sábado, 21 de março de 2015

3768) Minha outra vida (22.3.2015)



Às vezes eu sonho acordado que sou um cara bem diferente de mim mesmo, vivendo uma vida que não parece nem um pouco com a minha. 

É uma das minhas formas de terapia inexplicável. Inexplicável porque se fosse uma fantasia de riqueza, orgias, farras, viagens pelo mundo, boemia, glória literária, tudo isso seria muito óbvio: estou sonhando com o que gosto e não tenho, ou tenho e queria ter em dobro. Mas não é o caso. Sonho com coisas sem graça e que não têm nada a ver comigo.

Às vezes sou um cara de 30 e poucos anos que vive sozinho numa casa minúscula. Cozinho, esquento ou peço por telefone minha comida, lavo minha roupa, faço a limpeza da casa. Minha casa tem mobília simples e pouca: poltronas, mesas, geladeira, um som na sala. Não tem uma TV, um livro, um disco sequer. Nada nas paredes além de um relógio redondo na sala e um calendário quadrado na cozinha. 

Eu acordo, tomo banho, faço a barba, visto calça, camisa, calço tênis. Desço uma escadinha interna que conduz à garagem. Entro no carro, sento, ligo a ignição e sinto com prazer aquele ronco profundo, possante, prometendo motor em ordem e tanque cheio. Saio dirigindo devagar pelas ruazinhas tranquilas.

Aonde vou? Não sei. Não é para o trabalho. Meu trabalho é alguma coisa que me faz passar semanas a fio longe dali; mas quando volto, volto para aquela casinha silenciosa, as ruas, os gramados. Parece uma cidade americana ou européia, mas pode ser uma daquelas cidades históricas mineiras, ou da serra gaúcha. 

Vou ao supermercado, ao boliche, ao cinema. Às vezes vou à noite para uma boate, bebo cerveja com alguma garota, dançamos, vamos para um quarto dos fundos.

Tenho dinheiro no Banco que daria para me manter por dois ou três anos, se parasse de trabalhar. Não tenho família nem amigos. Meus vizinhos me acenam e sorriem de longe, nunca entraram na minha casa nem eu na deles. 

À noite rego as plantas, faço pequenos consertos. Ou levo uma espreguiçadeira para o gramado do quintal, abro uma cerveja, fico sentindo a brisa, olhando as estrelas, bebendo devagar, sem pensar, sem lembrar, sem imaginar coisa alguma.

É uma vida vazia, uma vida sem alegria, sem prazer? Talvez seja, mas é uma vida que nunca tive nem terei, uma vida parecida com uma foto de revista, algo com cores mas sem som nem movimento. Uma vida que só o pensar nela me repousa, me descansa de mim mesmo. Como aquelas pessoas que para adormecer imaginam o fundo de um lago escuro, eu me imagino nessa vida sem gente, sem afetos, sem emoções, sem perigos, sem vitórias, sem projetos e sem medos, e o fato de ter esse lugar para onde ir de vez em quando chega a me repousar desta carga pesada de ser quem sou.





Um comentário:

Alexandre Soma disse...

Me vi na mesma situação. Me emocionou muito. Esses lugares em que sonho são sempre surreais, imateriais. São as poucas vezes que meu sono significa descanso.