sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
2417) Os planejadores e os espontâneos (3.12.2010)
(H. G. Wells)
Hoje liguei a TV às 10 da manhã e estava passando A Gata e o Rato, que era um dos meus seriados preferidos há 25 anos.
Bruce Willis e Cybill Shepherd estão (pra variar) discutindo. Ele defende a espontaneidade nas conquistas amorosas (e em tudo na vida) e ela defende a análise e a cuidadosa ponderação de possibilidades antes de se decidir. (Toda a cena é um mero pretexto para ficarem jogando charme um no outro.)
Pensei: “Ora que diabo, aqui estou revendo uma série de TV boba! Vai trabalhar, vagabundo!”.
Desliguei a TV e peguei um livro autobiográfico de H. G. Wells, que estou consultando para a redação de um prefácio. E me deparo com a descrição que ele faz de seu relacionamento com a escritora Rebecca West, com quem ele manteve um romance extraconjugal, com um filho e tudo, durante anos.
Wells descreve e comenta o romance dela, The Judge. Os dois viram passar, numa cidade onde estavam a passeio, um juiz muito pomposo, cercado de acólitos. E ela lembrou uma notícia na imprensa sobre um juiz que morrera de enfarte num bordel; decidiu usar algo parecido. Imaginou a história de um juiz que seduz uma mulher sem saber que ela era a viúva de um homem que ele condenara à forca anos atrás. A mulher reconhece o juiz e o atrai ao seu quarto, pensando em matá-lo. Quando o juiz a vê empunhando uma faca, morre do coração.
A ideia daria um conto interessante, mas ela resolveu escrever um romance, pois achou que precisaria “forrar” melhor essa situação meio folhetinesca com verossimilhança psicológica.
E começou a contar a história (“muito ousadamente”, diz Wells) antes mesmo do marido e da esposa se conhecerem. E de lá veio, tecendo a vida de um e do outro, criando “um livro do tamanho de uma baleia” e tentando conectar a infância de uma mulher em Edimburgo e de um homem no Rio.
E o livro, segundo Wells, se conclui quando acontece o crime cometido pelo marido. Foi publicado com o título “O Juiz” porque era o que estava no contrato com a editora.
Wells conclui dizendo: “Ela escreve como um tear produzindo um tecido belíssimo sem ter a menor ideia de como será seu formato final, enquanto que eu escrevo para cobrir uma estrutura de ideias”.
Conectando estes dois casais, não posso deixar de imaginar que aparentemente Wells e Maddie, “a Gata” se dariam bem, o mesmo ocorrendo com David, “o Rato” e Rebecca West. Ou talvez não, quem sabe? Talvez os opostos se atraiam.
Em todo caso, existem de fato os escritores que planejam tudo que vão fazer (J. K. Rowling escreveu todo o resumo, inclusive o final, da série “Harry Potter” num caderno, antes mesmo de escrever o primeiro livro) e os que saem inventando pra ver no que vai dar.
Hoje mesmo (é o dia das coincidências) li uma frase do poeta Robert Frost: “Nunca comecei um poema sabendo como vai ser o seu final. Escrever poesia é um ato de descoberta”. Acho que alguém está querendo me dar um recado, mas quero ser mico de circo se souber qual é.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
8 comentários:
Me diz pelo amor de Deus onde você assiste "A gata e o rato". Eu era molequinho, mas adorava!!
Afinal, a invenção despojada, sem freios ou roteiros pré-definidos, ou o planejamento lúcido, alinhavando cada fio da verossimilhança?
Qual deles, afinal, tem a a sua simpatia ou se aproximam do seu próprio método de criação?
PERGUNTA: Qual a melhor perna para se caminhar? RESPOSTA: Um movimento bem coordenado entre as duas.
ô Bráulio, isso é resposta de mestre chinês. Daqueles de barba, no queixo, e bigode longos. rsrsrsrs
Gostei.
O seriado passa na TV a cabo, Luiz, mas não decoro canal e horário dessas coisas, se não o trabalho vai pro espaço. Dê uma googlada que cê acha.
LFS, cada conto, cada poema, surge dum jeito diferente. Alguns eu mastiguei mentalmente por 10 anos antes de escrever. Outros, sentei sem ter ideia do que ia fazer, botei uma frase depois da outra e só parei no ponto final. Cada caso é um acaso.
Bráulio, no meu primeiro livro "A última chance" eu escrevi primeiro o último capítulo para depois começar a história. Já no segundo, um infantil, eu só tinha ideia de metade dele, fui escrevendo e descobrindo o restante. E as duas maneiras são fascinantes, é como se cada história tivesse implícito seu "modo de fazer" que se revelava a medida que eu pensava nela. Belo artigo!
Cada livro pede uma técnica. Às vezes a idéia começa com uma imagem, uma situação isolada, então a gente vai desenvolvendo isso meio no escuro. Outras vezes surge como um enredo mesmo, começo-meio-fim, a gente faz uma escaleta item-por-item de 2 páginas e aí começa a redigir.
Postar um comentário