As histórias de viagens no tempo, pela sua própria
natureza, produzem um certo número de situações-padrão que se repetem de modo aparentemente aleatório e de modo
aparentemente orgânico ao longo dos tempos.
O mais conhecido e mais desgastado deles é o famoso
“Paradoxo do Avô”: João volta algumas décadas no passado, encontra seu próprio
avô ainda jovem, e consegue matá-lo. Com isso, o avô não casa com a futura avó;
o pai (ou a mãe) de João nunca chega a existir. Mas então João também não
existiu. Portanto não poderia viajar no tempo, nem matar o próprio avô. Sendo
assim, o avô ficou vivo, casou, lá vem o pai, lá vem João, a máquina do
tempo...
É um loop que a cada volta anula seu próprio postulado de
origem, mas prossegue em frente por pura bravata narrativa, até explodir de
encontro à próxima bifurcação lógica, e tudo recomeça. Nesse loop, a cada passada se tem uma
resposta positiva e negativa, alternadamente (“matou mas então não nasceu”,
“não matou e nasceu sim”), mas essa polaridade se inverte no fim de cada
passada. É como um anel de Moebius, onde temos a sensação de estar numa
superfície contínua mas ela muda de dimensão quando chega no ponto da “torção”.
O que sempre me intrigou neste clichê narrativo da pulp
fiction foi o fato de que o avô entra na volúpia desse morticínio como entrou
Pilatos no Credo e a Fiat no Pai Nosso. Por que matar o avô? Se o paradoxo
inteiro se origina na possibilidade de anular a existência do viajante no
tempo, bastava que ele voltasse e matasse o próprio pai, impedindo-o de gerar o
filho. Pelo que entendo, o paradoxo não se alteraria.
O grande problema deve ser que talvez esse confronto ficasse
freudiano e gráfico demais. Édipo anda com muita visibilidade. Voltar no tempo
pra matar o próprio pai?! Inaceitável
pelas bilheterias. No máximo, voltar no tempo para garantir que seu pai vai ser
homem bastante para comer sua mãe, como fizeram os autores de De Volta Para o Futuro (1985).
Na maioria das histórias, o inconsciente coletivo (dos
redatores em mesas grupais, ou de contistas em serões solitários) pulou o pai e
colocou o avô em xeque. Não foi nada mal para ele. The Grandfather Paradox. Acho mais divertido ser nome de paradoxo
do que ser nome de rua.
Talvez tenha sido um impulso márqueto-afetivo semelhante
ao que fez Walt Disney e seus criadores transferir certos conflitos e certas
liberdades, transferindo ambos para “tios” (Donald, Mickey, etc.) e não para
pais e mães.
Nesse aspecto, acho que os escritores de FC nos pulp
magazines dos anos 1940 tinham receio de mexer nesses países-baixos da mente
humana , diante de um público leitor mais ou menos composto de jovens
proto-nerds, zés-ninguéns desempregados, soldados em território de
combate... Matar o pai poderia ser
perturbador, mas matar o avô era algo mais intermediado, mais diluído, era como
acasalar com a prima.
O Paradoxo do Avô, portanto, é um circunlóquio, uma
maneira mais tortuosa e menos impactante de sugerir uma ideia, usando uma volta
mais comprida para fazer estalar o gatilho do enredo: um homem é capaz de
anular a si mesmo a ponto de anular também essa anulação que ele mesmo
promoveu.
A auto-anulação voluntária: olha aí, Carlos Drummond já previa isto
em seu poema “Science Fiction”
(1962):
E fiquei só em mim, de mim ausente.
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