quinta-feira, 19 de junho de 2025

5185) A Feira do Livro de São Paulo (19.6.2025)




“São Paulo, São Paulo, ai como o tempo voa... eu sinto saudade das noites de garoa...” Nem lembro mais quem entoava esta canção dolente, num velho disco de 78 rotações girando em nossa radiola, na Rua Miguel Couto, lá pelos meus dez anos de idade. 
 
Ir a São Paulo tem sido uma oportunidade rara para mim, o que é uma pena, porque é ao mesmo tempo uma viagem ao Passado (o meu passado pessoal) e ao Futuro (ao futuro da humanidade). Caí de paraquedas, dias atrás, na Feira do Livro, na praça Charles Miller, no Pacaembu, e ela me deu a chance de refazer esse passeio. 
 
Fui a trabalho, claro. Eu só viajo a trabalho. Fui lançar meu novo cordel infanto-juvenil, Artur e Isadora na Cidade Subterrânea, pela Editora 34, com ilustrações de Cecília Esteves. 




A Feira do Livro me lembrou muito a nossa Primavera dos Livros, do Rio de Janeiro. Um espaço largo, amplo, aberto, com muita circulação de pessoas, gente comprando livros, gente espiando livros com olhar comprido, casais com crianças, escritores e leitores misturados. Um friozinho agradável (sem aqueles exageros siberianos com que São Paulo nos provoca às vezes) e um sol que alegra sem incomodar. 
 
E principalmente sem aquele barulho ensurdecedor e reverberante das Bienais do Livro feitas em espaços fechados, repletos de gente se espremendo, com engarrafamentos de pedestres em cada esquina, e os batalhões ninguém-solta-a-mão de colegiais. Não me entendam mal. Sou a favor, sim, das Bienais nesse formato; sei que dão uma aquecida nas vendas, e ajudam na formação de jovens leitores. Mas para os cronologicamente prejudicados acabam sendo mais desgastantes do que um Vasco x Flamengo em São Januário. 
 
Estive no estande da Patuá/Patuscada para dar um abraço em Pricila Gunutzmann e Eduardo Lacerda, que abrigam o meu Fanfic (2019). Edu estava doente (já se recuperou, estou sabendo), mas é sempre bom ver desde longe a multidão de autores que aflui para o campo gravitacional dessa editora única e insubstituível. 




Claro que fui à Bandeirola dar um abraço na minha editora Sandra Abrano (na Praça das Bancadas). Lá estão meus contos de ficção científica (A Espinha Dorsal da Memória, Mundo Fantasmo), minha antologia de contos policiais (Crimes Impossíveis), minha coletânea de artigos literários (Não Ficções). Além, é claro, de muita coisa boa, desde Conan Doyle, Franz Kafka e César Vallejo até jovens autores brasileiros, e o livro da própria Sandra, Vestígios, um mergulho assustador nos subterrâneos remanescentes da ditadura militar, infiltrada nas atuais “empresas de segurança” e similares. Recomendo muito. 



(com Sandra Abrano e Finisia Fideli)

 
E passei a maior parte do tempo com a minha turma da “34”, editora que me publica há quase trinta anos. Mando um abraço agradecido a Rafael Mastrocinque, Bruno, Roberta, Raquel Camargo, Lígia, Ivan e os demais – acabei não guardando o nome de todo mundo mas guardei o carinho e a atenção. Fiz um bate-papo instrutivo e alegre com o cordelista Costa Senna (da Editora Global), guerreiro do verso do sertão de Quixadá. 



(com o poeta Costa Senna) 

 
Através da “34” tive a chance de visitar o Colégio Renascença, na Barra Funda, que vem há meses trabalhando meu cordel A Pedra do Meio Dia, ou Artur e Isadora. Conversei durante uma hora com uma centena de garotos e garotas de olho vivo e cabeça rápida, uma turma alegre e inteligente que recitou um cordelzinho rimado (escrito pelo aluno Yuri Galante, do 7º. Ano B). Imprimiram também um livreto de versinhos ilustrados, enchendo minha bola. Outro aluno tocou “Asa Branca” no teclado em minha homenagem! O que mais posso pedir à vida?! 







 
Ainda na Feira, reencontrei meus colegas autores paulistanos, com quem converso vez-em-quando pelos balloons eletrônicos, mas sempre é bom dar uma checada pessoal de cerveja em punho. Encontrei Ronaldo Bressane, Joca Terron & Isabel, Fabricio Corsaletti (que está com seu Um Milhão De Ruas pela “34”), o globe-trotter Carlos Fialho, Roberto Causo & Finisia Fideli, Roberto Fideli (que agora reencontrei como autor já publicado), César Silva, Cacá Lopes... 



(com JP Cuenca, Carlos Fialho e Fabrício Corsaletti)

 
Com J. P. Cuenca e Igor (da revista “Canarana”) aterrissei num fantástico boteco em Perdizes onde assistimos a estréia vitoriosa do Flamengo no Mundial de Clubes, e saímos com o coração nas nuvens e as cordas vocais corroídas. Vencer, vencer, vencer. 



("Flamengo, joga amanhã que eu vou pra lá")
 

A Feira é grande, os encontros providenciais se sucedem. Nem deu tempo de descobrir onde ficavam todas as editoras onde tenho amigos e colegas. Mas ainda deu para dois dedos de prosa com Rubem & Fernanda, da Cambalache (na Tenda das Ilhas), onde ganhei o livro do meu ex-editor na revista Língua Portuguesa, Luiz Costa Pereira Júnior: Vamos Matar Oswald, uma experiência fascinante de História Alternativa ambientada na época do Modernismo brasileiro, e que já está na fila de leitura. E, na mesma Tenda, com Carla & Íris da “Meia Azul”, que publicou minha tradução dos contos extraordinários de Alice Sheldon, a.k.a. “James Tiptree Jr.”, Mulheres Que os Homens Não Veem



 
Depois de muito perguntar, dei com os costados (na Praça das Bancadas) na Editora Papéis Selvagens, onde localizei um livro de César Aira que procurava há tempos, troquei figurinhas com o editor Rafael Gutiérrez, e ganhei o curiosíssimo Tudo É Grande Demais Para a Pobre Medida da Nossa Pele, de Bernardo Brayner, que também já se instalou na fila de leitura (a esta altura mais comprida do que a da Praça de Alimentação). 
 
As feiras literárias desse tipo são espaços de convivência e de atração, em que são os livros o mel e nós as moscas. Ficamos esvoaçando entre esses milhares de títulos, milhares de capas, milhares de portais à nossa espera, cheios das “promessas divinas da esperança”, sentimos a vertigem gozosa das mil e uma faces do Ser, e sentimos ao mesmo tempo “a angústia de uma vida demasiado curta para tantas bibliotecas” (Rayuela). 

Cada um de nós percorre um caminho diferente criado por suas escolhas e por seus acasos. Não há duas pessoas que tenham lido exatamente os mesmos livros. Deve ser para isto que pessoas e livros são tantos.
 
Você leu o quê? Você viu o quê? O que descobriu? O que encontrou? O que ganhou? O que sentiu? O que aprendeu? O que duvidou?
 
E as possibilidades, como sempre, são infinitas.




 
 
 
 



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