sexta-feira, 21 de julho de 2017

4254) A melodia poética (21.7.2017)




(soneto de Rainer Maria Rilke)

A poesia tem uma dimensão melódica que a aproxima da fala humana.  Não da fala solta e desatenta dos instantes banais, mas de uma fala transfigurada.  Uma fala que nasce também dos ritmos de nossa voz, mas da voz que usamos nos momentos mais carregados de urgência, de emotividade, de concentração.

Comentando a amizade literária entre o poeta norte-americano Robert Frost e o crítico britânico Edward Thomas, Matthew Hollis observou:

Para esses dois homens [Frost e Thomas], a máquina que move a poesia não é a rima nem sequer a forma, mas o ritmo, e o órgão pelo qual ela se comunica é o ouvido que escuta, mais do que o olho que lê.  Para Thomas e Frost isso acarretava uma fidelidade mais à frase do que à contagem métrica, aos ritmos da fala mais do que às convenções poéticas; uma fidelidade àquilo que Frost chamava de “cadência”.  Se você já ouviu pessoas conversando por trás de portas fechadas, raciocinava Frost, você já deve ter reparado que é possível entender o sentido geral de uma conversação mesmo quando as palavras propriamente ditas são indistintas. Isto é porque as entonações e as sentenças com que falamos estão carregadas de sentido, formando um “significado sonoro”.  É sobre esse significado, desencadeado pelo ritmo da voz que fala, que a poesia se comunica de maneira mais profunda.  Thomas escreveu certa vez: “Um homem não pode escrever melhor do que ele fala quando alguma coisa o emocionou profundamente”.

Acho que tudo isto deve ser considerado a sério quando falamos que a poesia tem influência oral, da fala, etc.  Muita gente pensa que isto indica apenas que a poesia deve ser sempre coloquial, informal, descontraída, parecida com o modo desconexo e descuidado como falamos.  Não é bem isso, ou melhor, não é somente isso.  A poesia deve se aproximar da fala em todos os registros da fala; em todas as maneiras com que somos capazes inclusive de imprimir à fala (entre outras coisas) gravidade, tensão, emotividade, arrebatamento. 

Como se tivéssemos um telefonema de quinze segundos para comunicar algo muito importante a alguém, mas em compensação pudéssemos preparar e ensaiar o que dizer nesses 15 segundos durante o tempo que fosse necessário.

A fala tem seu encantamento próprio; a mera vibração da voz humana é carregada de sentido, e nos permite entender o que é dito mesmo quando, por trás de portas fechadas, não percebemos as palavras, mas entendemos a urgência indicada por aquela tensão. 

Num país estrangeiro, somos muitas vezes envolvidos em situações em que pessoas estranhas se exprimem num idioma que desconhecemos. E conseguimos perceber muito do que está sendo dito, porque existem naquelas vozes as correntes subterrâneas de emoção que independem de idioma. E não me refiro a recursos como mímica ou expressão facial; basta um telefonema. Basta ouvir rádio numa língua desconhecida.

Basta ouvir um recital de poesia em japonês, como já me aconteceu. Entendemos aquilo? Não. Mas respondemos emocionalmente àqueles sons. O isomorfismo emocional entre voz e ouvido faz com que aquela vibração sonora desperte em nós estados de espírito próximos do que a produziu. A melancolia desperta a melancolia, a raiva desperta a raiva, o medo o medo.

Ouvindo pessoas que falam numa língua desconhecida, não é o sentido dicionarizado de suas palavras que percebemos, é a urgência tonal e rítmica da voz, suas ênfases, suas pausas, a dinâmica que a faz subir e baixar de volume. Tudo isto produz a emoção melódica com que a voz humana nunca deixa de nos atingir.

T. S. Eliot dizia:

A poesia não deve derivar para muito longe da nossa linguagem ordinária, cotidiana, a que usamos e que ouvimos.  Que seja ela acentual ou silábica, rimada ou sem rimas, formal ou livre, ela não pode se dar o luxo de perder o contato com as formas mutáveis do discurso coloquial. (...)  Cada revolução na poesia acaba resultando, e muitas vezes assim se proclama, num retorno à fala comum.

Existe uma espécie de cordão umbilical ligando a poesia discursiva à fala. Isto talvez explique a tensão em duas fronteiras conflagradas que a poesia mantém com outras formas de expressão.

