sábado, 19 de setembro de 2009

1271) A escada do poder (10.4.2007)



(Wilson Mizner)

Sou um grande aprendedor, ou, na feliz expressão de Jessier Quirino, um “prestador de atenção”. Dou ouvidos a todo mundo e nunca me arrependi disto. 

Uma das pessoas a quem dou ouvidos de vez em quando (vemo-nos uma ou duas vezes por ano, se tanto) é um conhecido meu a quem chamarei ficticiamente Ascenso Seguro. Conheci-o no Baixo Leblon, por entre chopes cremosos e pizzas no palito. 

Ascenso tinha uma atuação incessante na área cultural, foi nomeado para um cargo qualquer do quinto escalão, projetou-se, apareceu na mídia, fez amizades, entrou na política, e hoje pontifica num escalão que aos meus olhos leigos deve ser segundo ou terceiro. 

Ascenso é solícito, é infatigável, e tem uma qualidade que o distingue em nosso ambiente cultural: está de bem com todo mundo, fala bem de todo mundo. Num meio famoso pela maledicência-pelas-costas, nunca o vi dizer que Fulano é burro ou que Fulana é feia. É o tipo do cara que ajudaria a levar o cavalo de madeira para dentro de Tróia, e que, depois de fechado o portão, contaria tudo aos troianos. 

“O segredo,” confidenciou-me ele meses atrás, numa madrugada repleta do Nova Capela, durante um cabrito-com-brócolis, “é imagem. O que você é, é problema seu, mas o que as pessoas vêem em você é problema da comunidade. É como no futebol. Quando um técnico lhe escala, não é porque gosta de você ou acha que você é um cara legal. É porque precisa de alguém para cobrir os avanços do lateral esquerdo, ou porque precisa de alguém para triangular na ponta e cruzar bolas na área”. 

“Ah, entendi,” falei eu. “A imagem da gente tem que passar duas coisas: potencial, e disponibilidade”. 

Ele retrucou: “Cara, você é muito inteligente, já podia estar em Brasília. Pois é isso mesmo. Mas tem outra coisa: você precisa olhar os dois lados da escada, o de cima e o de baixo. O grande erro dos caras é que eles só olham para cima, para os caras que estão nos degraus superiores, e que podem lhes dar uma chance. Tem que olhar para os degraus de baixo também. A humanidade se divide em dois grupos: os Figurões e os Figurantes. Não adianta de nada você estar de bem com os Figurões e ter uma multidão de Figurantes querendo botar terra no teu motor”. 

Vai daí que Ascenso Seguro tem uma atuação social irrepreensível. Todo dia no Natal e no meu aniversário recebo um cartão personalizado com abraços efusivos, e deduzo que o mesmo acontece com outras mil pessoas. 

Ascenso recorda os nomes dos meus filhos, os títulos de meus livros (pelo menos de alguns deles), e – devo ser justo – me trata com cortesia irrepreensível e uma simpatia sincera. Talvez porque tenha sido eu quem, num desses papos de mesa de bar, citou-lhe a frase de Wilson Mizner, famoso alpinista social norte-americano: “Trate bem as pessoas quando estiver subindo na vida, porque você vai encontrá-las de novo quando estiver descendo”. 

Ascenso gravou este dito a-ferro-em-brasa na memória, e desde então passou a me tratar melhor ainda.




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