terça-feira, 12 de julho de 2011
2606) Cenas de batalha (12.7.2011)
Um comentário recente sobre a série de TV Game of Thrones levanta uma situação interessante. A crítica Mo Ryan escreveu: “Fiquei um pouco desapontada em ver que a maior parte dos personagens estão envolvidos numa guerra que não chegamos a ver”. E Alan Sepinwall observou: “Idealmente teríamos a certa altura algumas batalhas épicas, como em Braveheart, mas é preciso respeitar as restrições de tempo e de orçamento. Essas sequências custam uma fortuna, ocupam grande parte do tempo de um episódio, e de certo modo eu prefiro, ao invés disso, ver a cena de Tyryon em sua tenda, na véspera da batalha, contando a dramática história de sua ex-mulher, e saber que a cena da execução de Ned ficou tão bem feita porque houve tempo para prepará-la; ter isto é melhor do que ter num episódio uma ou duas longas cenas de batalha campal.”
Uma característica essencial da arte industrial é aquilo que os norte-americanos chamam “production values”, valores (ou qualidade técnica) da produção de um filme, peça, programa de TV. Um pouco deste espírito aparece em nossa televisão quando ouvimos falar no famoso “padrão Globo de qualidade”, ou seja, um programa produzido pela Globo tem que ser (independentemente de ser “artístico” ou não) uma produção com alto nível de perfeccionismo e competência do ponto de vista técnico.
Isto acaba tendo uma consequência interessante. Certos tipos de cenas exigem uma complicada logística para serem executadas. Por exemplo, cenas de multidão, cenas de batalhas, cenas de explosões e destruição, cenas com efeitos especiais sofisticados. Antes mesmo de qualquer consideração de ordem estética (se a cena vai funcionar ou não no contexto do filme) a cena em si tem que ficar tecnicamente bem feita. É o mesmo que se dá numa cena minimalista, com dois personagens conversando numa sala. Se a imagem estiver desfocada ou o som inaudível, de nada adianta a cena ser um primor em outros aspectos. Nas cenas de grande logística dá-se o mesmo, só que num grau muito superior de complexidade.
Críticos ranhetas como eu vivem torcendo o nariz diante das perseguições de automóveis, tiroteios coreografados, lutas marciais intermináveis (tipo Matrix) e outras coisas que fazem a felicidade do cinema industrial. Esse exibicionismo dos valores de produção marca a era de um cinema de técnicos feito para espectadores que apreciam a técnica, contraposto a uma época de um cinema de artistas feito para espectadores que apreciam a arte. No cinema de hoje, a técnica está tão hipertrofiada que toma a frente de tudo, forma seu próprio público (as pessoas que vão ao cinema para ver aquilo em primeiro lugar) e considerações artísticas são jogadas para escanteio com o diagnóstico de “bobagem de intelectuais”. O cinema está parecendo cada vez mais um show musical com som e iluminação impecáveis e canções medíocres. Que haja críticos de TV capazes de dizer o que foi dito acima por Sepinwall é um pequeno milagre.
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9 comentários:
É por isso que eu adoro o filme "The Other" (A inocente Face do Terror) de 1972. O diretor Robert Mulligan mesmo tendo 2 atores gemeos ligeiramente diferentes se dá ao luxo de não colocá-los no mesmo plano quando estão contracenando. Odeio filmes com atores contracenando com eles mesmo através de FX.
Bem lembrado, Mario. Esse filme é excelente! E de quebra você me forneceu o assunto para o artigo de hoje...
Minha namorada, aficcionada em Senhor do Anéis, disse que a foto da crônica pertence ao filme da trilogia do J. R. R. Tolkien. Vale, atribuí-la, para evitar desencontros induzidos.
Oi Kadu. Peguei a foto no Google buscando Game of Thrones. Achei plausível inclusive pela gola de peles do manto dele, pareceu mais Ned Stark do que Boromir... Em todo caso, mesmo mudando o exemplo a teoria sobre as batakhas continua valendo. abs
Pergunta bem direta: "Game of Thrones" é bom?
Pergunto porque é justamente essa série que estou pensando em adquirir com um amigo meu. Sei que entre os chamados "nerds" ela faz sucesso, mas tenho cá minhas dúvidas...
Em tempo: Senhor dos Anéis é fantástico! Achei muito louvável a adaptação de Peter Jackson. Acho uma pena Tolkien não ter vivido o suficiente para vê-la...
Espero que o diretor acerte novamente em "O Hobbit".
Julien, sou fã de Tolkien, mas "GoT" é uma fantasia mais madura (embora menos mítica, menos simbólica). É uma história de política e poder, com psicologia bem contemporânea, personagens bem mais complexos do que os de Tolkien. E tem roteiro mto bom, cenas que no livro devem ser bem longas comprimidas em poucos minutos, tudo é um xadrez de conspirações e tramas. Estou gostando bastante, e olha que não gosto de séries de TV (escravizam muito nossa agenda...).
Muito bacana o ensaio e concordo com tudo que disse.
Então te peço que se possível, envia-me o link de novas postagens para vanttribo@hotmail.com, gostaria de acompanhar teus escritos.
Sobre a imagem acima, sim, é de Ned Stark de Game of Thrones e o livro é muito melhor, apesar de esta ser uma grande adaptação da obra de J.R.R. Martin, estou lendo agora a Fúria dos Reis e recomendo a todos.
Abraços.
Vant Vaz
Valeu, Braulio! Agora me decidi a conferir essa nova série. Eu tinha a impressão de que "GoT" era superficial e não tinha essa profundidade apontada por você. Mas seus comentários despertaram a minha curiosidade.
E é uma pena que as séries escravizem nossa agenda, pois há muita coisa boa realizada. Algumas que já vi e que também pretendo ver: Prison Break; Dexter; The Big Bang Theory; Seinfeld; Friends; The Walking Dead, Arquivo X (aquele antigo mesmo); Além da Imaginação (antigo também)... etc.
Que eu consiga vê-las, rs!
Abraço!
Já vinha retificar o engano de minha senhôra, mas pelo visto Vant Vaz chegou primeiro, e a quem agradeço pela errata em boa hora.
Ela me explicou que não está acompanhando a série na HBO. Por isso não soube identificar o Sean Bean, tomando-o pelo Boromir do Senhor dos Anéis, em vez de Ned Stark d'As Crônicas de Gelo e Fogo.
Abraço, Braulio.
Kdu.
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