(ilustração: J. Borges)
Existem artes transversais, que se reencarnam em diferentes mídias, como se diz hoje em dia. A Narrativa, por exemplo: é uma arte transversal que é praticada, sempre com mutações, na literatura, no cinema, nos quadrinhos, no teatro, na poesia...
Outra arte
transversal é o Improviso. Talvez isso não
constitua uma “forma de arte em si”, seja isto o que for. Para alguns, é um
mero recurso, um mero elemento.
Improvisar
solos de saxofone num clube de jazz não é precisamente a mesma coisa que glosar
um mote numa Mesa de Glosas no sertão; mas se é improviso legítimo, e todos já
constatamos que isso existe de fato, então há algo em comum entre os dois.
O Improviso,
em casos assim, seria a capacidade de produzir uma resposta criativa e original
dentro de um quadro de limitações específicas. Na música as limitações são o
tom, o andamento, a proposta harmônica da canção, porque o músico vai ter que improvisar
seu solo de acordo com essas regras. É a limitação prazerosa, que faz um
artista de verdade arregaçar as mangas cheio de confiança de que vai conseguir.
Numa Mesa de
Glosas, anuncia-se um mote e alguém vai ter no máximo (dependendo de sua ordem
na fila) alguns minutos para inventar uma resposta, obedecendo rigorosamente à
métrica e ao esquema de rimas. Pergunte se algum glosador reclama dessas
exigências; pelo contrário. Só tem graça assim.
Ser capaz de
improvisar dentro de regimes tão severos é prova de habilidade, de
inteligência, de talento bruto até, mas também de uma experiência que dá ao
improvisador a chance de nunca começar com as mãos vazias, já ter umas armações
em mente quando se aproxima sua vez de improvisar.
O improviso,
com todas as suas variantes, está presente no teatro, na dança, nos folguedos.
Está presente no cinema, mais do que se imagina. Quando se filma sem grana e
com poucas chances de repetir, o improviso é crucial. Ele está sempre colado a
qualquer corpo de filmes independentes, vanguardistas, experimentais, etc.
Quanto mais profissional o cinema, quanto mais produção, mais estúdio... menos
improviso.
Teoricamente.
Mesmo no cinema de Hollywood qualquer livro de memórias traz dezenas de
exemplos de ações, diálogos, cenas inteiras criadas de improviso diante da
câmera. Alguém improvisa algo, todo mundo concorda que ficou bem melhor assim.
O que você faz quando cria algo “do nada”, e fica bem feito? Você salva, e
incorpora.
O improviso
em atividades com esse perfil não é fazer em alguns segundos o que alguns levam
horas, é preparar em dois dias o que precisaria de dois meses. Às vezes dá certo.
Eduardo
Coutinho pegou uma equipe e arrastou-a consigo para o Sertão do Rio do Peixe,
na Paraíba. Sem roteiro. Chegando lá, a primeira pessoa que entrevistou o
ajudou a compor um roteiro de entrevistas em sítios e vilarejos ao redor. E o
filme, O Fim e o Princípio, foi
feito.
Em casos
assim, é improviso porque algumas de suas manobras, (ensaios, filmagem) requerem
dias para acontecer, então é um improviso dilatado no tempo, que pode muitas
vezes ser revisto, ser redirecionado.
Desse modo,
pode-se ter um conceito mais elástico do que é “improviso”, desde uma escala de
segundos (na cantoria de viola, onde os versos são improvisados alternadamente
e duram de 30 a 40 segundos) até uma escala de semanas (a improvisação da
filmagem de um longa-metragem, em locação).
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