sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

3056) "Holy Motors" (14.12.2012)





Foi o filme mais desconcertante e provavelmente o melhor que vi este ano; não sei se muitos leitores terão chance de vê-lo, porque está em cartaz numa das salinhas menores do Estação Botafogo. Dirigido pelo francês Leos Carax, Holy Motors é uma sucessão de cenas bizarras amarradas por uma estranha lógica, como acontece em filmes de Buñuel, David Lynch ou Emir Kusturica. Não é bem um filme fantástico – com poucas exceções, as coisas bizarras que mostra poderiam acontecer em nosso mundo, pois não violam as leis naturais. Mas qual a probabilidade de um sujeito entrar num café atirando, matar (aparentemente) um executivo de terno que está numa mesa com amigos, ser morto (aparentemente) pelos seguranças da vítima, e depois ir embora como se nada tivesse acontecido?  É Buñuel puro, e lembra aquela antiga frase de André Breton, de que o ato surrealista mais simples seria empunhar um revólver e sair pela rua alvejando pessoas a esmo.

Ao longo de um dia e uma noite, Oscar (Dennis Lavant) percorre Paris dentro de uma limusine branca cujo interior é um camarim com espelhos, luzes, figurinos, maquiagem, etc. Ali dentro ele troca de rosto, de cabelo, de roupa – e desce (depois de estudar um dossiê de informações) para “encontros” que em geral são cenas surrealistas, insólitas. A cada novo encontro, o espectador fica se perguntando qual o propósito daquilo tudo, até porque as outras pessoas envolvidas dão mostras de serem, também, atores interpretando papéis para aquela situação específica.

O filme de Carax é uma reconstrução onírica da vida de um ator de cinema ou de teatro, o tempo inteiro mudando de “persona” e adaptando-se a situações que não foram criadas por ele, mas nas quais ele deve se encaixar, dando seu suor e seu sangue. (Oscar “morre” pelo menos três vezes nesses encontros.) A permanente imprevisibilidade do filme é amarrada por um conceito nítido, embora bizarro (sabemos desde cedo que estão previstos, ao longo do dia, vários daqueles episódios), e evita que a história se dilua na gratuidade do “ah, qualquer coisa pode acontecer”. As coisas que acontecem a Oscar não são quaisquer coisas, não são escândalos “pour épater les bourgeois” nem violências para excitar os turbinados. São alegorias de momentos da vida, ou de estados de espírito, que só se revelam através do cinema ou do teatro. Momentos recriados com a vida e o sangue desse ator exausto e incansável, que percorre a cidade cumprindo rituais de amor, de assassinato, de absurdo, de travestismo, de celebração das pequenas coisas da vida, e lembrando o quanto a vida é inexplicável quando vemos apenas um dos seus fragmentos acontecendo.


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

3055) "Caçada Humana" (13.12.2012)





Este filme de Arthur Penn, de 1966, nunca foi prestado atenção pela crítica. (Eis um exemplo de linguagem informal que os gramáticos abominam.) Teve a má sorte de vir entre uma obra-prima alegórica demais (Mickey One) e um sucesso arrasador (Bonnie e Clyde), de modo que todo mundo o esqueceu. Ele manipula algumas situações clássicas, sendo a mais visível delas O Xerife Indefeso – aquelas situações em que todo mundo numa cidade está cúmplice de uma barbaridade qualquer, e a única voz da razão, mesmo sendo voto vencido, é o xerife local  No presente caso, Marlon Brando, fazendo seu habitual personagem ético e durão, num casamento solidário, sólido, com a bela Angie Dickinson.