A primeira é a fronteira entre a poesia discursiva e a poesia visual. É um cabo-de-guerra entre o ouvido e o olho. Principalmente depois da invenção da imprensa brotaram movimentos explorando o lado gráfico da poesia, muitas vezes em detrimento de seu lado discursivo.  São os caligramas da poesia barroca ou dos vanguardistas do século 19 como Apollinaire; são os poemas concretos e o poema processo do século 20, todas as experiências em que a forma visível das letras e das palavras e das frases se sobrepõe a sua carga original de significado.  Quando isto acontece, o leitor de poesia formado pela poesia discursiva sente-se pouco à vontade, porque enxerga naquilo uma perda da melodia poética, um afastamento da voz e do ouvido.  São poemas que é praticamente impossível (ou inútil) ler em voz alta para alguém que não os vê. Quando a poesia começa a ser feita para a página e para o olho, afasta-se desse murmúrio de vozes humanas que lhe deu origem.

A outra fronteira belicosa é a que a poesia mantém com a canção, com a letra de música. No caso da canção, o leitor volta a pressentir uma perda da melodia original da fala, só que desta vez pela interferência de uma melodia externa, invasiva, uma melodia autoritária que quer se afirmar como única leitura melódica possível. 

Por mais que a melodia de uma canção se aproxime das melodias espontâneas de nossa fala, ela será sempre uma melodia formalizada e especificamente musical, e dessa forma é como se obrigasse a fala a uma sujeição pouco confortável.  Como se a melodia da fala, tão livre e não-planejada, tivesse que ceder lugar a uma melodia mais deliberada, mais poderosa, uma melodia de natureza estrangeira à fala.

Percebemos isso quando lembramos de verbos tão próximos quando cantar e cantarolar. Cantar pressupõe uma intenção clara, um esforço, uma técnica, mesmo uma técnica amadorística. A pessoa que canta está fazendo um esforço consciente para se aproximar daquela melodia formalizada que a canção traz em si. Já a pessoa que cantarola está mais perto da fala. Cantarolar é repetir a canção de um maneira mais leve, descontraidamente imperfeita, sem compromisso, meio que fugindo a essa melodia pronta que a canção traz consigo. Cantarolar é tentar ir de volta para a melodia da fala, a melodia de quem está dizendo alguma coisa com uma certa musicalidade, mas sem se preocupar em obedecer demais à música extra-fala que vem colada à canção.



(um versão ligeiramente diferente deste artigo foi publicada na revista Língua Portuguesa (ed. Segmento, São Paulo, # 73, novembro de 2011)







terça-feira, 18 de julho de 2017

4253) Como descobri que não sou fã de nada (18.7.2017)




Não foi propriamente assim que aconteceu. Estou apenas traçando uma versão mais aerodinâmica, para simplificar o relato.

Eu estava num evento ligado a Bob Dylan, abertura de uma exposição em São Paulo dedicada ao bardo de Minnesotta. Teve DJ, teve som ao vivo, teve um coquetel. Eu conversava numa roda de conhecidos, e de repente me vi diante de uma moça simpática, jovem, que falava de um jeito que eu achei bem interessante. O diálogo era a respeito de alguma outra coisa, mas a certa altura ela perguntou:

– E você, é fã de Dylan?

– Claro – eu respondi.

– Diga sua música preferida. Não!... Ninguém tem uma só, todo mundo tem muitas. – Eu já achei inteligente essa ressalva, e me animei todo. – Diga uma que você gosta.

Puxei de uma cartola qualquer um coelho aleatório.

– “Desolation Row”.

Os olhos dela se iluminaram.

– Que maravilha! Eu também. Deixe ver... você gosta mais das versões antigas tipo Royal Albert Hall e Dublin, ou das mais recentes, tipo Locarno, Oslo...?

Comigo não tem tempo ruim, de modo que eu dei um gole da bebida e respondi, na cara de pau:

– Eu acho que eu gosto da versão original, do disco.

Ela me olhou com um misto de dó, magnanimidade e irrisão. E disse:

– Ah. Então você não é um fã. Você é um ouvinte casual.

O país das artes é vizinho do país das religiões, e o trânsito através de suas fronteiras, em ambas as direções, é intenso. Às vezes a gente pensa que está num deles, e quando vê, todo mundo em volta está falando o idioma do outro.

