(O Desprezo, de Godard)
Numa entrevista que deu este ano à imprensa, Jean-Luc Godard sugeriu
uma solução pouco ortodoxa para a crise econômica da Grécia. Como se sabe, a
Grécia entrou para a União Européia como aquelas enormes famílias suburbanas
que mal arranjam um dinheirinho vão morar num condomínio de luxo. Eles
descobrem que viver num condomínio de luxo é muito bom para os que desfrutam do
luxo, mas nem tanto assim para os que pagam o condomínio. A Grécia tem
certamente uma elitezinha, uns “aristos” que multiplicaram por dez suas posses
e suas contas na Suíça, mas o povo grego está pagando caro pelo sonho de ser
rico.
Godard tem uma solução. Ele nos lembra que os gregos nos deram a
filosofia, a lógica, o encadeamento conseqüencial de raciocínios e argumentos,
e que tudo isto está cristalizado na palavra “logo”, como a usamos em “penso,
logo existo”. Esta palavrinha nos permite conectar conclusões do pensamento. E
Godard sugere que comecemos a pagar direitos autorais por ela, já que é uma
criação do pensamento grego. Vivemos numa sociedade em que é preciso pagar cada
vez que utilizamos as palavras ou as idéias de alguém. Então, comecemos pelo
começo de tudo – a Grécia Antiga!
Diz Godard: "Se formos obrigados a pagar dez euros à Grécia cada
vez que usarmos a palavra 'logo', a crise acabará em um dia, e os gregos não
precisarão vender o Partenon aos alemães. Temos no Google a tecnologia para
rastrear todos esses 'logos'. Podemos até cobrar das pessoas pelo iPhone. A
cada vez que Angela Merkel disser aos gregos 'nós emprestamos todo esse
dinheiro a vocês, logo vocês precisam nos pagar de volta com juros', ela será
obrigada, logo, a pagar primeiro aos gregos pelos royalties."
Godard é cruel com os algozes e com as vítimas. Ou melhor: ele mostra
o quanto este mundo fraturado pelo dinheiro é cruel com ambos. A Alemanha se
julga um Monte Olimpo de estabilidade e conforto, e se irrita com a presença
física dos migrantes ou com a presença econômica das nações amigas, de pires na
mão, pedindo ajuda. Pois é... Por que tanta coisa na nossa civilização é
compartilhada gratuitamente, mas em alguns domínios é preciso pagar, pagar,
pagar? E nós, que cultivamos uma coisa
metade profissão metade paixão, temos que dizer a toda hora, a todo mundo: Você
vai ter que pagar pelos meus livros, meus filmes, minhas canções. Vai ter que
pagar pelas minhas idéias, opiniões, críticas, conselhos. Vai pagar pelas
minhas perguntas e pelas minhas respostas. Vai pagar pela minha conversa, pela
minha companhia, pela minha presença. Vai ter que pagar pelo abraço, pelo
beijo, pelo sexo, pelo olhar. Vai pagar assim tão caro, somente pra me ouvir e
ver?
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