Falei dias atrás que as canções de depressão constituem um gênero da música popular; é óbvio que deve existir, e existe, o seu oposto simétrico, as “Canções de Alegria de Viver”. Canções em que letra e música se apóiam mutuamente para nos transmitir esta adrenalina indispensável à vida humana.
Como não se sentir reconciliado com o mundo quando escutamos “Alegria Alegria” de Caetano Veloso, mesmo tendo ela sido utilizada como abertura de minissérie da Globo, e tocado até fazer um calo em nossa memória? Não importa: ela registra aqueles momentos mágicos em que um indivíduo sai de rua afora, “nada no bolso ou nas mãos”, embebido da pura e simples alegria de Ser e de Estar.
"Alegria, Alegria" ao vivo, no Festival da Record (1967):
https://www.youtube.com/watch?v=wWhnq5YcBfk
Parte do encanto da música pop se faz de canções aparentemente bobas e superficiais, mas que pela alquimia dos verbos e dos sons conseguem encapsular os momentos ensolarados da vida: “Feelin’ Groovy” de Paul Simon, “Brown-Eyed Girl” de Van Morrison, “Daydream” do Lovin’ Spoonful, “Good Day Sunshine” dos Beatles...
Simon & Garfunkel, "Feelin' Groovy":
https://www.youtube.com/watch?v=NvlW4bEjB5A
Van Morrison, "Brown Eyed Girl":
https://www.youtube.com/watch?v=UfmkgQRmmeE
Lovin Spoonful, "Daydream":
https://www.youtube.com/watch?v=M7u5SdjDSQQ
Paul McCartney, "Good day, sunshine":
https://www.youtube.com/watch?v=rFxXoHkIwMk
O que faz o encanto destas músicas? Talvez o timbre claro das guitarras, uma cadência meio lânguida aqui, meio saltitante acolá, comunicando um prazer de quem anda rápido sem pressa; as vozes traçando melodias que espontaneamente temos vontade de cantar junto...
São meras musiquinhas, nenhuma Obra de Arte do Cânone Ocidental, mas trazem aquele abençoado poder de nos fazer emergir, numa manhã depressiva, das nuvens soturnas do mau-humor e dentro de meio minuto estar assobiando, tamborilando na mesa, achando bom estar vivo.
Há diferentes formas de alegria; há alegrias mais sérias e reflexivas, como a que nos traz a grande canção de Violeta Parra, “Gracias a La Vida”, que me evoca a imagem de alguém num terraço, ao entardecer, vendo o sol se pôr, e dando um balanço nas coisas boas que há para lembrar.
Ou a beleza da “Manhã de Carnaval” de Luís Bonfá e Antonio Maria, melodia e letra entrelaçadas na criação de um clima de quem acorda e já abre os olhos feliz da vida, inundado de paz e de expectativa pelo dia que começa: “Manhã, tão bonita manhã... Na vida uma nova canção...”
E, num clima muito semelhante, a irretocável “Estrada do Sol” de Tom Jobim e Dolores Duran: “É de manhã, vem o sol, mas os pingos da chuva que ontem caiu ainda estão a brilhar, ainda estão a dançar, ao vento alegre que me traz esta canção...”
Mercedes Sosa, "Gracias a la vida":
https://www.youtube.com/watch?v=WyOJ-A5iv5I
João Gilberto, "Manhã de Carnaval":
https://www.youtube.com/watch?v=JKX2VSMj-zs
Elis Regina & Gal Costa, "Estrada do Sol":
https://www.youtube.com/watch?v=Clxr8rH1FAs
Será este um gênero legítimo da música popular?
Para os poetas, sim, porque certos momentos que pedem expressão estética se afirmam primeiro como um sentimento-de-vida geral, total, e é irrelevante se irão se transformar numa valsa ou num reggae ou sei lá em quê.
Quando um letrista se senta à janela para escrever uma letra, em geral está se lixando para ritmos e arranjos. É a luz de um momento que ele está querendo captar, e sorte dele se depois encontrar um músico que, lendo seus versos, encontre uma melodia, uma harmonia e um ritmo que pareçam estar sentindo e dizendo a mesma coisa.
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