Um rapaz dessa cidadezinha texana fugiu da cadeia e parece estar voltando à cidade, acusado de assassinato. Os cidadãos respeitáveis locais (uns sujeitos bêbados e armados) decidem abatê-lo, para se divertir. Durante um dia e uma noite, a cidade ferve com essa perseguição e emboscada (porque a própria vítima vem ao encontro dos que querem pegá-lo). A esposa e o maior amigo dele tentam salvá-lo. O presidiário é Robert Redford, a esposa é Jane Fonda, o amigo é James Fox. O pai do rapaz, o milionário local, é o ator E. G. Marshall, fazendo aqui um texano com uma inquietante semelhança com George W. Bush. Há numerosos atores coadjuvantes que arrasam, como o casal do marido babaca Robert Duvall e a esposa periguete Janice Rule.

Arthur Penn é por algum motivo um diretor pouco lembrado dos anos 1960, e um dos melhores. Revi agora Caçada Humana, em DVD, numa versão de 2:13 horas, maior do que a que vi originalmente. Não tem o ritmo de metralhadora frenético dos filmes de hoje, mas tem uma narrativa bem amarrada pelo roteiro de Lillian Hellman, a namorada de Dashiell Hammett (eita, que as feministas vão espernear). A violência interiorana (hoje tão visível em David Lynch, nos Irmãos Coen) é descrita de forma exemplar. Os principais vilões são sujeitos cujo nome a gente não lembra mais, assim que o filme acaba.

Cidadezinhas em pé de guerra contra uma vítima indefesa (ou assistindo passivamente sua perseguição) aparecem em Fúria (Fritz Lang, 1936), Matar ou Morrer (Fred Zinnemann, 1952). O Xerife Indefeso teve uma excelente recriação em Assalto à 13a. Delegacia com Ethan Hawke (Jean-François Richet, 2005). Multidões são facilmente mobilizáveis para linchar criminosos, principalmente num sábado à noite, numa cidade onde nada interessante acontece.  Cabe às vezes aos xerifes a tarefa paradoxal de defender um criminoso contra a fúria dos cidadãos pacatos. É um ponto de partida interessante para discutir lei, justiça, crime e violência.



quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

3054) O homem dourado (12.12.2012)




(Philip K. Dick)


Jorge Luís Borges perguntou-se certa vez por que motivo somos capazes de lembrar um fato ocorrido 50 anos atrás e não somos capazes de prever outro que acontecerá daqui a dois minutos, e que, teoricamente, estaria muito mais próximo. 

Este é, como muitos outros paradoxos do argentino, uma crítica sutil à maneira incorreta de formular um problema.  

Borges indica que se insistirmos em enxergar o Tempo como uma espécie de Espaço (com direções tipo frente-trás, cima-baixo, direita-esquerda) estaremos sujeitos a uma infinidade de paradoxos, porque esses tipo de visualização não se aplica necessariamente ao Tempo. (H. G. Wells, em seu famoso capítulo inicial de A Máquina do Tempo, contribuiu muito para enxergarmos o tempo dessa forma.)

No conto “O homem dourado” (em Realidades Adaptadas, Ed. Aleph) Philip K. Dick fala do jovem Cris Johnson, um rapaz de 18 anos meio autista - não fala, não se comunica, não dá trabalho à família, vive apenas olhando tudo à sua volta, e de vez em quando desaparece (e reaparece dias depois) sem dar explicações. Ele é um mutante, e seu super-poder consiste em adivinhar o futuro. 

Cientistas preparam complicados testes em que uma porção de aparelhos disparam sobre ele, num recinto fechado, e ele se desvia de todos os tiros. Ele sabe onde o tiro vai ser disparado, e apenas se afasta.

Johnson vive mentalmente num presente mais amplo, que se expande para o futuro, e não para o passado. Ele parece (ao contrário da frase de Borges) não lembrar o que aconteceu no passado, e ter uma visão muito clara do que acontecerá nos próximos segundos ou minutos. 

Diz uma cientista: 

“Ele tem um presente mais amplo. Mas seu presente se encontra à frente, não atrás. Nosso presente está relacionado ao passado. Somente o passado é certo, para nós. Para ele, o futuro é certo. E provavelmente não se lembra do passado, não mais do que qualquer animal é capaz de lembrar o que aconteceu.”

