Eu era pequeno e minha Tia Adiza, que morou na casa dos meus pais durante toda minha infância, vivia cantando um “hino de crente” que dizia: “Divino Salvador / contempla com favor / nosso país... / Dai-nos eterna paz / governo bom, capaz, / vida que satisfaz...” Não lembro a última linha, porque com o passar dos anos foi obliterada pelo verso final em inglês: “Goood saaave the Queeeen...” Não era um hino de crente, era o Hino da Inglaterra, cantado com fervor nas igrejas anglicanas de Campina Grande.
Vê-lo cantado em coro pela torcida inglesa numa Copa do Mundo é a coisa mais emocionante que a seleção da Inglaterra consegue proporcionar (porque, como diria o Professor Raimundo, “o futebol, ó...”). Nacionalismo, religião e futebol se mesclam com a naturalidade das grandes paixões irracionais e das grandes ideologias manipulatórias. Multidões adoram exprimir certezas coletivas. Elas atenuam a insegurança que esses caras experimentam quando cada um volta sozinho para casa e se lembra de quem é.
Hinos nacionais geralmente são bélicos e ufanistas, falam em sangue, em canhões, em morrer pela pátria. A Marselhesa, então, é muito punk, meu camarada! Nunca a ouço sem me arrepiar dos pés à cabeça. Devo ter algum cromossomo francês, porque nesse instante vem tudo à minha memória: as lutas de espadas dos Pardaillans, as aventuras de Rocambole e de Arsène Lupin, os filmes de Godard-Resnais-Truffaut, os livros de Sartre e Camus, aquela cena de “Casablanca” em que um botequim inteiro canta o hino, desafiadoramente, na cara dos nazistas... Como não ser francês, ouvindo uma canção como aquela? Como não procurar com a mão o sabre mais próximo?
O hino norte-americano nunca me seduziu muito, devido ao meu preconceito esquerdista. Só vim a me emocionar com ele depois que Jimi Hendrix, em Woodstock, o transformou numa melodia torturada por gemidos, distorções e bombardeios. Pela primeira vez vi naquele hino a expressão do Eu profundo do povo americano: um Eu em preto-e-branco, dividido, fendido, contraditório, repleto de ética puritana e de permissividade decadente, o retrato de um país Jekyll-e-Hyde que escancara para o mundo o que o futuro nos reserva de melhor e de pior.
O Hino Brasileiro tem uma boa letra, que só se prejudica pelo excesso de pompa retórica, mas pelo menos não é um convite heavy-metal ao morticínio. Será impossível uma letra de Hino que seja um bom poema? Nesta Copa fiquei conhecendo o belo Hino da República Tcheca, que diz: “Onde é o meu lar? Onde as águas fluem pelos campos, os pinheiros se agitam nas ravinas, os jardins exibem o florir da primavera. É um Paraíso na terra, o país dos tchecos, o meu lar. Se você vir uma terra que parece o paraíso, e encontrar almas ternas em corpos ágeis e de mente clara, um país vigoroso e próspero, com uma força que capaz de enfrentar qualquer desafio... você terá encontrado a raça gloriosa dos tchecos, e é entre os tchecos que está o meu lar”.
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