(Tom Zé)
Dentro da literatura de ficção científica há um grupo de autores a quem a crítica se refere com um termo que acho muito útil: “the oddball stylists”, “os estilistas excêntricos”. São autores que todo mundo admira mas não sabe onde enquadrar. Usam os temas e as imagens da FC, conhecem as regras do gênero, mas suas obras sabotam sistematicamente estas regras. Esta descrição destaca dois aspectos essenciais: 1) são estilistas (ou seja, têm um informação e um domínio da técnica literária muito acima da média), e 2) são excêntricos, estão sempre fazendo algo imprevisível, fora-de-esquadro. Este último aspecto é importante, porque um autor como Ray Bradbury (autor das Crônicas Marcianas e de Fahrenheit 451) é um estilista, mas não é excêntrico. Após o choque inicial de quando o conhecemos, sua obra vira uma planície calma, sem catabís e sem surpresas.
Estilistas excêntricos na FC são autores como Avram Davidson, R. A. Lafferty, Gene Wolfe, Cordwainer Smith e outros. Mas não é deles que quero falar aqui. Eu gostaria de pedir emprestado este conceito e aplicá-lo à Música Popular Brasileira, onde encontramos mestres de inquestionável talento que em princípio são grandes estilistas, mas não são excêntricos, pelo contrário: na sua obra, a única surpresa é a alta qualidade do que produzem, com uma admirável constância. Mas são autores que não nos pregam sustos. Eu não acho, por exemplo, que a obra de talentos como Edu Lobo, Chico Buarque, Milton Nascimento, Tom Jobim, Gilberto Gil, João Bosco e vários outros seja uma obra excêntrica. Pelo contrário. Se a MPB tem algum tipo de centro, são eles.
Mas o que dizer de um artista como Tom Zé? Um artista como Hermeto Paschoal? Um artista como Jorge Mautner, ou Jards Macalé? Para mim são estilistas excêntricos, porque mesmo que a gente não goste do que eles fazem (e muita gente que gosta de uns não gosta dos outros), ninguém pode negar duas coisas: todos são tecnicamente competentes, e nunca se pode afirmar com certeza como será o perfil de seu próximo trabalho. São fontes permanentes de surpresa, de susto, de imprevisto. Sua excentricidade pessoal não reside em seu comportamento meio “clown”, em sua mistura proposital do sublime e do grotesco, do erudito e do brega, do refinado e do descartável (embora todos eles tenham tais misturas, em doses variadas). São excêntricos porque temos a impressão de que o centro de seu mundo mental não coincide com o “centro” da música popular. Cada um deles parece ter um projeto próprio que só ocasionalmente coincide com “a linha evolutiva da música popular brasileira” que, ao que parece, era o projeto próprio de artistas como Tom Jobim ou João Gilberto. Os estilistas excêntricos da MPB têm o poder de subir ao palco e na primeira música puxar o tapete onde milhares de pessoas pensavam estar pisando minutos atrás, fazê-las dar uma cambalhota, e cair de volta sobre o tapete – que levanta vôo com todos juntos.
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