Cris Johnson vê o Tempo como um conjunto de cenas muito próximas e nítidas que vão se desdobrando e se ramificando em outras, cada vez menos nítidas à medida que são mais distantes, mas as cenas mais próximas, do futuro mais imediato, brilham com clareza. As cenas se tornam mais claras quando se tornam mais prováveis, e depois de acontecer, desaparecem. 

“A única coisa que lhe era desconhecida era a que já deixara de existir. De modo vago e obscuro, perguntava-se de vez em quando para onde iam as coisas depois que ele passava por elas”. 

É um mutante, por certo, mas num certo sentido é a prefiguração das nossas futuras gerações, cada vez mais vulneráveis a um Presente que não cessa de aumentar e de exigir toda sua atenção.










terça-feira, 11 de dezembro de 2012

3053) Diário de Classe (11.12.2012)




(Isadora Faber)


Houve um bafafá danado, de julho pra cá, por causa da página “Diário de Classe”, inventada por Isadora Faber, uma menina  de 13 anos. Ela criou a página do Facebook para reclamar dos problemas e dos defeitos da escola municipal onde estuda, em Santa Catarina. Pra quê que ela fez isso?!  Choveram reclamações, críticas, ameaças. A avó da menina foi atingida por uma pedra; ela própria foi intimada a prestar depoimento em uma delegacia, porque uma professora a acusou de calúnia e difamação.

A verdade é que ninguém gosta de ver divulgados os seus malfeitos, sejam ações desonestas ou simples negligências. No caso da escola da menina, não acho que os problemas sejam muito diferentes do que se vê na maioria das escolas, públicas ou particulares: orelhões quebrados, fios elétricos desencapados, falta de professores... Cada escola tem problemas diferentes, que no fundo são um só: falta de dinheiro ou má aplicação (por incompetência, descaso ou desonestidade) do dinheiro disponível.  Quem quiser conferir, procure no Facebook a página “Diário de Classe”.

Como tanta coisa na Internet, o página se multiplicou (diria um redator das antigas) “como fogo num rastilho de pólvora”. “O Globo” de domingo diz que já existem mais de cem páginas diferentes, criadas por outros estudantes, nos mesmos moldes. Isto é bom? É ruim? Como sempre acontece quando se bota uma tecnologia na mão de uma multidão, pode servir pra tudo. Estudantes moleques podem querer “trollar” a própria escola postando fotos tiradas em outros lugares e dizendo que foi lá. Alunos relapsos podem agredir a imagem de professores exigentes, por vingança. Alunos podem se sacanear uns aos outros postando fotos ou informações comprometedoras.

Ou seja: os riscos são os mesmos de quando foram inventadas as inscrições cuneiformes ou os hieróglifos egípcios. Qualquer nova maneira de multiplicar uma informação pode ser usada para o bem e para o mal.  O lado bom é que a Internet e as redes sociais, que tantas vezes são acusadas de servirem apenas de vitrine para narcisismos e irrelevâncias, mostram que podem ser também um instrumento de vigilância, de cobrança, de denúncia, etc., principalmente numa área crucial como a do ensino.

A educação federal, estadual e municipal (além das escolas particulares!) vem sendo sucateada há décadas. Se a Internet e as redes podem ajudar a pressionar os governos e as escolas privadas para que atenuem a catástrofe, tanto melhor. Nenhuma tecnologia é melhor ou pior do que o uso que lhe é dado. Os adolescentes estão mostrando que conhecem bem o funcionamento das redes sociais, e que sabem utilizá-las de uma maneira inesperadamente adulta.



domingo, 9 de dezembro de 2012

3052) A tecno-telepatia (9.12.2012)





Os cientistas trabalham duro, e a sério, para encontrar algum meio tecnológico de produzir a telepatia, aquilo que a gente se refere brincando como “transmimento de pensação”.  Há pouco tempo, o canadense Scott Routley, que está em estado vegetativo, teve seus pensamentos comunicados através de aparelhos de ressonância magnética. Isto não quer dizer, claro, que ele se comunicou verbalmente, mas que a atividade de certas áreas do seu cérebro foi mapeada e depois “traduzida” para dar uma idéia do que ele estava pensando.  Ou, pelo menos, de que apesar da imobilidade ele permanece consciente. (Este é um dos dramas de pessoas em estado de coma – dá muito trabalho provar se estão conscientes ou não.)

