R. A. Lafferty é uma espécie de Hermeto Paschoal da ficção científica norte-americana, um sujeito com grande cultura clássica, com uma identificação profunda com o folclore e a literatura oral dos EUA, e que se vale da FC para contar umas histórias extravagantes, improváveis, às vezes hilariantes, que são um bem-vindo contraponto ao excesso de lógica cartesiana que acomete o gênero.
No conto “Nine Hundred Grandmothers” Lafferty fala de um grupo de exploradores terrestres num asteróide habitado, onde eles atuam como representantes comerciais ou coisa parecida.
O protagonista, Ceran, é um cara que se interessa mais pela cultura local do que por transações comerciais. Ele vive intrigado com o fato de os Proavitoi (como se chamam os nativos) terem em suas casas uma espécie de “bonecas vivas”, que andam, falam, etc. O chefe da expedição lhe dá ordens para que pesquise melhor esse aspecto – quem sabe as bonecas não são um produto interessante para ser vendido na Terra?
Ceran interroga seu intérprete local. Pergunta sobre a morte, e fica pasmo ao ouvir: “Nós não morremos”. Ele insiste, e o Proavitoi acha graça: “Olhe, meu amigo... acho que se morrêssemos, seríamos os primeiros a saber”.
O interrogatório prossegue. Ceran fica sabendo que os Proavitoi não morrem com o passar dos anos; apenas sofrem uma perda de energia e vão sendo guardados pelos seus descendentes em casa, onde mergulham numa espécie de hibernação.
Quando um Proavitoi atinge a maturidade (ou seja, quando completa dez gerações de descendentes mais jovens) ele tem o direito de participar do Grande Ritual, que ocorre uma vez por ano. É quando os antepassados são despertados do seu sono e contam aos mais novos o princípio de tudo, quando o mundo começou.
Os Proavitoi são especialistas em certos aspectos da biologia. Parecem ser capazes de expandir ou contrair corpos, como se pudessem fazer as moléculas diminuir de tamanho. Mas Ceran está interessado em saber como começou a história daquela raça, e consegue ser admitido à casa do seu intérprete, depois de descobrir que ele tem aproximadamente novecentas avós ainda vivas.
Ali ele vai sendo apresentado a pessoas cada vez menores, e descobre que as tais “bonecas vivas” são os próprios avós e bisavós dos nativos, miniaturizados vivos.
A certa altura, Ceran desce aos porões da casa, que estão cobertos de prateleiras onde se enfileiram antepassados cada vez menores. Ceran coloca uma dessas avós na palma da mão e lhe pergunta se mais abaixo, nos porões inferiores, as outras são menores do que ela. “Sim,” ela responde; “cabem na palma da minha mão”.
Ele desce até o último porão, onde as avós não são maiores do que uma abelha. Pergunta-lhes, desesperado, como foi o começo de tudo, o começo de sua raça – mas com sua ansiedade consegue apenas fazê-las rir. E o som das suas risadas “era como o som de um bilhão de micróbios gargalhando”. Uma bela metáfora para o estudo da História.
(ilustração: Edward R. Flynn)
2 comentários:
Braulio, não tem nada em português pra gente ler, desse Lafferty?!.. Fiquei super a fim de..rs
Carlos, a única coisa dele em português que eu me lembro de ter visto foram um ou dois contos traduzidos no antigo "Magazine de Ficção Científica", da Editora Globo, de Porto Alegre, por volta de 1969-1970. Lafferty é um autor obscuro mesmo na ficção científica dos EUA.
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