quarta-feira, 19 de março de 2008

0285) O método de Josué (18.2.2004)



(BT e Carlos Newton Júnior)

Quando eu era universitário cheguei a pensar na possibilidade de estudar Letras. Como todo sujeito metido a bom escrevedor, eu achava que um curso de Letras me ajudaria a estudar técnicas, estilos, escolas literárias, etc., elevando ao quadrado meu talento. Por sorte ou por azar, alguns amigos meus entraram nesse curso antes de mim, e bastou acompanhar de-banda os estudos deles para que eu fugisse dessas tais faculdades como o diabo da cruz.

O curso me atraía porque eu sonhava com uma visão mais científica da literatura. Estava cansado da crítica literária que não dizia nada, tipo: “É um poema brilhante, cheio de belas imagens, onde o poeta Fulano demonstra mais uma vez sua habilidade no trato da palavra, e a sua sensibilidade para com os problemas humanos...” Expanda isto por dez páginas e você tem um exemplo da maioria das críticas que saía por aí. Falava-se, falava-se, e nada de substancial era dito. Daí o interesse que senti pelos textos críticos dos poetas concretos de São Paulo, e pelos teóricos elogiados por eles (Ezra Pound, Jakobson). Esses caras, pelo menos, iam direto à Palavra, à coisa concreta, real. Pela primeira vez (eu tinha 18, 20 anos) a literatura de Joyce fêz sentido; e consegui ler corretamente pela primeira vez poetas como Edgar Poe, que eu pensava que conhecia.

O problema é que a abordagem científica do texto acabou tornando-se uma franquia exclusiva de grupos estruturalistas, que transformaram o estudo da literatura numa mistura de ciência cabalística e bula-de-remédio. Criaram-se métodos e mais métodos que procuram explicar a literatura em termos que, francamente, me parecem nada ter a ver com ela. É como querer abordar uma pintura apenas fazendo a análise química das tintas de que é feita. Não é por aí, amiguinhos. A fonte de significados está um nível acima disso, ou um nível abaixo, dependendo do ponto de vista de quem olha.

Daí ser mais do que oportuna a bem-humorada crítica ao linguajar “academês” feita por Carlos Newton Jr. no capítulo “O método de Josué” de sua tese-romance “Vida de Quaderna e Simão”. Tendo-se metido na sinuca de ter de apresentar uma tese de doutorado sobre a obra de Ariano Suassuna, o crítico e poeta natalense-pernambucano deu uma de joão-teimoso e fêz da tese uma paródia ao estilo adotado por Suassuna no “Romance da Pedra do Reino”, reproduzindo, diante da banca examinadora, o discurso solerte, bajulador e megalomaníaco do narrador Quaderna diante do juiz-corregedor que lhe investiga as mutretas. Entre as muitas críticas que faz ao pensamento academista, Carlos Newton aponta (no que concordo plenamente) “a recusa sistemática a se enxergar até mesmo o óbvio, se este não resulta da aplicação de um método qualquer”. Nossos cursos de Letras não formam professores de Literatura ou críticos literários: formam técnicos especializados na aplicação de modelos importados de análise linguística... e o texto que se dane.

2 comentários:

Clotilde Tavares disse...

E o método de Josué é exatamente isso: ficar roadeando, rodeando, como o dito Josué fazia em torno das muralhas de Jericó...

Braulio Tavares disse...

Olá doutora... Pois é, e eu acho que o mestre Carlos bem poderia propor o "Método Anti-Newton": "vamos acabar com o excesso de Gravidade nos ensaios acadêmicos".