domingo, 15 de julho de 2012

2924) O fogo de Prometeu (15.7.2012)

A Humanidade está se encaminhando para um destino pós-orgânico, como pregam os inúmeros centros Trans-humanistas espalhados pelo mundo. Abandonaremos o corpo biológico e faremos o upload de nossas memórias para ambientes eletrônico-virtuais, onde passaremos a existir em forma de pura energia, pura memória de bits-e-bytes. A FC explora essa idéia há décadas.  A Ciência se encaminha para lá.  Seremos os mesmos de hoje?  É claro que não, mas não sentiremos saudade. Afinal, não sentimos saudade de ser antropóides pulando de galho em galho. 

Esta é uma das funções das redes sociais, por exemplo: digitalizar nossa vidinha, nossas preferências, opiniões, venetas, linguagens emotivas. Hoje somos seres biológicos que postam no Twitter coisas como: “Aí, galera, estou comendo uma pizza de calabresa... Quem vai?!”.  Amanhã, seremos softwares postando a mesma coisa; o fato de inexistirem pizzas físicas será irrelevante, porque os outros softwares responderão: “U-hu! Tô tomando um vinho, e desejo bom apetite!”.  Para os nossos trinetos de silício, o mundo será apenas linguagem e eles não sentirão falta das nossos cinco sentidos. Serão uma ficção e viverão num mundo de ficção, sem referencial físico nenhum, mas como serão ficção não conhecerão nenhum outro mundo além do seu, e serão felizes – ou infelizes, dependendo de para onde suas ficções os levarem.

Nesse futuro, filmes como Prometheus de Ridley Scott, The Thing de John Carpenter e outros filmes de terror repugnante cumprirão um papel importantíssimo.  Eles são o pesadelo da carne. A lembrança da existência de criaturas feitas de uma matéria orgânica pulsante, quente, coberta de epiderme, mucosa e pelos.  Criaturas que não se comunicam, apenas atacam, devoram e digerem outras criaturas igualmente repugnantes. Os monstros de Ridley Scott  nos provocam engulhos de nojo diante daquela sua biologia moluscóide, surreal, cheia de ventosas, esfíncteres e baba pegajosa. 

No mundo de silício (onde seremos almas sem corpos, realizando por vias transversas a profecia de todas as religiões) seremos assaltados por pesadelos de imagens e palavras evocando essas texturas latejantes, úmidas, recheadas de vísceras.  Uma lembrança ancestral, reprimida, de um mundo centrado na alimentação, excreção e reprodução. Quando o fogo eletrônico incinerar nossos corpos, no futuro pós-orgânico, os pesadelos serão orgânicos, porque representarão o medo da regressão ao mundo onde se come e se é comido, onde se mata e se morre.  Os aliens, monstros híbridos de tigre e cthulhu, são a nossa herança para o futuro dos Sem Corpo.  Para que eles, também, não consigam dormir em paz.

7 comentários:

Maranganha disse...

Poesia! Incrível o texto!

Daniel Andrade disse...

me lembre agora daquele filme O DEMOLIDOR no qual as pessoas se higienizam com conchinhas e fazem uma espécie de sexo virtual conectados a capacetes. Quero esse futuro bem longe de mim kkkkkkkk

Braulio Tavares disse...

Grande parte das imaginações da FC vai na direção de uma esperança da vida além-carne: "E se não precisássemos desse corpo tão problemático, tão descartável? E se pudéssemos ter uma alma imortal, só que construída por nós mesmos?".

Roberto Belli disse...

Não sei o que é mais horripilante, continuar um ser mortal que morre depois de definhar na velhice ou ter um corpo num limbo virtual. As desvantagens do nosso corpo nós já sabemos, mas somos capazes de ser felizes com ele. E as desvantagens do virtual? Ao finalmente chegarmos lá e descobrirmos que era tão bom sentir o gosto da pizza, do vinho, do calor, do frio... e não poder mais voltar? A não ser que se queira outra coisa além de deixar o corpo, queira a eternidade. Acho que isso seria horrível! Vou pensar nisso, obrigado, Braulio por levantar tamanha questão.

Braulio Tavares disse...

Se o corpo tem que acabar um dia, melhor continuarmos existindo como memórias digitalizadas do que não existir absolutamente. Eu preferiria virar software do que parar de pensar.

Fernando disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fernando disse...

E a infinidade de almas-software, que nunca se extinguirão a não ser que se apaguem? No cenário imaginado pelo Braulio não haveria superlotação, já que o espaço seria limitado apenas ao tamanho da(s) mídia(s) física(s) que armazenasse(m) o mundo. O homicídio seria abolido; em seu lugar, a terrível Deleção - ou haveriam backups da consciência digital?