terça-feira, 27 de maio de 2008

0404) Abaixo o prazer (6.7.2004)




("El Hedonismo" de Ana Roldán)

Em artigos recentes meti o porrete em vacas sagradas como a Liberdade e a Amizade. Apertem os cintos, porque hoje vou desancar o Prazer, este conceito que, usado de uma maneira distorcida e maléfica, está estragando o mundo. Não pensem que sou masoquista ou que quero transformar a vida num vale de lágrimas ou num muro das lamentações. O prazer é importantíssimo na minha vida. É tão fundamental quanto, digamos, o café recém-passado. Mas minha mãe sempre disse, sabiamente, que “tudo demais é veneno”. E prazer demais é o que está envenenando nossos conceitos, nossa sociedade, nossa vida em comum. Erigiu-se o prazer como um Bem em si, como a finalidade principal da vida, como um direito de todos. Até aí tudo bem, mas parece que a primeira consequência que todo mundo tira disto é que o Prazer é um fim que justifica quaisquer meios. O que vemos, então, é uma busca frenética e desenfreada do prazer a todo custo.

É a busca do Prazer, por exemplo, que alimenta toda a indústria da corrupção, que faz do Brasil um dos países onde mais se rouba no mundo. Cada máfia administrativa que é desmascarada pela imprensa e pelo Ministério Público tem à frente uma dúzia de indivíduos que à primeira vista parecem sequiosos de fortuna, de poder. Mas se a gente observar bem, eles são apenas a ponta de um iceberg de parentes, amigos e apaniguados que prosperam às suas custas. O dinheiro acumulado nos golpes e nas falcatruas tem como destino final viagens para Miami, noitadas em Las Vegas, cruzeiros pelo Caribe, ou sei lá como é que esse povo se diverte. O fraudador ou o desviador de verbas é um dos grandes acionistas da indústria do lazer, da boa-vida, da ostentação, do gasto supérfluo. (Sim, eu sei – gente honesta também gosta disso, mas tenho a impressão de que gente trambiqueira gosta muito mais.)

E o que dizer da indústria da droga? Algumas pessoas usam drogas por modismo, outras por status; mas a esmagadora maioria usa por prazer. A droga proporciona um prazer intenso, instantâneo, sem compromisso, e facilmente repetível – desde que você tenha grana para comprá-la indefinidamente. É este último quesito que transforma a droga num problema social, porque se o sujeito quisesse apenas entupir-se dela até cair duro era problema só dele.

Criamos uma civilização baseada no prazer, e não há nada mais egoísta do que o prazer, ou pelo menos, o tipo de prazer instantâneo que nossa civilização estabeleceu como modelo – na publicidade, e na indústria do lazer e do entretenimento. Criamos uma civilização suicida. Em 1958, o psicólogo James Ochs prendeu um eletrodo aos centros de prazer do cérebro de um rato, os quais eram estimulados quando o rato apertava uma barrinha metálica na jaula. Houve o caso de um rato que apertou a barra numa média de 2 mil vezes por hora, durante mais de 24 horas, sem parar para comer ou beber, até cair de exaustão. Guardadas as devidas proporções, é o que as elites brasileiras estão fazendo.




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