Vai ser difícil produzir comunicação de um cérebro para outro baseando-se em nosso processo de formação de palavras e frases e em nossa memória verbal. É um processo muito subjetivo, muito impalpável.  Mais fácil estabelecer algum tipo de código, como o código Morse, para que o telepata envie a mensagem letra por letra, como no telégrafo. Ademais, como serão estabelecidas as ligações pessoa-a-pessoa? Não faz sentido encontrar uma maneira de transmitir pensamentos mas não conseguir direcionar esses pensamentos para uma pessoa específica. Qualquer pesquisa deve levar em conta a transmissão e a recepção.

A telepatia não vai ser como uma conversa telefônica, onde duas pessoas, num mesmo canal, falam alternadamente e podem até falar ao mesmo tempo sem deixar de ouvir com clareza o que o outro está dizendo. Com o pouco que sabemos sobre o processo de verbalização dos pensamentos (pensar nas palavras sem pronunciá-las) não há como imaginar, agora, uma tecnologia capaz de tornar esse processo algo compartilhável à distância. O maior empecilho a esse tipo de telecomunicação não é o meio (que são as ondas de rádio), é o fato de que não sabemos como as idéias verbais se formam e “são salvas” em nossa mente.

Ao invés de um “telefonema mental”, talvez a telepatia tecnológica venha a se parecer com os torpedos, mensagens de texto construídas letra a letra e enviadas de uma vez só. Haveria dois níveis sucessivos a serem ativados por concentração mental. No primeiro, a pessoa poderia compor, de letra em letra, sua mensagem, e a “salvaria” de algum modo. Em seguida, ativaria um código que a colocaria em contato com o destinatário, e em seguida algo equivalente à tecla “send”, “enviar” – e só então a mensagem seguiria, via ondas de rádio, para o seu destino. O que não acho possível são aquelas longas conversas telepáticas das histórias de FC, que mais parecem duas pessoas desocupadas matando o tempo com um telefonema.



sábado, 8 de dezembro de 2012

3051) Piadas modernistas (8.12.2012)




(Manuel Bandeira)


Uma das coisas com que o Modernismo mais incomodou a cena literária de sua época foi o seu recurso à brincadeira, à galhofa, à paródia e à sátira.  

Poetas de todos os tempos fizeram isso, mas traçavam um limite entre isso e a arte poética. Olavo Bilac e Guimarães Passos produziram centenas de versinhos satíricos, jocosos, maliciosos; mas não permitiram que eles fossem incluídos em seus livros “sérios”. 

A poesia era uma espécie de templo onde só se entrava vestido a rigor. A poesia moleca, pornográfica, maledicente, descalça, suja, essa tinha que dormir na calçada. Não tinha direito ao teto de um livro.

Manuel Bandeira conta em suas memórias como ele e os amigos se valiam de suas colunas em jornal para incomodar os poetas (e os críticos) partidários da pomposidade, da gravidade, da oratória vazia que na época era considerada o espírito poético mais autêntico. 

O jornal A Noite lhe pagava 50 mil réis por semana para colaborar na seção “O Mês Modernista”, onde Bandeira propunha, entre outras coisas, a tradução de poemas brasileiros em linguagem moderna.

Ele dá como exemplo estes versos de Joaquim Manuel de Macedo: 

Mulher, irmã, escuta-me: não ames. 
Quando a teus pés um homem terno e curvo 
jurar amor, chorar pranto de sangue, 
não creias, não, mulher, ele te engana! 
As lágrimas são galas da mentira 
e o juramento manto da perfídia.