O fã não é alguém que se limita a gostar, é alguém que desenvolve um culto voraz. Camões dizia, erradamente ao meu ver, que “transforma-se o amador na coisa amada”. Eu acho que o amador, e o fã nada mais é que isto, transforma o mundo na coisa amada. Pra onde ele se vira, só enxerga aquilo.

O fã transforma a coisa amada num labirinto fractal onde cada detalhe se subdivide e se supermultiplica em um milhão de outros. Não basta ser fã de (vá lá) Camões. É preciso rastrear todas as versões que o soneto de Jacó e Labão já teve, é preciso saber na ponta da língua todos os endereços onde o poeta pendurou seu casaco, é preciso colecionar memorabilia, é preciso ter uma coleção de perguntas de algibeira para dinamitar as pretensões dos incautos.

Lembro do saudoso crítico de cinema André Setaro, de Salvador, meu parceiro etílico e meu contemporâneo, que assinava críticas na Tribuna da Bahia quando eu fazia o mesmo, com mais rapidez e menos perspicácia, no Correio da Bahia.

Um dia entro eu num daqueles velhos cinemas nos arredores do Pelourinho para assistir, se não me engano, Trama Macabra, o derradeiro filme de Hitchcock, quando esbarro com Setaro. Cruzei a cortina e encontrei-o de pé, junto àquele tradicional balcão de metro e meio de altura que protegia a fila mais afastada da tela. Conversamos ali enquanto iam sendo exibidos o Canal 100 e os trailers. Quando surgiu a ponteira indicativa do filme, falei:

– É o filme agora. Bora sentar?

Ele me olhou com cara de fã ofendido e disse apenas:

– Filme de Hitchcock assiste-se de pé, em sinal de respeito.

E fê-lo. Talvez só o tenha feito porque sentei poucas filas à frente e o fiquei vigiando com o rabo do olho, e ele então não teve outro jeito senão manter a pose; mas fê-lo, ora que diabo.

O fã se confunde muitas vezes com o colecionador, porque uma coisa conduz à outra com a mesma fluidez com que ser noivo conduz a ser marido. O colecionador é um cara que casou com uma missão, e muitas vezes essa missão nem é um ser específico, com cara na foto e nome no cartório; é um mero conceito abstrato.

Meu pai tinha um amigo que colecionava qualquer exemplar de qualquer periódico, desde que fosse o “ano 1, número 1”. De tudo que saía em Campina, Seu Nilo comprava um exemplar e remetia para esse cidadão, cujo nome minha incúria não guardou para a posteridade. E se considerarmos o índice de mortalidade infantil das publicações brasileiras, as literárias em especial, penso nas raridades valiosíssimas que ele terá amealhado no correr das décadas.

Porque existe um mercado subterrâneo para alimentar o fã-colecionador. Algum tempo atrás eu estava bebendo no Amarelinho da Cinelândia, numa mesa grande onde havia um ou dois amigos e outros caras que conheci na hora. Passou uma garota lindinha, meio hippie, distribuindo filipetas de shows de rock que ia haver no Teatro Odisséia e no Circo Voador. Um cara ao meu lado chamou a garota e pediu uma filipeta de cada e pôs na mesa, junto do pacotinho de amendoim. Estranhei um pouco porque o cara tinha jeitão de quem gosta de ver shows de Dona Ivone Lara, não do Macaco Bong.

– Você vai ver esses shows? – perguntei.

Ele deu um gole do chope, leu com atenção todas as filipetas, e guardou no bolso da jaqueta, enquanto respondia:

– Eu não vejo os shows, eu coleciono isso.

– Você é fã de rock?

– Eu mesmo não – disse. – Mas conheço fã de rock. No ano passado eu vendi uma filipeta dessa, do primeiro show dos Paralamas do Sucesso, por cinco mil reais.

Como disse um economista amador, demanda gera oferta e oferta gera demanda. Um rabisco a carvão feito por Van Gogh, cujo valor estético roça o zero, é vendido por milhões de dólares para um fã que vai... expô-lo no Metropolitan? Não, trancá-lo num cofre, junto com a certeza de possuí-lo.

