O filme tem cópia no YouTube, com áudio original em
espanhol e legendas em inglês:
https://www.youtube.com/watch?v=TkZp39MEDGA&t=1139s
É uma alegoria política, ambientada na cidade fictícia de
“Aquilea”, em 1957. Isso lhe dá um tom levemente fantástico, como ocorre com
toda história onde um país imaginário serve como uma transparente metáfora do
país onde o filme está sendo feito.
Esse recurso coloca Invasión
no mesmo plano de Terra em Transe
(1966) de Glauber Rocha, com suas locações imaginárias de “Eldorado” e
“Alecrim”, ou mesmo o “Alphaville” (1965) de Godard, que cenograficamente e
dramaturgicamente é uma mera alegoria da Paris onde foi rodado. Também tem algo de outro filme brasileiro, O Quinto Poder (1962), de Alberto Pieralisi e Carlos Pedregal, um thriller político futurista.
No livro Do Cinema (Lisboa:
Horizonte, 1983), em que Edgardo Cozarinsky compilou textos de Borges sobre
cinema, aparece o resumo pouco esclarecedor:
https://www.youtube.com/watch?v=TkZp39MEDGA&t=1139s
INVASIÓN – Invasión é a lenda de uma cidade, imaginária ou real, sitiada por fortes inimigos e defendida por alguns homens que por acaso não são heróis. Lutam até o fim, sem suspeitar de que a sua batalha é infinita.
Aos poucos os conspiradores anti-invasão vão tendo seus
planos sabotados, são mortos de um em um pelos inimigos, e percebem que em breve Aquilea será
invadida por terra, mar e ar. Seu líder, Don Porfírio (ao que se diz, inspirado
em Macedonio Fernándes, mentor e amigo de Borges) vê seus recursos minguando
cada vez mais. O final, contudo, abre a possibilidade de uma nova célula de
resistência.
Para mim é muito claro que o filme serve, entre outras
coisas, como uma celebração da resistência armada dos jovens esquerdistas, tal
como ocorria com Terra em Transe. É
curioso que um autor politicamente conservador como Borges tenha participado
(em alguns momentos, até com entusiasmo) de um projeto como este, mas dá para
entender. Em momento algum se fala da Argentina; o espaço geográfico e político
do filme se situa num limbo alegórico, e posso perfeitamente imaginar Borges
vendo ali apenas a aventura de um grupo de homens valentes, de revólver em
punho, enfrentando forças muito mais numerosas e mais bem aparelhadas.
Há outros toques autobiográficos. Um personagem, Moon, se
envolve em pequenos acidentes ou episódios desajeitados, e percebe-se que não
enxerga muito bem. No fim, caminha sem medo de encontro ao pistoleiro que o
procura para matá-lo. Ao levar o tiro, cai, o pistoleiro lhe pergunta: “Não viu
que eu estava armado?”, e Moon responde: “Eu era cego.”
Bioy Casares, no volumoso diário em que registrou ao
longo de décadas suas conversas com Borges (Borges,
Buenos Aires, Ediciones Destino, 2006) registra alguns momentos dessa
colaboração.
“Não é fácil pensar por encomenda. Quando alguém tem uma idéia, ela já lhe ocorre com sua própria expressão. Aqui, temos a idéia, mas não sabemos com que situação expressá-la. Era melhor que chamasse Ulisses Petit de Murat, que com duas patadas resolvia o assunto. Outro argumento possível seria a história de um escritor que recebe um cheque para escrever algo e depois vende a própria casa, para reembolsar o contratante; qualquer coisa, menos fazer esse trabalho.
Este é o trabalho mais subalterno que já fizemos. Episódios de Rocambole, embora eu não saiba muito bem como era o Rocambole
Borges janta aqui em casa. Tomamos uma resolução heróica: não vamos escrever o argumento cinematográfico. O contrato a que renunciaremos, que não vamos mais assinar, é de trezentos mil pesos de adiantamento, antes da entrega; e mais setecentos mil em cotas posteriores, até a estréia do filme. Entregaremos o resumo do filme, em versão revisada, e nos veremos livres desse jugo.
Falei para Muchnik: “Tenho uma boa e uma má notícia. A boa é que terminamos o resumo do filme, e vamos entregá-lo para você usar como quiser. A má é que não vamos escrever o roteiro [“el libreto”]. Como um cavalheiro, como bom perdedor, Muchnik aceita minhas palavras. Diz que estas dez páginas que já fizemos são o essencial e que graças a elas poderão seguir adiante com o filme. Depois do jantar nos reunimos no escritório e leio o resumo do argumento meu e de Borges. Muchnik se declara satisfeito, feliz, conversa um pouco sobre o filme, sugere detalhes e modificações lúcidas, e até um possível título: Invasión.
Mais tarde, Borges comenta: “É um cavalheiro. Não fraquejou em nenhum momento. Quando se vir sozinho no quarto, vai começar a chorar. Nós lhe entregamos um argumento que parece de Nick Carter ou de Nick Winter, e ele por outro lado nos presenteou uma cena digna de Henry James: o fervoroso admirador que descobre que seus ídolos têm pés de barro, que os seus colossos são chiquititos. Eu também acredito que um homem que sabe pintar é capaz de pintar um gato, se o encomendarem.
MILONGA DE MANUEL FLORES(J. L. Borges / Anibal Troilo)Para los otros, la fiebrey el suor de la agonía,y para mí, cuatro balascuando esté clareando el día.Manuel Flores va a morireso es moneda corientemorir es una costumbreque sabe tener la gente.Mañana vendrá la balay con la bala, el olvido;lo dijo el sabio Merlín:“Morir es haber nascido.”Y, sin embargo, mi cuestadecir adiós a la vidaesa cosa tan de siempretan dulce y tan conocida.Miro en el alba mi manomiro en la mano las venascon estrañeza las mirocomo si fueran ajenas.Cuantas cosas estos ojosen su camiño habrán vistoquén sabe lo que verándespués que me juzgue Cristo.Para los otros, la fiebrey el suor de la agonía,y para mí, cuatro balascuando esté clareando el día.
Um dos principais defeitos do filme são os diálogos, demasiado concluídos, corretos e sentenciosos. No próximo filme, vais precisar te conter um pouco. Se não puderes, escreveremos do teu jeito e depois corrigimos, mas o corrigiremos de um modo contrário ao habitual: cortando e estropiando as frases que tenham saído muito perfeitas. Borges: Shaw demonstrou que o teatro tolera perfeitamente os longos monólogos... Bioy: Em primeiro lugar, cinema não é teatro; depois, boa parte dos monólogos de Shaw têm um tom redigido de modo menos impecável do que os teus. Borges: Parece que Shakespeare escrevia dois textos para cada peça: um para seu prazer de escritor, e outro para a representação, o acting text. Acredita-se que de "Macbeth" sobreviveu apenas o “acting text” e das demais peças o primeiro, o literário. Por isso "Macbeth" é a melhor das suas peças.
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