Existe toda
uma categoria de expressões populares destinadas a exprimir a idéia de um tempo
antigo, de um passado remoto. Fica sempre a questão de saber se algumas delas são
somente paraibanas (ou nordestinas) ou se são usadas no Brasil inteiro. Tem
muitas coisas que eu às vezes erradamente considero paraibanas apenas porque
foi na Paraíba que tomei conhecimento delas.
O teste a
que procuro submetê-las é: Eu já ouvi essa expressão sendo usada em outras
regiões do Brasil, usadas espontaneamente, como parte da linguagem diária das
pessoas? Porque às vezes a pessoa diz algo em Goiás ou em Rondônia mas é algo
que lhe chegou via paraibanos, seja na vida real, da música, do cinema. A
expressão existe lá longe, mas existe importada. Quem diz muitas vezes percebe
isso, diz meio que citando, meio que “arremedando”.
Uma
expressão que acho que vale para o Brasil inteiro é “No tempo em que se amarrava cachorro com linguiça”. Ou seja: num
tempo em que havia certos usos e costumes que hoje vemos como absurdos.
(A imagem do
cachorro e da linguiça reaparece com outra função em outro contexto, para
produzir uma idéia semelhante à de “botar a raposa para tomar conta do
galinheiro”.)
Uma que acho
bem paraibana é: “Isso é do tempo em que
Adão era cadete”. Como tantas expressões populares, tem um quê de
surrealismo (Adão servindo nas Forças Armadas!) e sua graça repousa em grande
parte na música, nessa assonância prazerosa do ‘AD” nas duas palavras.
Outra que é
nordestiníssima é “Mil novecentos e
cocada”. Também se diz: “Mil
novecentos e lá-vai-fumaça”. Gosto de uma expressão equivalente, mas não sei precisar
de é da Paraíba ou do Nordeste: “Isso
é do tempo em que galinha ciscava pra frente.” Outra muito engraçada é: “Isso é do tempo em que cu era quadrado”.
Quem bota
essas coisas em circulação é a criatividade popular. São anônimos os inventores
das anedotas, das expressõs brincalhonas, das gírias. Claro que quem não é
anônimo também pode dar os seus palpites, desde os neologismos de Guimarães
Rosa até Fausto Silva, da televisão, que saiu-se com esta: “Este é um programa do tempo em que sexo oral era contar
piada de sacanagem”.
Talvez a expressão
mais generalizada nesse sentido seja “Isso
é do tempo do ronca”. O que é o Ronca? Mistério, embora a explicação cabal
deva estar em alguma página de Câmara Cascudo que ainda não me passou sob os
dedos. Pode muito bem ter sido algum delegado brabo ou algum ouvidor da Corte,
rodeado de puxa-sacos.
Ariano
Suassuna tem essa citação saborosa:
O
"Badalo" é uma terra que tem, aqui em Taperoá, e que só dá
doido! A velha Maria Galdina é de lá, e
vive cantando umas modas-antigas, umas cantigas-velhas, do tempo do ronca e de
Dom Pedro Cipó-Pau!
(Ariano
Suassuna, Romance da Pedra do Reino, pag. 488)
“Dom Pedro
Cipó Pau” eu nunca ouvi na fala corrente das pessoas. É coisa que Ariano talvez
tenha escutado na infância, o que já me traz à memória outra expressão que ouvi
por aí: “Ah, isso é muito antigo, é do
tempo de Mil Novecentos e Vovô Menino”. Essa não me vem à memória como coisa
nordestina, tenho quase certeza que ouvi no Rio de Janeiro.
Um comentário:
Aqui em Ré-cife, minha mulher diz algo bem parecido com esse vovô menino. ela diz: isso é do tempo de vovó neném.
Abraços
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