”. E então começa o pesadelo. 
 
O filme está no streaming do “Belas Artes À La Carte”, do qual sou freguês. 



Filme de filmagens redescobertas, no entanto, precisa ter uma estética particular – e nesse sentido é possível ver variações interessantes, principalmente em filmes fantásticos ou de terror, como A Bruxa de Blair (1999), Cloverfield (2008) e tantos outros. 
 
LOLA é um excelente exemplo da estética-do-fragmento que esses filmes exploram. Porque uma filmagem redescoberta nem sempre é de um filme completo, editado, pós-produzido, lançado comercialmente. É sempre um rascunho cinematográfico, um esboço, um conjunto de tentativas que ficaram pelo meio do caminho. 
 
LOLA não faz muito esforço para eliminar este aspecto, pelo contrário, aposta nele. A história é contada aos solavancos, de um modo ziguezagueante, cheio de falsos começos, interrupções, repetições, ações que nunca se concluem...  



(LOLA: Emma Appleton, "Thom", e Stefanie Martini, "Mars")
 

Eu gosto de narrativas assim, mas sei o quanto é difícil fazer o público-em-geral aceitar.
 
É preciso ir montando mentalmente o quebra-cabeças da sequência de acontecimentos, mas neste sentido o roteiro (do diretor Legge e Angeli Macfarlane) é muito bem amarrado, mesmo quando a narrativa parte para o território do improvável. Há uma sequência lógica nos fatos; o diálogo fornece a informação complementar. 
 
Neste aspecto, LOLA exige tanto esforço mental (ou menos) quanto um filme de super-heróis qualquer – só que está sendo contado em outro idioma, que é preciso aprender a dominar enquanto se assiste. 







Nenhum comentário: