Estreou no Rio o filme de Elizeu Ewald Sambando nas Brasas, morô?, um docudrama ambientado na década de 1950 no Rio de Janeiro. Docudrama é um neologismo que a turma do cinema inventou para esses filmes que misturam documentário e ficção. Não é simplesmente um filme de ficção com reconstituição de época, é um filme que usa imagens feitas na própria época retratada, ou, no caso de um filme totalmente contemporâneo, uma mistura de cenas documentais e trechos encenados com atores. Sambando nas brasas, morô? é a história de um jovem músico de Minas Gerais (Marcello Novaes) que vai morar no Rio, na casa do irmão mais velho, no começo dos anos 1950. O rapaz toca na orquestra da Rádio Nacional e depois na noite carioca; o irmão é cinegrafista da Agência Nacional, do governo Getúlio Vargas. Com estes dois ganchos narrativos, o filme nos mostra um abundante material de imagens sobre a música, o rádio e a política da época, além de imagens de um Rio de Janeiro que não existe mais.
O filme é em preto-e-branco, e a transição entre material de arquivo e material filmado é feita sem solavancos narrativos, embora seja perceptível (e inevitável) a diferença de nitidez na fotografia e um de do outro. O lado documental é reforçado pela inserção de entrevistas (a cores) com pessoas que viveram aquela época: Carlos Heitor Cony, Armando Nogueira, Paulo Moura, Nelson Pereira dos Santos, José Louzeiro e vários outros. Sambando nas brasas nos faz passar pelo governo Getúlio Vargas, pelo atentado contra Carlos Lacerda, o suicídio de Getúlio (Cony comenta: “Getúlio era um suicida nato”), a eleição de Juscelino e a tentativa de golpe contra sua posse, a conquista da Copa de 58, a construção de Brasília. Tudo isto devidamente filmado pelo “camera man” interpretado pelo ator Clemente Viscaino, que acaba virando uma “testemunha ocular da História” empunhando uma câmara de 16mm.
Paralelamente a isto corre a história de amor entre o saxofonista Pedro e Arlete (interpretada por Tracy Segal), uma paquera que começa ao som de sambas no Cassino da Urca e chega ao casamento ao som da Bossa Nova de João Gilberto. Este filme de Elizeu Ewald poderia ser emendado, sem sutura, ao seu filme de 2001, Nelson Gonçalves, em que ele usa a mesma técnica e o mesmo estilo para contar a vida do grande cantor da vida boêmia. O mais interessante nestes filmes é a maneira como se pode hoje recorrer a material de arquivo para preencher os interstícios descritivos de uma ação. Mesmo existindo uma diferença de tonalidade, granulação, foco, etc. nas imagens do Rio antigo, podemos, com um pouco de suspensão da incredulidade, imaginar que estamos vendo um filme de 1955, tal a fluência com que passamos de uma imagem para a outra. A existência de uma imensa quantidade de material de arquivo disponível conduz a esse novo gênero do filme-colagem, onde existem infinitas possibilidades de fusão entre passado documental e presente dramatúrgico.