Diante disso, nós, “ouvintes casuais” (não, não esqueci, moça, continua encravado, e doendo) temos apenas que nos recolher à carapaça da nossa ignorância e prosseguir rastejando no chão desse oceano de possibilidades. Por mais que a gente pense que ama Luís Buñuel ou The Incredible String Band ou Ellery Queen sempre vai aparecer à nossa frente um indivíduo blasé perguntando se a gente sabe a marca de talharim que o ídolo preferia.

Um rapaz estava numa festa na mansão da família de um amigo de faculdade. Lá pelas tantas, começou a conversar com a avó do amigo, uma senhora setentona, simpática, boa de papo. Depois de alguns minutos, a senhora suspirou e disse:

– Mas o que é isso, o senhor tão jovem, a festa cheia de gente jovem, e eu aqui lhe incomodando... Vá circular, se divertir.

– Qual nada – acudiu ele de imediato. – Estou gostando muito de conversar com a senhora.

– Ninguém da família conversa comigo – confidenciou ela. – Eles dizem que eu sou doida.

– Não é possível. A senhora, tão lúcida, tão inteligente. Por que eles dizem isso?

– Porque eu gosto muito de pão-de-ló.

O moço se surpreendeu:

– Pão-de-ló? Mas isso não tem nada de mais. Eu também adoro pão-de-ló.

Os olhos da madame chamejaram e ela cravou no braço dele cinco dedos de ferro:

– Então vamos lá em cima no meu quarto. Eu tenho vinte e cinco malas cheias de pão-de-ló.

Ela era uma fã.








sexta-feira, 14 de julho de 2017

4252) "O bigode" de Emmanuel Carrère (14.7.2017)



Há um subgênero literário que não tem nome, mas o nome seria “Histórias De Alteração Brusca Da Realidade Por Causa De Um Ínfimo Detalhe”.

É o caso deste curto romance ou novela de Emmanuel Carrère, O bigode (“Le Moustache”, 1986; Companhia das Letras, 2011, trad. André Telles).

A história começa com o narrador, durante o banho, tendo o impulso de raspar o bigode que usa há anos. Pergunta à esposa o que ela acha, ela responde da sala que pode ficar legal; ele raspa o bigode. Enquanto isto, a esposa dá um pulo lá embaixo para resolver alguma coisa.

O problema é que, na volta, ela não faz nenhum comentário sobre o rosto raspado. O marido fica, com a cara boboca de todo marido, esperando a opinião dela, e nada. É como se nada tivesse mudado na cara dele.

Daí em diante é como se o tecido do espaço-tempo tivesse se rasgado (como dizem os autores de ficção científica) e nunca mais pudesse ser recomposto. Ninguém comenta a cra nova, ninguém se lembra de que ele já teve bigode. Quanto mais ele recorre a comprovações externas de sua antiga bigodice (testemunho de amigos, fotos, etc.) mais encontra provas de que nunca teve bigode.

A alusão à FC não é gratuita; Carrère é autor de um livro sobre Philip K. Dick (que não li ainda), e o universo de PKD é um desses em que basta um detalhezinho não “bater” para que o personagem se veja num mundo paralelo. O mundo está sempre por um triz.

Há num livro dele o exemplo famoso de um cara cujo universo desmorona porque ele entra no banheiro de sua casa, às escuras, procura o fio pendurado com a “pera” do interruptor de luz, não acha, e descobre depois que no seu banheiro isso nunca existiu – o interruptor é embutido na parede, sempre foi.  E agora?

“Tudo agora mesmo pode estar por um segundo”, disse Gilberto Gil, referindo-se à fragilidade da vida. (Qual de nós tem 100% de certeza de que estará vivo daqui a uma hora?)  No presente caso, não se trata de um instantezinho do tempo, mas de um objetozinho no espaço. O mundo é normal, rotineiro, seguro. Aí um dia você pensa: "Vou tirar aquele quadro da parede”. Tira, e o mundo começa a desmoronar, e nem botando o quadro de volta a gente é capaz de consertar o estrago.

Pode-se pensar no protagonista de História do Cerco de Lisboa (1989) de José Saramago: ao revisar as provas de um livro de História ele inclui a palavra “não” numa frase, fazendo com que os Cruzados NÃO tivessem vindo em socorro do rei português contra os mouros. Com o livro afirmando isto, a História muda. (Não li o romance – estou me baseando numa sinopse.)

