terça-feira, 30 de agosto de 2011
2648) "Boletim da Guerra no Recife" (30.8.2011)
Mauro Mota, cujo centenário de nascimento está sendo comemorado este ano (2011), tem muitos belos poemas.
Um dos mais conhecidos e mais atuais dele é o “Boletim Sentimental da Guerra no Recife”, um longo poema no estilo do Romanceiro (redondilha maior, rimas toantes).
O poema descreve e comenta (com ironia ferina, com carinho paternal, com melancolia) o destino das meninas recifenses que durante a II Guerra Mundial namoraram soldados norte-americanos aquartelados no Recife.
Deixaram-se seduzir por promessas de ir morar na América do Norte, engravidaram, e no fim da Guerra ficaram a ver navios; e aviões.
Um poema de meio século atrás mas que parece profetizar o turismo sexual de hoje:
Éreis tão boas pequenas.
Éreis pequenas tão boas!
De várias nuanças morenas,
ó filhas de Pernambuco,
da Paraíba e Alagoas.
Tínheis de quinze a vinte anos,
tipos de colegiais,
diante dos americanos,
dos garbosos oficiais,
do segundo time vasto
dos fuzileiros navais
prontos a entregar a vida
para conseguir a paz,
varrer da face do mundo
regimes ditatoriais
e democratizar todas
as terras continentais
a começar pelo sexo
das meninas nacionais.
Um poema que bem poderia ser impresso em panfletos de papel barato e distribuído nos fins de semana nas praias de Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Maceió... Onde quer que exista a convivência-de-risco entre a solidão pobre e a solidão rica, entre homens que só têm o dinheiro para oferecer e mulheres que só têm o corpo para dar.
E como dizer às meninas que isso é um sonho, se todas conhecem a história da amiga da prima de uma vizinha, que saiu com um gringo cinquentão, apaixonaram-se, casaram, e ele montou para ela uma casa na Europa, tornou-se um marido carinhoso e um pai exemplar para o seu bebê?
Basta que uma única pessoa tenha ganho essa Mega-Sena matrimonial (e quem pode negar que isso já aconteceu uma ou outra vez?) para que todas se julguem merecedoras do mesmo, e comecem a sonhar.
Mesmo que o preâmbulo do sonho envolva estar de shortinho e bustiê, sentada na perna de um gringo num boteco da praia, fazendo-lhe carinhos promissores enquanto ele contempla palmo-em-cima seus atributos e faz comentários em língua estrangeira com os outros que bebem na mesma mesa.
Quando o gringo vai embora... Diz o poeta:
Ingênuas meninas grávidas,
o que é que fostes fazer?
Apertai bem os vestidos
pra família não saber.
Que os indiscretos vizinhos
vos percam também de vista.
Saístes do pediatra
para o ginecologista.
Quando um exército invade um país, a posse sexual da população feminina local é um símbolo e uma confirmação desse triunfo. Mesmo que seja a invasão pacífica de um exército aquartelado numa nação amiga.
Mesmo que seja a invasão pacífica do turismo, financiado pelos governos, estimulado pela propaganda, sacramentado pelo princípio básico do Capitalismo: “Tudo tem um preço. Faça seu preço, e alguém poderá pagar”.
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4 comentários:
tudo tão tristemente igual...
Grosso modo, este é um perfil milenar da espécie humana. Os poderosos (ricos)subjulgam os pobres (carentes) em quaisquer aspectos. Um deles é a exploração sexual.
Lembrei de Deserto Feliz
Realidade nacional, nem sempre com importados.
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