sexta-feira, 8 de outubro de 2010
2368) Os Detetives Selvagens (8.10.2010)
Este imenso, inesgotável romance de Roberto Bolaño é (entre outras coisas) a crônica de um movimento poético de vanguarda. Só quem já participou de algo parecido sabe o quanto esses movimentos, mais do que literários, são “vivenciais”. Mais do que preocupadas em escrever e teorizar as pessoas estão ligadas em viver a vida intensamente: beber, farrar, namorar, travar polêmicas intermináveis, descolar dinheiro de uma maneira ou de outra. É o que fazem os “visceral realistas”, ou “real visceralistas”, ou “realistas viscerais” da Cidade do México na década de 1970, em que se concentra a maior parte do livro.
O romance começa sob a forma do diário de um jovem poeta que adere ao grupo, Garcia Madero. Segue-se uma longa segunda parte, que ocupa a maior extensão no livro, com depoimentos de pessoas que pertenceram ao grupo, ou que entraram em contato com seus membros. A terceira e última parte é a conclusão do diário de Garcia Madero. Este diário é de uma saborosa verossimilhança; quem quer que tenha escrito poesia a sério, na adolescência, irá se reconhecer em numerosos momentos. Garcia Madero é um desses garotos que leem muito e sabem a diferença entre um epitalâmio e uma ode sáfica. Adere ao grupo com entusiasmo, vive preocupado porque tem 16 anos e ainda é virgem (se bem que, depois de perder esta condição, ele trata de botar a contabilidade em dia com um zelo de fanático), e é ele quem nos dá as primeiras impressões sobre os poetas que são na verdade os protagonistas do livro, Arturo Belano (alter-ego do autor) e Ulises Lima. Dois rapazes escolados, radicais, cheios de expedientes, irreverentes, angustiados. E que nunca vemos “por dentro”. Só os enxergamos, no livro inteiro, pelos olhos das outras pessoas.
Na parte do meio, cada um dos depoimentos sobre os poetas é uma fatia da vida do depoente. São pequenos contos que chegam a ter 15 ou 20 páginas, o que torna o livro um “romance de contos” como outros autores já tentaram. São poetas, acadêmicos, críticos literários, boêmios, homossexuais, turistas, esposas de poetas, jornalistas, gente da América e da Europa, gente de todos os tipos. Cada um deles conheceu Belano ou Lima em diferentes circunstâncias, e narra esse encontro na primeira pessoa, como se estivesse falando para um gravador. Muitos destes textos poderiam ser lidos como contos isolados, sem relação com o livro.
Em momento nenhum Roberto Bolaño cita os poemas de seus poetas, os quais, na teoria e no discurso, são de um radicalismo de fazer inveja a André Breton. Ao invés de tentar produzir poemas à altura da fúria surrealista deles, Bolaño simplesmente pula por cima e nos deixa intuir, obliquamente, que tipo de poesia indivíduos como aqueles estariam produzindo. A palavra “detetives” está no título para despistar. O título mais fiel para este grande livro poderia ser Os Passos Perdidos. A Idade de Ouro. A Poesia em Pânico. Doce Pássaro da Juventude.
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