Faz lembrar também, num nível mais metalinguístico, O Sumiço (“La Disparition”) de Georges Perec – um mundo onde desaparece um personagem que simboliza a letra E, e todo o resto desse mundo tem que se reorganizar, tapando os buracos deixados pela ausência dessa letra.

A angústia do personagem de O bigode é, em primeiro lugar, por achar que a mulher ficou doida e que conseguiu criar uma gigantesca conspiração paranóica para convencê-lo de que ele nunca teve bigode. Em segundo lugar, ele começa a perceber que talvez seja ele quem está ficando doido – e sua vida desmorona, sim, catastroficamente, transformando-o num pária em terra estrangeira.

É uma história que parte do cotidiano mais besta para o absurdo mais inquietante, como certas narrativas de David Lynch em que os personagens tomam atitudes irreparáveis e desnecessárias. Fazem isso movidos por algo que não sabemos, porque vemos apenas a fixidez dos seus olhos e a autodestruição desnecessária que executam como resignados robôs.

De Carrère eu só tinha lido O Adversário, a história de um cara que dá um golpe financeiro “na moita” durante anos e acaba assassinando a família inteira quando percebe que vai ser desmascarado. Tem em comum com O bigode essa aparente placidez de uma existenciazinha pequeno-burguesa e francófona, toda nos conformes, que um belo dia desmorona sem que ninguém (a família num caso, o protagonista no outro) esperasse por aquilo.


É num certo sentido uma história fantástica, porque mesmo admitindo que o personagem seja (ou tenha ficado) louco certas “quebras” da realidade parecem indicar mesmo uma ruptura philipkdickiana com o Real. A diferença é mais uma questão de estilo. Tanto o protagonista de O Bigode quanto os de Dick se interrogam constantamente, sem parar, sobre a natureza da realidade, reavaliam e reinterpretam o tempo todo o que lhes acontece. Mas em Carrère isso se dá num contexto organizadíssimo, cartesiano, sem as fraturas de pensamento e de estrutura que Dick exibe em livros como Valis. O livro de Carrère, alucinatório e apolíneo, parece um bilhete de suicida escrito numa caligrafia impecável.





segunda-feira, 10 de julho de 2017

4251) Os melhores filmes brasileiros (10.7.2017)




A Abraccine (Associação Brasileira dos Críticos de Cinema) fez uma votação em 2016 para apontar os 100 melhores filmes brasileiros. O melhor passatempo diante de uma lista como esta é descobrir tudo que merecia aparecer nela e não apareceu. Não para questionar a competência dos (no presente caso) “cerca de cem membros” da entidade, cujas listas individuais de 25 títulos citaram 329 filmes no total. Mas para mostrar que filme bom nunca para de ter, é só continuar mexendo.

A lista está aqui:

Não vejo muitas surpresas, a não ser a presença de “Limite” (1931) de Mário Peixoto no primeiro lugar, atestando que o mito em torno desse belo filme continua crescendo, estimulado por vários livros e monografias que se escreveram sobre ele, e certamente pela cópia restaurada e enriquecida que a Cinemateca Brasileira lançou em 2011, e que não vi ainda. (Conheço uma cópia antiga, que vi em sessão de cineclube há séculos.)

Do segundo lugar para baixo, tudo é mais ou menos previsível e quase inevitável. Numa contagem rápida, entre os 100 filmes registrei 65 que vi, embora boa parte deles tenha sido há tanto tempo (e uma vez só) que revê-los hoje seria uma experiência nova. O que considero uma boa coisa. Como dizia Faulkner, o passado ainda nem acabou de passar.

A lista é boa, mas se eu tivesse tido que escolher meus 25 eu teria provavelmente posto alguns-20 dos que tem aí, e os 5 que vão aqui abaixo, e que não emplacaram a seleção final. Sem ordem de preferência:


1) O Profeta da Fome (1970) de Maurice Capovilla. José Mojica Marins no papel do faquir de um circo mambembe e brutal. Uma mistura de Kafka, cordel e cinema underground. Fotografia estourada em preto-e-branco, uma história meio caótica, como era habitual no cinema-lixo paulistano da época. Se não me engano a primeira fala do filme ocorre lá pelos oito ou dez minutos de ação. (Não bate o recorde de “2001” de Kubrick, mas é impressionante, até porque neste aqui acontecem coisas mais interessantes do que macacos pulando.)  Vi-o no Festival de Brasília de 1970, quando ganhou vários prêmios. É um delírio punk anterior ao punk.



