Música moderna, pra mim, é Marcelo D2 mandando um MP3 pra Fred 04. Ela não é somente o conjunto de melodias cantadas e letras ditas, mas toda a estrutura de tecnologias e brodagens que sustentam essa música, e lhe dão significação e sabor. Caso o leitor não conheça o termo “brodagem” (o Dicionário Houaiss, por exemplo, não o registra), basta dizer que vem do inglês “brother”, irmão, e indica o sentimento de irmandade que impregna os grupos, geralmente jovens, envolvidos na criação, produção e circulação dessa música.
É interessante que uma gíria “pop” como brodagem sugira termos de ressonância tão medieval ou renascentista como Fraternidade ou Irmandade. Grupos com estes rótulos postulam ser uma confraria de iguais, onde os cargos hierárquicos servem apenas para simplificar as tarefas administrativas. Fraternidades clássicas como os Rosacruzes ou a Maçonaria se organizaram à margem do poder secular e religioso; eram comunidades alternativas de livre-pensadores que se sentiam incomodados com a centralização e verticalização do poder do Vaticano e dos Imperadores. Eram grupos marginais, independentes, alternativos: todos os adjetivos que usamos hoje para descrever tantos movimentos culturais e artísticos de nossa própria sociedade.
Rico gosta de multiplicar, e pobre gosta de dividir. A brodagem é o recurso dos que têm pouco mas encontram alguém que, também tendo pouco, acha um jeito de distribuir. Uma banda que toca de graça em todas as faixas do CD de um cantor amigo não é muito diferente do grupo de vizinhos que faz um mutirão-de-domingo para “assentar a laje” na casa de Fulano. Favores recíprocos criam laços de camaradagem, de gratidão. Criam um crédito de ajudas que dispensam registro contábil. No espírito da brodagem, um favor não é uma dívida a ser cobrada no futuro: é um gesto de carinho e confiança que será retribuído com prazer na primeira oportunidade.
A brodagem não nasceu agora. O fotógrafo Mário Carneiro disse nos anos 60: “O Cinema Novo brasileiro é acima de tudo um fenômeno de amizade.” Ou seja: um grupo de amigos que queriam fazer as mesmas coisas. Amizade e criatividade alimentavam-se mutuamente, como na Nouvelle Vague francesa, no movimento Underground americano, no atual Dogma escandinavo. É curioso ver tais comportamentos coletivos brotando no interior de atividades como o Cinema e a Música Fonográfica, que são por natureza industriais, hierárquicas, sujeitas a todas as pressões capitalistas para maximização dos lucros, etc. Ser um artista independente num esquema como este é quase impossível. Por que não criar, então, uma Fraternidade de Mentes Autônomas que se ajudam entre si? A brodagem não é um conceito novo. Ainda bem que não o seja, porque isto talvez seja uma pista de que é no fundo a brodagem que tem mantido viva a possibilidade de criação artística ao longo de todos estes milênios.
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