quarta-feira, 19 de março de 2008

0288) O Código da Bíblia (21.2.2004)





(Tabela criptográfica de Giovanni Della Porta, séc. XVII)

Creio que o leitor já terá ouvido falar da Cabala. Para ouvir falar nela não é preciso freqüentar o Centro Internacional de Estudos Judaicos, ou folhear a obra de Jorge Luís Borges. Basta assistir os talk-shows da televisão brasileira, onde volta e meia aparece uma atriz de TV e madrinha-de-bateria-de-Escola-de-Samba dizendo que nas horas vagas, para “relaxar da agenda estressante”, está se dedicando ao estudo da Cabala. (Existem também aquelas modelos internacionais que dizem estar estudando Física Quântica, o que me desperta um imediato desejo de passar noites inteiras perscrutando os recessos mais íntimos de um tema tão palpitante).

Por que essas pessoas estudam a Cabala? Bem, porque diz-se que na Cabala estão registrados, em código, todos os mistérios do Universo, as respostas para nossas angústias e aflições nesta Passagem de Milênio, e, quem sabe, o segredo de comer chocolate sem aumentar de peso. Vai daí, as livrarias estão repletas de livros sobre o assunto, o que me lembra aquela famosa frase de um anti-semita involuntário: “A única coisa que me interessa na cultura judaica é a Cabala.”

A Cabala, curiosamente, é uma invenção ibérica. Surgiu naquela misteriosa região transgeográfica onde se misturam o norte da Espanha e o sul da França, um caldeirão de misticismo que deu origem às peregrinações do Caminho de São Tiago, aos movimentos heréticos da região da Provença, como os Cátaros. A Cabala é um sistema de combinações verbais e numéricas das palavras da Bíblia. Ela se aproveita do fato de que na língua hebraica as letras e os números são indicados pelos mesmos sinais, portanto A e 1 são a mesma coisa, B e 2, e assim por diante. Pressupõe-se que, através de mil permutações, chega-se a mensagens ocultas por trás do texto aparente da Bíblia.

Variações deste princípio básico surgem e desaparecem ao longo dos séculos. Do século 19 em diante, a escalada do jogo político e militar entre as grandes potências fêz ressurgir o interesse pela criptografia, a ciência de criar códigos e produzir mensagens secretas. Governos começaram a investir uma grana pesada nesta ciência. Por um lado, queriam proteger seus próprios segredos; pelo outro, queriam ficar sabendo dos segredos de seus adversários (e aliados) políticos. Todo um ramo da matemática floresceu nesse século, pela necessidade de estudar processos de codificação e decodificação de textos. No século 20, durante a II Guerra Mundial, a nascente ciência da Informática foi de grande utilidade para “quebrar” os códigos dos nazistas e obter vantagens estratégicas. O filme Enigma, de Michael Apted, documenta um aspecto interessante desta guerra invisível. Hoje, é possível usar computadores para fazer bilhões de combinações de letras e números em tempo recorde, o que dá aos cabalistas em potencial um enorme adianto em relação aos caras da Idade Média, com suas penas de ganso e seus tinteiros. Falei, falei, e ainda não cheguei no Código da Bíblia! Fica para amanhã.

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