Bandeira propôs esta “tradução em caçanje”: 

Teresa, se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você 
e te jurar uma paixão do tamanho de um bonde
se ele chorar 
se ele se ajoelhar 
se ele se rasgar todo 
não acredita não Teresa 
é lágrima de cinema 
é tapeação 
mentira 
CAI FORA.

Está tudo aí: o processo de desinflação, de esvaziamento da linguagem inchada e grandiloquente. Bandeira comenta, anos depois: 

“Piadas... (...) Por essas e outras brincadeiras estamos agora pagando caro, porque o ‘espírito de piada’, o ‘poema-piada’ são tidos hoje por característica precípua do modernismo”. 

Bandeira, Drummond, Mário de Andrade fizeram poemas assim (Oswald não conta, porque quase que só sabia escrever assim), trazendo para o espaço sagrado do Livro de Poemas a fala bárbara da rua, o caçanje, a gíria, o brasilês. 

E trazendo junto o estado de espírito correspondente, o tratar das mulheres de igual para igual, sem o endeusamento melodramático que os parnasianos achavam imprescindível. 

Hoje, quase cem anos depois, essa discussão continua existindo. Não vai deixar de existir tão cedo. É o cabo-de-guerra entre linguagem elaborada versus linguagem espontânea. Ao longo das décadas, mudam de teoria, de sotaque e de dicção, mas a tensão entre as duas é eterna.





sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

3050) Décio Pignatari (7.12.2012)




(Décio Pignatari, entre Haroldo e Augusto de Campos)


A morte de Décio Pignatari (1927-2012) deixa Augusto de Campos como o último sobrevivente (após a morte também de seu irmão Haroldo) da trinca concretista paulistana que realizou aquele fenômeno chamado por um grande jornal, com involuntária propriedade, de “O Rock-and-Roll da Poesia”. O Concretismo foi um movimento literário pra ninguém botar defeito. Teve militantes denodados, adversários de peso, polêmicas explosivas, sempre emergindo à tona ao fim de cada década. Ainda hoje há quem o odeie, porque os “três poetas de Perdizes” eram polemistas capazes de demolir (ou pelo menos trincar) uma reputação literária com um artigo de jornal cheio de provas irrefutáveis, e de reduzir a pó um poema mediante um adjetivo bem encaixado. Arranjaram desafetos pela vida afora. Quando achavam que um texto era uma porcaria diziam isso sem meias palavras.

Apesar da imensa contribuição que trouxe para nossa crítica literária e para a teoria poética, o Concretismo tornou-se antipático por causa dessa atitude de “donos da verdade” que os membros da trinca adotavam de vez em quando. Como acontece com quem funda um movimento, eles parecem ter acreditado em algum instante que toda a literatura e toda a poesia do mundo tendiam a se tornar aquilo que eles estavam descobrindo. Todo sujeito que cria uma nova maneira de ver as coisas pensa que está zerando a história do pensamento. Não está.

Pignatari tem ensaios brilhantes sobre comunicação, linguagem, jornalismo, poesia, propaganda, etc.  Teve a sorte de realizar seu trabalho intelectual mais maduro durante o florescimento dos cursos universitários de Comunicação, onde sua obra foi muito adotada e estudada – nem sempre com discernimento, é claro, mas a culpa nesses casos nem sempre é do autor. Suas coletâneas de textos (Contracomunicação, Informação. Linguagem. Comunicação, Semiótica & Literatura) são utilíssimas ainda hoje. Neste último, em vários capítulos ele analisa do ponto de vista semiótico a obra de Edgar Allan Poe, mostrando as sonoridades e correspondências ocultas por trás dos nomes dos personagens e das funções estruturais de textos como “O Corvo”, “Berenice”, “A Queda da Casa de Usher”, etc.

