terça-feira, 19 de maio de 2009

1032) FUCK (7.7.2006)



O palavrão tem o poder que lhe conferimos com nossa reação diante dele. Quanto mais uma platéia se escandaliza, mais está se deixando manipular por quem visava justamente o escândalo. Se você quer derrubar um humorista, que se esforça para ser engraçado, não ria. Se quer neutralizar um sujeito que quer escandalizar, não se escandalize.

Lembro-me, na adolescência, de uma peça teatral de Jean-Paul Sartre, A prostituta respeitosa. Descobri depois que o título em francês era La p... respectueuse. Logo na pátria do “filme francês” (que naquele tempo era gíria para “sacanagem”)! Fiz agora uma busca nos sebos online, e constato que a edição de 1947 da Gallimard traz o título completo: La putain respectueuse, ao passo que a edição de 1962 da mesma editora traz o palavrão abreviado. Por quê? Públicos diferentes, códigos diferentes? Mistério.

Nos anos 1970, “O Pasquim” usava muitos palavrões, e isto chegou ao máximo na famosa entrevista que fizeram com Leila Diniz, que falava mais palavrão do que um cantor de hip-hop. A censura os obrigou a substituir o palavrão por um asterisco entre parênteses: (*). Qual o propósito disto? Não sei, porque no jornal saía assim: “Ah, Fulano, vai tomar no (*)”. Pra mim, é a mesmíssima coisa. Os pasquineiros deitaram e rolaram em cima dessa bobagem. Daí a pouco estavam dizendo: “Ah, Jaguar, vai pra asterisca que asterisquiu!”

O diretor Steve Anderson está preparando o lançamento de um documentário intitulado Fuck, e o tema do filme é justamente a palavra-título. (Para quem não sabe, é a palavra que indica o ato sexual, seja como verbo, seja como substantivo) A imprensa americana costuma chamá-la “a palavra com F” (“the F-word”), e o filme já coloca uma interessante questão metalinguística, porque o debate a respeito da palavra estará não apenas dentro do filme, com em volta dele. Como o título vai aparecer no jornal? Na TV? Na fachada do cinema?

Creio que o Brasil, mesmo como todo falso moralismo, tem vistas largas nesse aspecto. Algumas palavras são palavrões num Estado, mas não são em outros. Quando um paulistano diz: “Tá fazendo um puta calor, ô meu”, ninguém acha que ele falou palavrão. Na Bahia, um pai diz ao filho pequeno: “Se quer ver TV, primeiro tem que estudar, fazer o dever de casa, a porra toda” – e ninguém acha que isto é pornografia. É um termo tão inócuo quanto o “trem” dos mineiros ou o “troço” nordestino. Por outro lado, já vi uma novela da Globo dizer “xibiu” em pleno horário nobre. Será que ninguém avisou o que quer dizer?

“Fuck” e “fucking” estão se tornando cacoetes verbais insuportáveis dos norte-americanos. É de longe a palavra mais pronunciada em qualquer diálogo entre marginais, bandidos, indivíduos rebeldes em geral. É uma palavra que revela a esquizofrenia moral do nosso mundo: o mais proibido é o que mais se procura, o que provoca mais emoção, o que desabafa mais, o que produz catarse mais intensa.

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