2) Triste Trópico (1974) de Artur Omar. Este filme genial é tão obscuro que na página do autor na Wikipédia informa-se apenas o ano em que foi feito. É um pseudo-documentário feito na moviola, sobre um médico brasileiro que, depois de viver alguns anos na Europa, volta para o Brasil, interna-se numa região rural remota chamada a Zona do Escorpião, e ali começa a liderar um movimento messiânico. As fronteiras entre documentário e ficção são rompidas o tempo inteiro, e o filme na verdade consiste em várias faixas paralelas de imagem e de áudio, que parecem estimular áreas contraditórias do cérebro e gerar um produto que não está contido em nenhuma delas originalmente. Tipo isso.



3) Hitler III Mundo (1968) de José Agrippino de Paula. Falei acima em “punk anterior ao punk”, mas isso talvez se aplique mais ainda a esta grotesqueria concebida e ajambrada pelo escritor de Lugar Público e Panamérica. Uma sucessão de quadros meio surrealistas, filmados no meio da rua para tumulto e diversão dos transeuntes. A sequência de Jô Soares vestido de kabuki atravessando uma favela enlameada e seguido pela malta é apenas uma de muitas imagens absurdas e inesquecíveis. Personagens da mitologia e dos quadrinhos, frequentes na obra do escritor, aparecem aqui como se fossem eles próprios e sem saber que estão num filme. Já escrevi sobre “H3M” aqui:



4) Menino de engenho (1965) de Walter Lima Jr. A lista da Abraccine incluiu dois filmes de Walter (Lira do Delírio e Inocência), ambos merecedores, mas meu ímpeto bairrista e meu rosebudismo afetivo me obrigam a extrair da memória este belo camafeu em preto-e-branco do imaginário paraibano. A adaptação de José Lins do Rego foi o primeiro filme do diretor, com música de Pedro Santos, fotografia de Reynaldo Paes de Barros. Tenho um piratão aqui, meio precário, mas as belas imagens sobrevivem. É ainda um dos melhores retratos da Paraíba no cinema.



5) Nós que aqui estamos por vós esperamos (1999) de Marcelo Masagão. Todo filme-de-montador é uma iguaria para poucos, mas eu sou um desses poucos e não abro nem prum trem. É uma colagem de imagens e música, sem narração, com breves intertítulos de vez em quando, contando a história do século 20 e por tabela refletindo sobre a Vida, o Universo e Everything. Como toda obra baseada mais na justaposição do que no sequenciamento causal, está aberta a releituras e a novas ressonâncias sempre que for revista.

Se eu ficar mais tempo cavucando no HD vou me lembrar de outros, mas é melhor deixar de reserva para voltar a escrever outro dia.

Por enquanto, estes cinco são ótimos exemplos. Cada um deles me marcou no momento em que o vi pela primeira vez e senti um orgulhozinho meio besta, por tabela, ao ver um brasileiro (uma equipe de brasileiros) fazendo algo que me estimulava a imaginação tanto quanto o que eu via no cinema de fora.

Todos são pouco convencionais; somente Menino de Engenho pode ser considerado cinemão, mas eu gosto de cinemão também. O cinemão é pacificador, nos restitui a um mundo (fantasioso, claro) em que as coisas fazem sentido. Todo filme que segue as regras do cinemão tem algo de líquido amniótico, de volta ao lar.

Os outros quatro são metacinema. Não são pacificadores, são estimulantes, e em alguns casos, alucinógenos. Eles nos dão um encontrão e nos fazem cair aos trambolhões na ribanceira de um caos onde, durante essa queda que dura décadas, temos que fazer sentido da paisagem que rodopia ao nosso redor. Cinema é pra isso também.








quinta-feira, 6 de julho de 2017

4250) João Saldanha, 100 anos (6.7.2017)



Neste mês de julho comemora-se o centenário de nascimento de João Saldanha, jornalista, técnico do Botafogo no tempo em que o Botafogo era um dos melhores times do mundo, técnico da Seleção Brasileira. 