Pignatari foi uma das grandes mentes modernistas brasileiras, “modernismo” compreendido aqui como um movimento estético típico da cultura industrial, cultura de massa, envolvendo poesia, design, artes gráficas... Um modo de ver a linguagem, e principalmente a poesia, que ajudou a arejar um ambiente literário pomposo e vazio, em que os temas só eram entendidos em seu aspecto sentimental, e a forma poética só era encarada em suas funções ornamentais e exibicionistas.


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

3049) Ser comunista (6.12.2012)






Tanto esquerda quanto direita já fizeram tentativas de impor ao mundo real conceitos abstratos extraídos de um silogismo filosófico qualquer. É uma atitude que, previsivelmente, é encampada com facilidade por intelectuais jovens com muita leitura e pouca vivência nas ruas. Você desenvolve uma argumentação veemente numa lógica irretorquível. Quando vai botar em prática, leva uma rasteira da Realidade. Nada mais irritante para um filósofo do que predizer uma castástrofe e não vê-la acontecer. Ou vê-la, dependendo do caso.

O marxismo sempre teve um lado ficção científica, no aspecto teórico. Ele se apresentava como uma interpretação científica da realidade, para se distinguir do socialismo utópico ou do comunismo  primitivo dos índios. O Materialismo Científico não era muito diferente da Psico-História de Hari Seldon, na trilogia da Fundação de Asimov. Uma teoria ambiciosa, assustadoramente veraz, com duas tintas de ingenuidade messiânica e mais quinze gotas de militarismo introjetado. Perto da seriedade do marxismo, qualquer outra teoria da história humana fica parecendo inventada por Robert Sheckley ou Douglas Adams.

As pessoas mais honestas, altruístas e corajosas que já conheci estão nestes dois grupos: as pessoas religiosas e os comunistas. Dois grupos que, em muitas circunstâncias, não se veem com bons olhos. Um erro da esquerda é um revolucionarismo que desdenha a alegria e tudo submete a uma moral puritana e sombria. Karel Tchápek, o autor de “A Fábrica dos Robôs”, disse certa vez:

“Numa de suas baladas o poeta comunista Jiri Wolker diz: ‘Nas profundezas do coração de vocês, meu povo, eu posso ver o ódio’. É uma palavra horrível, mas o mais interessante é que é totalmente inadequada. Nas profundezas do coração dos pobres o que existe mesmo é uma alegria espantosa e bela. O operário no torno conta piadas e se diverte muito mais do que o dono ou o diretor da fábrica. Pedreiros de construção se divertem mais do que o mestre-de-obras ou o proprietário.  E se dentro de uma casa houver uma pessoa cantando, é muito mais provável que seja a criada do que a patroa. Esse povo a que chamam proletário tem uma inclinação natural para uma concepção de vida quase infantil de tão alegre; o pessimismo comunista e o seu ódio melancólico são injetados artificialmente neles, e através de condutos impuros. Chama-se a adoção dessa depressão desesperada ‘a educação das massas rumo ao revolucionarismo’ ou ‘a reafirmação da consciência de classe’. Os pobres, tendo tão pouco de seu, passam agora a ser privados de sua primitiva alegria de viver; este é o primeiro pagamento que fazem para chegar a um mundo melhor no futuro”.



quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

3048) Gibson e o futuro (5.12.2012)






Um artigo de James Turner no portal O’Reilly Radar (http://oreil.ly/MSg64z) discute a obra de William Gibson (Neuromancer principalmente) perguntando: “A FC previu o futuro?  Adivinhou, trinta anos atrás, como seria o nosso presente?” Turner observa que Gibson errou em muitos detalhes técnicos. Em alguns casos a realidade se desenvolveu de maneira oposta ao que ele imaginara em seu livro, mas ele soube captar bem o Zeitgeist, o espírito do tempo. Captou a sensação sufocante de vigilância eletrônica, da existência de uma “matrix” (embora ele evite este termo) e de uma guerra feroz travada nas trincheiras digitais. Gibson acertou só um pouco na evolução da informática, diz Turner, e acertou muito mais no que previu da Distopia em nosso futuro.

