segunda-feira, 7 de março de 2016

4069) Karl May (8.3.2016)




Quando eu era pequeno eu via na vitrine da Livraria Pedrosa a coleção dele encadernada em marrom, e reconhecia títulos elogiados por Tio Cláudio ou Tio Stélio: Winnetou, Na Terra do Mahdi.  Karl May foi uma espécie de Julio Verne alemão, e há quem diga que era um dos autores preferidos de Adolf Hitler. Talvez não muito honroso para o autor, mas compreensível. May escreveu alguns ótimos livros de aventuras, e se eu os achei ótimos, por que qualquer outra pessoa não poderia achar? Não li esses dois aí em cima, mas Entre Abutres e Pelo Curdistão Bravio, de cujos enredos não recordo praticamente nada, eu tive na memória durante anos como os melhores dele.

Eram tribos de tuaregues no deserto, caçadores esquimós na Lapônia, árabes de metrópoles exóticas, pele-vermelhas na rota do Oeste. Karl May tinha a mesma mentalidade catalográfica de Verne, mas sua geografia era de gabinete e de biblioteca, onde ele escrevia mediante mapas e livros de referência. A verossimilhança ajuda, mas não é disso que se trata, é de ter histórias de fato aventurescas para contar. Além de Verne, May é do time de Rafael Sabatini, Stevenson, Kipling, até mesmo Conan Doyle e Wells, com histórias movimentadas de homens rudes envolvidos em missões, conflitos, perseguições, vinganças, libertações, ajustes de contas. Em ambientes exóticos, meticulosamente pesquisados e com muitas fichas para transcrever.

Enquanto lia os seus livros (que acho que saíam pela Melhoramentos) minha imagem dele era o rosto barbudo de Karl Marx, porque sempre que eu procurava um no dicionário dava de cara com a foto do outro. 

Já confundi também Orson Welles e H. G. Wells, até por conta das obras de ambos sobre os marcianos.  Os dois “quase parentes”, em 1940, se cruzaram numa mesma cidade (San Antonio, TX) e gravaram um programa de rádio (YouTube e arredores). O inglês pergunta ao colega mais jovem como é o filme que ele está realizando, Orson diz: “É um novo tipo de filme, com um novo método de apresentação, e alguns novos tipos de experiências técnicas, e novas maneiras de narrar um filme”.

Como seria Karl May filmado por Orson Welles?  Talvez não pelo Welles jovem, genioso, encharcado de hubris até o talo, que dirigiu Kane, mas por aquele senhor histriônico, charuto em punho, muito culto, grisalho contador de histórias “tongue in cheek”. Talvez um Winnetou do velho showman Welles virasse o Lemmy Caution de Alphaville, que em Godard é um espectro brechtiano do “polar” original.  Mas história de aventuras é sempre uma história que o leitor precisa levar a sério, precisa de plausibilidade (e cada narrativa coloca esse sarrafo numa altura diferente).





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