Um personagem fascinante, que comecei a admirar ainda garoto, lendo suas crônicas na imprensa, e depois lendo o excelente Os Subterrâneos do Futebol, relato de sua vivência botafoguense, cheio de episódios pitorescos, mostrando como é o futebol fora de campo.

Saldanha foi um dos caras mais politicamente incorretos do seu tempo, não porque fosse pior do que os outros, mas porque era o único que dizia o que pensava, sem se importar com o que alguém achasse. 

O meio do futebol profissional é todo cheio de dedos, cheio de pose, de discurso patriarcal moralista, quando diante do microfone. Som desligado, ninguém distingue um jornalista de um cartola. João Saldanha rasgava, falava tudo, e por isso ficou com fama de pior do que os outros, quando era apenas mais verdadeiro.

Em alguma prateleira empoeirada, no sambaqui de papel em cujo centro habito, devo ter ainda uma esfarelada pasta de plástico com dezenas de recortes de suas crônicas publicadas no Jornal do Brasil, que eu lia com o vagar e a aplicação de quem está estudando para um mestrado.

Acho que ele e Paulo Francis foram os únicos cronistas de quem guardei recortes. Não por achar aquilo um documento histórico, mas para reler de vez em quando e não me esquecer de como se escreve. Se não fosse pela leitura imunizadora dos dois, eu já poderia estar em alguma Academia.

Vi-o em carne e osso apenas uma vez, numa palestra dele na Facha (Faculdade Hélio Alonso), no Rio. Alertado por algum amigo, fui lá na faculdade (era perto de casa) num começo de noite e vi João perorando para 50 ou 60 universitários durante mais de duas horas.

Era um falador incansável, inesgotável e brilhante, da estirpe de Darcy Ribeiro e Ariano Suassuna. Não tinha nhém-nhém-nhém, ia direto ao ponto, mandava uma idéia forte, concreta e inquietante, e em vez de ficar tagarelando em volta dela produzia logo outra; e outra; e mais outra.

Inquieto, desassossegado, teimoso, dos que não abrem nem prum trem. Articulado, hábil com a linguagem, criativo, sem paciência para com a retórica vazia e a pomposidade de tantos técnicos de futebol, de tantos cronistas. Sorria pouco, mas transmitia uma impressionante energia de viver. (“Alegria de viver” me parece um termo besteirolzinho demais, perto da impressão que ele causava.)

No ambiente futebolístico carioca, João mantém uma curiosa relação folclórica com Neném Prancha, figura ligada ao Botafogo e a quem se atribui uma quantidade enorme de frases notáveis. Algumas delas, diz-se, eram na verdade de Saldanha. 

Neném Prancha (tinha esse nome por causa dos pés enormes) foi o cara que dizia: “Se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano só terminava empatado”, “Pênalte é tão importante que devia ser batido pelo presidente do clube” e outras preciosidades.

Sendo Neném um personagem típico como Seu Lunga ou Zé Limeira, acabaram lhe atribuindo coisas que ele provavelmente nunca disse. Não importa: vale o que foi falado. Quem fica é a frase, a gente pede a conta e vai embora.

Tenho visto algumas notas na imprensa a respeito do centenário de Saldanha, e parece que estão saindo algumas coletâneas de suas crônicas. Uma dessas coletâneas é As 100 melhores crônicas – comentadas – de João Saldanha, de Alexandre Mesquita, César Oliveira e Marcelo Guimarães (LivrosDeFutebol, 2017).

Preciso reler, porque nas épocas mais recentes tenho recorrido, naqueles momentos em que a cabeça está a zero e o texto avança com a velocidade da hera na treliça, de um cacoete em que beletristas pátrios são useiros e vezeiros, esses floreios caligráficos de uma prosa ornamental que consiste em esticar na máxima medida possível uma idéia bem curtinha e bordá-la toda de lantejoulas verbais e miçangas metafóricas com o intuito de disfarçar seu vazio mais vazio do que um estômago vazio.

Vamos lembrar de João. Vida que segue.





segunda-feira, 3 de julho de 2017

4249) Sagarana: "São Marcos" (3.7.2017)



(ilustração de Poty para Sagarana

Que eu me lembre, foi o primeiro conto de Sagarana (1946) que li até o fim, quando eu ainda era um leitor bem “verde”, menino, começando a tatear através de textos mais complexos.

