Este
romance de Lisa Goldstein, de 1986, é uma fantasia histórica que envolve
viagens no tempo, que acontecem sem nenhuma tentativa de explicação
centífica. Meu interesse nele surgiu pelo
fato de ser uma exploração literária das atividades do grupo surrealista
liderado por André Breton, na Paris dos anos 1920. Leio tudo o que acho de interessante a
respeito do surrealismo. Biografias,
histórias e análises são numerosas, mas, curiosamente, há poucas obras de
ficção.
Naquela
década Paris fervilhava com o surrealismo (que se concentrava mais na
literatura e artes plásticas), a vanguarda cinematográfica (aliás, próxima do
surrealismo) de Jean Epstein, Germaine Dulac, René Clair, Man Ray, etc., a pintura
modernista, principalmente o cubismo de Picasso e Braque... Para não falar na
agitação política de comunistas e anarquistas. Era uma cidade não muito grande
pelos padrões atuais: um pouco menos de três milhões de habitantes
(curiosamente, nunca passou disso). Um caldeirão de criação cultural como
poucas vezes se viu.
No livro
de Goldstein, o fictício protagonista é Robert St. Onge, poeta que convive no
círculo de André Breton, Antonin Artaud, Paul Éluard, Louis Aragon, etc. Vivem todos naquela pindaíba celestial,
circulando pelos cafés e bulevares. Compõem poemas coletivos, contam sonhos,
promovem pequenos “happenings” improvisados. A palavra de ordem é libertar a mente das
cadeias da linguagem, da moral, da educação burguesa; se possível, libertá-la
inclusive das leis do espaço e do tempo.
E Robert começa a se ver transportado, através de uma mulher misteriosa,
para a Paris de 1968, cheia de manifestações, bombas, barricadas, repressão
policial.
São dois
momentos diferentes e fascinantes da cidade, e a transição, meio mágica,
aparentemente gratuita, lembra a de Meia Noite em Paris de Woody Allen: “As
ruas se alongaram até o infinito e depois se contraíram. Ele esperou que elas
ficassem sólidas novamente.” Nessa aventura
futurista, Robert St. Onge entra em choque com seu melhor amigo, André Breton
(sempre ardoroso e dono-da-verdade) e se apaixona pela moça que veio do futuro
para buscá-lo.
Um comentário:
Luís Aranha
Poema Pitágoras
Meu cérebro e coração pilhas elétricas
Arcos voltaicos
Estalos
Combinações de idéias e reações de sentimentos
O céu é uma vasta sala de química com retortas cadinhos tubos provetes e todos os
Vasos necessários
Quem me quitaria de acreditar que os astros são balões de vidros
Cheios de gases leves que fugiram pelas janelas dos laboratórios
Todos os químicos são idiotas
Não descobriram nem o elixir da longa vida nem a pedra filosofal
Só os pirotécnicos são inteligentes
São mais inteligentes do que os poetas pois encheram o céu de planetas novos
Multicores
Astros arrebentam como granadas
Os núcleos caem
Outros sobem da terra e têm uma vida efêmera
Asteróides asteriscos
Bolhas de sabão!
Os telescópios apontam o céu
Canhões gigantes
De perto
Vejo a lua
Acidentes da crosta resfriada
O anel de Anaxágoras
O anel de Pitágoras
Vulcões extintos
Perto dela
Uma pirâmide fosforescente
Pirâmide do Egito que subiu ao céu
Hoje está incluída no sistema planetário
Luminosa
Com a rota determinada por todos os observatórios
Subiu quando a biblioteca de Alexandria era uma fogueira iluminando o mundo
Os crânios antigos estalam nos pergaminhos que se queimam
Pitágoras a viu ainda em terra
Viajou no Egito
Viu o rio Nilo os crocodilos os papiros e as embarcações de sândalo
Viu a esfinge os obeliscos a sala de Karnak e o boi Apis
Viu a lua dentro do tanque onde estava o rei Amenemas
Mas não viu a biblioteca de Alexandria nem as galeras de Cleopatra
Nem a dominação dos ingleses
Maspero acha múmias
E eu não vejo mais nada
As nuvens apagaram minha geometria celeste
No quadro negro
Não vejo mais a sua nem minha pirotécnica planetária
Rojões de lágrimas
Cometas se desfazem
Fim da existência
Outros estouram como demônios da Idade Média e feiticeiros do Sabbath
Fogos de antimônio fogos de Bengala
Eu também me desfarei em lágrimas coloridas no meu dia final
Meu coração vagará pelo céu estrela cadente ou bólido apagado como agora erra
Inflamado pela terra
Estrela inteligente estrela averroísta
Vertiginosamente
Enrolando-o na fieira da Via-Láctea joguei o pião da terra
E ele ronca
No movimento perpétuo
Vejo tudo
Faixas de cores
Mares
Montanhas
Florestas
Numa velocidade prodigiosa
Todas as cores sobrepostas
Estou só
Tiritante
De pé sobre a crosta resfriada
Não há mais vegetação
Nem animais
Como os antigos creio que a terra é o centro
A terra é uma grande esponja que se embebe das tristezas do universo
Meu coração é uma esponja que absorve toda a tristeza da terra
Uma grande pálpebra azul treme no céu e pisca
Corisco arisco risca no céu
O barômetro anuncia chuva
Todos os observatórios se comunicam pela telegrafia sem fio
Não penso mais porque a escuridão da noite tempestuosa penetra em mim
Não posso matematizar o universo como os pitagóricos
Estou só
Tenho frio
Não posso escrever os versos áureos de Pitágoras !...
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