quarta-feira, 15 de abril de 2015

3789) Crítico ou resenhador (16.4.2015)



(o crítico John Clute)

Antonio Cândido já elogiou com admiração o resenhador de livros, o crítico do varejo semanal, que escreve sobre o que vem parar em cima da sua mesa na redação. Dizia ele: “Não é fácil escrever todas as semanas sobre livros do dia, feitos muitas vezes por autores desconhecidos, a respeito dos quais não se tem a menor referência. Por isso digo que um crítico como Álvaro Lins, que acertava sempre e produzia artigos bem escritos, de grande densidade e destemor, enfrentava dificuldades maiores do que, por exemplo, Augusto Meyer, que escrevia não sobre o livro da semana, de autor frequentemente desconhecido, mas sobre Camões, Cervantes, Machado de Assis, Dostoiévski, Pirandello, Rimbaud.” 

Deve ser mais cômodo trabalhar com os clássicos, ou com textos em domínio público, do que com autores de carne e osso, cheios de opiniões, mas a questão nem é essa. A crítica e a teoria se desvalorizam quando passam longe da literatura. A crônica jornalística impõe a quem a escreve o contato com o inesperado. Escrever sobre um dado que gira e que não se definiu ainda, e que às vezes cabe a nós traçar o seu primeiro perfil.

O crítico John Clute diz: “Acho que a tentativa de captar e definir o que existe de ‘historiável’ em um texto novo, que é o que se espera dos resenhadores, é absolutamente inerente a qualquer compreensão de um texto qualquer. E acho que a crítica acadêmica, que tende a abstrair, em proporções industriais, temas a partir dos textos (numa espécie de mineração), tende a tropeçar logo na primeira barreira: a tarefa de descrever como um conto se livra contando do seu fardo. Porque se você não conseguir transmitir essa parte essencial, esse ‘como’, você só pode discutir em cima de uma generalização fatalmente vazia, desgarrada.” 

Alguns ficcionistas produzem textos críticos muito lúcidos e demonstram conhecer o gênero com que trabalham. Stephen King, Lovecraft, Henry James etc têm inclusive talento para a descrição sintética, resumindo em poucas linhas o sentido ou o impacto de um livro. Autores comentando livros alheios costumam ter uma abordagem mais pragmática, indo direto ao ponto, falando não como autores, mas como leitores.

Dizem que Pauline Kael, a grande crítica de cinema novaiorquina, escrevia aqueles seus comentários agudos e personalistas tendo visto o filme apenas uma vez. Via hoje, escrevia amanhã; os artigos estão preservados nos seus livros. O crítico vive, como diz Clute, como o canário na mina de carvão das coisas novas.  Para acusar de imediato qualquer mudança nas condições normais de temperatura e pressão, ou qualquer outro indicador que faça o ponteiro do novo pular.




Um comentário:

Fraga disse...

Nunca houve crítico de cinema como Pauline Kael: ao ler qualquer resenha sobre algum filme já visto antes, tinha que rever minha visão. Ela reposicionava qualquer espectador - diante de gêneros, de roteiros, direção ou atuações. Um filme resenhado por ela está sempre em seu devido lugar, méritos e/ou deméritos (muitas vezes invisíveis/despercebidos/mal interpretados por nós) apontados com brilhante precisão. 1001 Noites no Cinema (nos EUA 5000 Noites) é um altar para todo cinéfilo. Rara acuidade, resenhas antológicas e definitivas, admirável lucidez que o Alzheimer apagou. O que a Kael não diria do cinema infantilizado de hj? Nos diga vc, Braulio, baita resenhador. Abração!