quarta-feira, 21 de julho de 2010
2294) O ser humano segundo Heinlein (15.7.2010)
Foi um dos momentos mais constrangedores da minha biografia. Eu era um dos palestrantes numa mesa redonda, num teatro repleto de gente. Estava sentado na primeira fila, e os palestrantes eram chamados de um em um para subirem ao palco. Quando chegou minha vez, o apresentador, que era meu amigo e meu fã, disse algo como:
“E agora temos o prazer de chamar ao palco este indivíduo talentoso que orgulha a Paraíba: o escritor, poeta, jornalista, pesquisador, folclorista, ator, cantor, músico, compositor, roteirista e teatrólogo Braulio Tavares!”
Tive que subir embaixo de uma gargalhada geral e estrondosa, porque o público captou de imediato o absurdo da coisa.
Desde esse dia, sempre que participo de algo peço para ser identificado como ”escritor e compositor”, e fim de papo. Se tem uma coisa que eu aprendi na vida é que fazer muitas coisas diferentes não produz uma impressão de competência, e sim de desorientação. O “homem dos 7 instrumentos” geralmente não toca bem nenhum deles.
Portanto, quando me cabe apresentar alguém, ao vivo ou por escrito, e me dão um papelucho dizendo que o sujeito é “escritor, romancista, poeta, jornalista e ensaísta”, deixo “escritor” e risco o resto, porque para mim já está tudo contido no primeiro termo.
E que sentido tem dizer que Fulano de Tal é “compositor, músico, instrumentista e arranjador”? Basta chamá-lo de músico. Se ele vai dar uma palestra sobre a arte do arranjo, aí sim, podemos dizer: “músico e arranjador”. E assim por diante.
Sempre existe uma categoria geral que engloba as outras e salva o indivíduo (o indivíduo sensato) de passar por um vexame.
As atividades artístico-culturais me parecem todas muito próximas. Não vejo um mérito especial no fato de Fulano ser ator, dramaturgo e diretor teatral. Ninguém é obrigado a saber fazer tudo, mas se alguém o faz, isto é normal. O ser humano deveria ser múltiplo, mas num sentido muito mais amplo.
Se existe algum problema na literatura brasileira é o fato de que a esmagadora maioria dos nossos escritores consta de funcionários públicos, jornalistas, professores e outras profissões de gabinete. Nelson Rodrigues se queixava de que em nossa literatura não há um único personagem que saiba bater um escanteio, e eu completaria: nem um escritor.
Por isso, a definição ideal de um ser humano é a que foi fornecida por Robert Heinlein:
“Um ser humano deveria ser alguém capaz de trocar uma fralda, planejar uma invasão, esquartejar um porco, pilotar uma nave, projetar um prédio, escrever um soneto, fazer um balanço contábil, erguer um muro, consertar um osso fraturado, consolar um moribundo, obedecer ordens, dar ordens, cooperar, agir sozinho, resolver uma equação, analisar um problema novo, espalhar estrume num terreno, programar um computador, cozinhar uma boa refeição, brigar com eficiência, morrer com elegância. Especialização é para os insetos.”
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Um comentário:
Um homem é um ator múltiplo e que se transforma ao longo do tempo. E em seus múltiplos aspectos alguns lados se sobressaem. Um bom artigo, uma bela e instigante ilustração e a definição de Heinlein é uma das minhas citações favoritas do autor.
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