Diz ele: “O mais interessante é que Gibson errou por completo na questão de onde estariam sendo travadas as batalhas. No universo de Gibson, as corporações se enfrentam disputando segredos de negócios, com ‘assassinos’ informáticos altamente preparados travando elegantes batalhas contra ‘firewalls’ meticulosamente construídos. No mundo real, os defensores estão sendo superados numericamente, travando uma guerra desesperada em frágeis plataformas de software contra hackers semi-instruídos que desferem descargas cada vez mais maciça de ataques baseados na força bruta. E, ao invés de planos tecnológicos de valor inestimável, a riqueza que essas empresas tentam proteger são bens mundanos: números de cartão de crédito, músicas, filmes”.

Gibson nunca escondeu que quando escrevia Neuromancer seu conhecimento de computadores era apenas superficial.  Ele misturou suas leituras, intensas mas desordenadas, e jogou tudo na página em branco. Sobre vírus, ele diz (em 1990): “Não percebi o quanto esse conceito era esotérico na época. Presumi que todo mundo sabia a respeito, pelo menos o pessoal de informática. Na verdade, nem todos sabiam”.

Prever o futuro é O Sonho Burguês. Controlar, dominar o tempo como dominamos o espaço. A Ciência cartesiana surgiu para isto: para dar ao Poder econômico a capacidade de antever fatos, tendências, consequências. A Revolução Industrial, a Era Espacial e a Era Atômica são indissociáveis de “experiências controladas com resultados previsíveis”. Quando os escritores relaxam sua verve literária e se concentram em tentar adivinhar o que vai acontecer daqui a 30 anos, estão se curvando diante da pressão burguesa pelo Utilitarismo, pelo Controle do Futuro. A tentação de prever é um dos maiores riscos que a FC corre, assim como a tentação de defender uma ideologia política é um dos maiores riscos da literatura social, realista, do mainstream.



terça-feira, 4 de dezembro de 2012

3047) Molyneux e os games (4.12.2012)







A revista “Wired” de novembro trouxe uma interessante matéria sobre Peter Molyneux, criador de videogames famosos como “Populous” (1989), “Theme Park” (1994), “Dungeon Keeper” (1997), “Black x White” (2001). Ele percorreu uma rápida carreira um tanto parecida com a de George Lucas. O sucesso como criador o conduziu a posições cada vez mais altas na cadeia de comando. Segundo a revista, a partir da série “Fable” (2004 em diante), Molyneux vendeu sua empresa para a Microsoft e pareceu entrar num declive de criatividade. Não tinha mais as idéias originais e surpreendentes que lhe deram fama. Estava, como se diz, tocando a bola no meio de campo, envolvido cada vez mais com a administração e menos com a imaginação criadora.

Surgiu então no Twitter um “alter ego” que se apresentava como “Peter Molydeux” (com a sugestão de ser um “duplo” sutilmente implantada, “dois”,  no nome). Esse tuiteiro desconhecido posava de criador de games e lançava para o alto uma série de idéias para jogos, desde as mais impossíveis e absurdas até as mais intrigantes e realizáveis. Dizia ele, em 140 caracteres: “Você vive numa casinha feita de armas de fogo. Você precisa usar as armas para se proteger, mas também precisa manter seus filhos protegidos por paredes e teto”. “Um jogo de guerra em que, no final, você caminha por um cemitério olhando para as lápides de todos os que você matou e fazendo um minuto de silêncio em cada uma”. “Imagine um jogo que dura para sempre onde seus filhos e seus netos prosseguirão, usando seu perfil”. “E se seu corpo fosse em forma de ampulheta? Um game intensamente acrobático onde você tem que manter a areia sempre caindo, sem nunca parar”.