Lembro de uma brincadeira muito usada na década de 1970. Quando alguém dizia: “Ah, que é isso, você está fazendo uma generalização apressada”, a resposta sempre era: “Generalização apressada é golpe de Estado na América Latina.” Os mais jovens talvez não captem o espírito da coisa, porque já faz algum tempo que um bando de generais não toma o poder do dia para a noite em nosso continente, mas o vício conceitual continua incrustado em nossa prática. Eu mesmo sou um reincidente obstinado em generalizações imprudentes, ainda mais quando escrevo estas colunas a-toque-de-caixa, de-afogadilho, em-cima-da-perna.
Dias atrás cometi novamente esse pequeno delito, ao criticar o linguajar abstruso posto em prática em alguns setores de nosso mundo acadêmico (“O método de Josué”, 18.2.2004; “O novo latim”, 20.2.2004). Falei, por exemplo, que os nossos cursos universitários de Letras obrigam os alunos a decorar um jargão estruturalista obscuro e que nada acrescenta ao entendimento literário de um texto. Foi uma generalização desajeitada. Falei que quem faz isto são os cursos de Letras, e, de fato, não o fazem os cursos de Engenharia Elétrica nem tampouco os de Odontologia. Por outro lado, faltou a necessária ressalva de que: 1) nem todos os cursos de Letras fazem isto; 2) isto não é tudo que os cursos de Letras fazem; 3) isto também é feito fora dos cursos de Letras – por exemplo, em Oficinas e Seminários literários dirigidos por pessoas que têm esse cacoete teórico.
Uma generalização apressada se assemelha a um preconceito, porque, como ele, tende a transferir para o Todo uma característica de uma de suas partes: “o povo brasileiro gosta de futebol”. O Preconceito o faz por decisão do falante, mas a generalização geralmente é só um escorregão lingüístico, um descuido. Generalizamos porque em geral nos falta tempo ou espaço para registrar cada nuance ou cada detalhe contraditório do que estamos descrevendo. Se eu digo “os eleitores de Lula andam insatisfeitos com o seu governo” decerto não me refiro à totalidade desse grupo, mesmo que a percentagem possa ser elevada.
Generalizar é necessário quando, ao invés de examinar uma situação concreta, tudo o que queremos é discutir um conceito, uma idéia abstrata, um princípio. Volta e meia estou afirmando aqui coisas que não são verdades cem-por-cento: que os EUA têm uma posição totalitária em relação a outros países; que a ficção científica é a ponta-de-lança da literatura mundial contemporânea; que a canção eletro-percussiva nordestina é uma nova síntese musical. É, mas nem sempre. Quando precisamos fazer alguma afirmação “macro”, de grande amplitude, temos que deixar de lado os casos especiais, as exceções. Daí a necessidade (que me imponho) do uso de termos como “em geral”, “quase tudo”, “a maior parte”, etc. Generalizar é resumir, e resumir é deixar algo de fora. Como tudo que é inevitável, deve ser feito com cuidado.
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