(ilustração: Tudor Dulhaz)
Me contaram (tantas vezes que para mim virou uma repousante
verdade) que quando eu tinha oito ou dez anos eu morava numa casa ali perto da
Mata da Bombinha, do lado de lá da universidade. No colégio me chamavam de
Aluado, porque eu era um garoto arredio e diferente dos outros. Eu não entendia
as aulas, isso eu me lembro. E do pouco delas que me lembro não entendo até
hoje. Essa escola ficava junto da Praça
da Fonte. Meus pais me levavam de manhã e me pegavam no fim da tarde; eu
almoçava lá.
Um dia (disseram) a turma foi fazer um piquenique e um
passeio guiado na mata, com três professoras e dois assistentes. A escola era
séria e as precauções eram grandes, mas parece que houve um momento em que
todas as crianças foram para um lado e eu para outro. Eu me perdi. Durante
horas todos quase perderam o juízo. Muita preocupação e desespero, achando que,
sendo eu quem era, algo terrível devia ter me acontecido.
O que eles só deduziram depois, comparando provas e
lembranças, foi que eu vi algo que me era familiar, algum caminho na mata que
eu já tivesse trilhado antes, e por algum motivo tivesse achado que era naquele
rumo que esperavam que eu fosse. Quando
deram pela minha falta e conseguiram organizar um mínimo de expedição de busca,
eu já devia estar muito longe. Ao longo da manhã e da tarde eu caminhei pela
Mata da Bombinha, até que (isso eu me lembro, ninguém me contou) ao me virar de
repente enxerguei a rua que levava à rua que levava à rua que levava à minha
rua.
Havia pouca gente. Já começava a escurecer. Ao chegar em
casa, vi que estava fechada, meus pais deviam ter saído e éramos só nós três.
Eu não sabia de nada, só sabia que estava morto de cansado. Cruzei a rua sem
ser visto, a porta da cozinha estava trancada, mas havia a escada na garagem e
o postigo no sótão. Vivia desferrolhado, quase como se fosse uma coisa
planejada. Entrei, fui para o meu quarto, desabei, dormi. Pouco depois fui despertado por gritos de
uma multidão onde reconheci meus pais, pessoas com farda de polícia, pessoas
com farda de médico, pessoas empunhando os celulares, apressadas. Estavam me
procurando há cerca de oito horas.
2 comentários:
Doce é a ilusão e o mundo da infância, quando perdido se acha um rei.
Coincidência. O mesmíssimo relato de Kamikaze Joe.
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