terça-feira, 14 de abril de 2015

3788) 10 terapias (15.4.2015)



(ilustração: Igor Morski)


Matilde Varandello, 34 anos, estilista, de Londrina: recorta e prega em álbuns tamanho grande as matérias e as fotos que mais gosta a respeito de suas cantoras preferidas, cuja última listagem alinhou 73 nomes.

Argeu Valadares, 43 anos, comerciante, baiano: pega a vara e vai pescar.  Com isca ou sem isca, não se abala e vai pescar. Tenha ou não tenha peixe, tenha ou não tenha mar, daqui a um milhão de anos a Humanidade já se extinguiu mas Argeu Valadares vai pescar. (E a Humanidade que se extinga.)

Jamima Durães, 32 anos, psicóloga, São Paulo, dialoga com os bancos de metrô. Reproduziu as plantas baixas dos trens, deu um nome a cada vagão e a cada banco, e, quando senta em qualquer um deles profere uma prece ligada àquele banco específico.

Mário Alenquer Fortunato, 58 anos, contabilista, Rio. Sabe de cor um disco inteiro de uma cantora americana, arranjos, letras, tudo, e qualquer problema que desabe sobre ele o obriga a cantar o disco faixa por faixa, a plenos pulmões quando em casa, em voz bem baixinha quando nos cubículos do escritório.

Hermán Montero, 56 anos, jornalista aposentado venezuelano. Recorta palavras aleatórias das manchetes dos jornais e monta com elas poemas surrealistas em forma de notícias bizarras.

Paulo César Costa Carvalho, 43 anos, representante de vendas, Junco do Seridó. Onde quer que haja um intervalo, puxa do bolso do paletó uma revistinha com problemas de Sudoku, que ele resolve e depois não consegue lembrar como resolveu, de tão distraído que fica.

Vanilda Borges Lima, 44 anos, professora, capixaba, costuma ter uns apertos no peito contra os quais reage preparando um chá de camomila de três saquinhos para meia chaleira dágua, depois polvilhar com canela e uma gotinha de mel, é tomar três e capotar até a chegada da diarista.

Nelson Barbosa Olivetto, 61 anos, fotógrafo aposentado, todas as vezes que está numa fila muito longa dedica-se a lembrar a letra de “Construção” de Chico Buarque, e depois a repete mentalmente de trás para diante.

Léia Donato Filgueiras de Sousa, 27 anos, está construindo um palácio da memória, embora não lhe dê este nome; e lembra com nitidez cada coisa que botou em cada recanto ou parede de cada aposento da casa que ela imaginou para si.

D. Salvina, 81 anos, dona de casa, Santa Luzia. Às vezes quando passa a noite inteira sem sono levanta sem acordar o velho, vai para a cozinha, traz uma cadeira pra junto da pia, abre a torneira só um pouquinho para poder ouvir cada uma das gotas que tombam tinindo no fundo oblíquo de uma panela emborcada, e é assim que o velho a encontra com o sol já alto, ela por fim dormindo em paz.




2 comentários:

AiA disse...

Adorei me colocar em cada um desses lugares outros...

Caio Girão disse...

Detalhes cotidianos - ali nos cantinhos recônditos é que mora a poesia.