terça-feira, 17 de dezembro de 2013

3371) Dick e a paranóia (17.12.2013)




(Philip K. Dick)

Apesar da comissão-de-frente de grandes romancistas policiais (citando Agatha Christie, Dashiell Hammett, Conan Doyle e Edgar Poe), é na FC que estão os melhores gimmicks (detalhes tecnológicos bem bolados) do filme Minority Report, de Spielberg. Um exemplo: a operação de globos oculares de Tom Cruise, que na primeira vez achei inverossímil e anticientífica, mas desta vez vi apenas uma hora depois de ver uma foto de Alex (Malcolm McDowell) no Laranja Mecânica de Kubrick. Há gimmicks que não precisam ser 100% possíveis, desde que tenham uma idéia inovadora e plausível,  como é o caso de uma máquina do tempo, por exemplo. De detalhes assim a FC está cheia. Neste caso, a cirurgia dos olhos serve ao herói, Anderton, como um ritual punitivo com que ele paga o direito de ser interpretado por Tom Cruise.

A melhor coisa do conto já era a premissa FC: polícia usa os videntes precogs para prever os crimes futuros e evitá-los.  Ela se torna essencial ao mistério detetivesco (sem o Pré-Crime esta história não poderia existir). E faz um paralelo interessante entre esse futuro que se pode ou não prevenir e aquele passado que se pode ou não modificar. É simétrico ao Grandfather Paradox: Se eu voltar no passado e matar meu avô, então eu não nasci, mas então se não nasci nada disto aconteceu? Aqui é: Eu posso perceber que você está a ponto de cometer um pecado mortal, mas eu vou lá e o obrigo a trocá-lo por um pecado venial, cujo castigo é delirar no Purgatório, o que é melhor do que morrer. Para alguns.

O conto é do tempo de Loteria Solar, o primeiro romance-pra-valer de Dick, em que o equivalente futuro ao presidente da República é escolhido por loteria, e ao mesmo tempo é liberado um assassino para matá-lo. É do tempo também do romance Eye in the Sky (1957), um dos seus livros em que um grupo de pessoas é arremessado em universos paralelos modelados pelas suas próprias mentes.

Dick examina a paranóia na elite da investigação criminal, misturando-a com um aparato quase de bombeiros. (Aliás, seus policiais com mochila-a-jato nas costas lembram os de Truffaut no final de Fahrenheit 451). O Pré-Crime é estadual e está sendo investigado por “um agente de Washington”, termo que tanto pode indicar um cavaleiro andante quanto o pior mafioso. É uma interferência de-cima-para-baixo do governo federal sobre uma polícia do Distrito de Colúmbia. No conto, escrito em 1955, Anderton é informado de que matará um homem, justamente um General que está querendo interferir no Pré-Crime para adquirir poder. Esse plot político “candidato-da-Mandchúria” foi substituído no filme pelo mistério agathachristiano de quem matou Anne Lively.


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