(Schopenhauer x Kahn)
Toda Copa do Mundo revela para um bilhão de espectadores uma galeria de jogadores que são famosos em seus países (senão não estariam na Seleção nacional), mas são ilustres desconhecidos para o resto do mundo. Uns são craques, outros pernas-de-pau, mas cada um, a seu modo, exprime uma diferente faceta do futebol, que as tem mais (refiro-me às facetas) que um olho de mosca.
Vejam o grampiolão Crouch, da Inglaterra. Não é bom jogador. Só seria titular no Treze se tivesse um bom pistolão. É desengonçado, tropeça nas próprias pernas, faz faltas o tempo todo. Tem um rosto esquelético de cadáver, olhos esbugalhados, faces encovadas, e seria um coadjuvante certo num desses filmes de zumbis de George Romero. O que faz numa Seleção Inglesa? É fácil: ele corresponde a uma fantasia futebolística britânica, a de que a maneira mais bela de fazer um gol é cruzar bolas na área para que alguém cabeceie. O mais engraçado é que “to crouch” significa “agachar-se, curvar-se”, e é justamente o que ele faz para cabecear. David Beckham, o melhor cruzador de bolas do mundo, cruza 50 bolas por partida, e numa delas o Crouch acaba botando pra dentro. (Cinco minutos depois que escrevi estas linhas, Beckham cruzou e Crouch fez o 1o. gol da Inglaterra em Trinidad-Tobago. Pense num profeta!)
A medalha de jogador mais esquisito da Copa talvez caiba ao coreano que fez um dos gols em Togo, acho que se chama Lee Chun Soo. Ele tem um bigodinho Gengis Khan, preto, e um cabelo descolorido meio Rod Stewart. Parece assassino profissional de filme japonês produzido por Tarantino. Aliás, em matéria de cabelo, certos jogos da Copa dão mais assunto do que em matéria de futebol. Parece que muitos caras faltam ao treinamento para ir ao salão, imaginando a hora em que serão vistos por 500 milhões de pessoas. O italiano Camoranesi tem um rabo-de-cavalo que lhe dá uma aparência de comanche de faroeste; o argentino Coloccini tem uns cachinhos de anjo barroco, mas é um autêntico carniceiro (que o digam as canelas dos adversários).
Falando de figuraças, avistei de novo a cara de Oliver Kahn, o goleiro alemão campeão da antipatia. Na transmissão de Alemanha 2x0 Suécia, a câmara o mostrou no banco de reservas, o grupo todo vibrando com os gols e ele “de bode amarrado” porque ficou na reserva. Dias atrás, folheando um livro de filosofia, descobri por que ele é assim. Kahn é a cara, escrita e escarrada (só que com cabelo menos revolto), do filósofo Schopenhauer, autor de O Mundo como Vontade e Representação. Schopenhauer, em seus momentos mais pessimistas, via a existência humana como um processo sem sentido, marcado pela irrelevância e pelo sofrimento. Se a Teoria das Vidas Passadas é verdadeira, o sombrio filósofo reencarnou para comprovar essa tese em 2002, diante do pés de Ronaldo. A seleção alemã passou o rodo em todo mundo até agora, mas esperemos que pelo menos esta parte final da História se repita.
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