Virou um dos meus preferidos. De certa forma, um dos textos emblemáticos de Guimarães Rosa, onde fui começando a aceitar – eu teria dez, doze anos – uma porção de coisas como parte integral da experiência literária. Conto fundador.

O narrador é meio sem nome, embora diga a certa altura, com a sem-cerimônia tão típica de J. G. Rosa em sua primeira fase: “nesta estória, eu também me chamarei José”. Ele está (tal como o narrador de “Minha Gente”), passando tempos num interior, aqui chamado Calango Frito. Tem interesse por crendices, superstições, feitiçarias.

Tem interesse ainda maior pela natureza, e costuma fazer longos passeios no mato, com espingarda e binóculo. Nesses passeios, conversa e troca histórias com um e com outro. Em termos de narrativas sobrenaturais, é um típico personagem disponível para o bizarro (sem querer com isso falar em influência), como os das histórias de Arthur Machen, Lovecraft, Colin Wilson.

Certo dia, o narrador insulta de passagem (costume vezeiro dele) um negro velho que vive num sítio próximo. Quando está no mato, de repente fica cego, sem aviso, sem dor, sem nada. Cego total. Vem aos trambolhões pelo mato afora até perceber que está de volta ao sítio do negro velho. Invade a casinhola, atraca-se com ele, e de repente recupera a vista, ainda a tempo de ver escapar da mão do velho o bonequinho que até então ele mantivera com uma venda tapando-lhe os olhos. Os dois se desculpam, fazem armistício, e o conto termina.

“São Marcos” é um pequeno compêndio de bruxarias e superstições, justificando o depoimento de Rosa, de ter sido “a peça mais trabalhada do livro”, “demorada para escrever, pois exigia grandes esforços de memória, para a reconstituição de paisagens já muito afundadas”. O título proposto de início (muito bom por sinal) era “Envultamento”. Foi também o penúltimo conto a ser escrito, precedendo “Augusto Matraga”.

Envultamento é uma apropriação do francês “envoûtement”, que é justamente a tática de bruxaria que chamamos comumente de “boneco de vudu” – a criação de uma efígie (vultus) à semelhança de uma pessoa, sobre a qual o bruxo pratica alguma ação para produzir efeitos sobre a pessoa distante.

Este conto tem a estrutura “aos pedaços” de muitas das noveletas de Guimarães Rosa. São histórias onde não vemos o fluxo contínuo de uma mesma ação, e sim uma junção de episódios sucessivos que ocorrem em diferentes tempos e espaços, quase como se o conto em si fosse pretexto para uma pequena antologia de historietas. (O melhor exemplo disso são as historinhas contadas pelos vaqueiros durante a viagem, em “O Burrinho Pedrês”.)

Aqui, em “São Marcos”, Rosa pendura esses episódios num recurso a que lança mão com frequência, o “companheiro de viagem”, que cruza com o narrador e lhe conta fatos sucedidos aqui e acolá. Isso é uma imagem recorrente em Rosa, talvez mais por uma confortável (para mim, pelo menos) memória cultural do que por outro recurso. Quem gosta de histórias gosta de emparelhar cavalos ou de dividir bancos de trem com um personagem que tem uma boa história para contar.

O companheiro de “José” chama-se Aurísio Manquitola, “um mameluco brancarano, cambota, anoso, asmático como um fole velho, e com supersenso de cor e casta”. Aurísio repassa para o Narrador uma porção de episódios sobrenaturais, “cáusos” de assombração.

Uma das histórias, aliás, fala de dois homens, Gestal da Gaita e Silivério, que foram postos para dormir na sala de uma casa. Durante a noite, Silivério “viu o cabra vir pra ele, de faca rompente, rosnando conversa em língua estranja”. Uma possessão maligna ocorrida durante o sono em casa alheia, num episódio que lembra a sequência inicial do clássico “Pigeons From Hell” de Robert E. Howard (1938).

Tenho falado nos comentários sobre Sagarana (que fez 70 anos no ano passado) que este livro, a partir de uma das suas epígrafes, sugere temas como “a ida e a volta”, “uma ida, uma volta”, “as idas e voltas”, etc. Aqui há uma ida bem nítida, a do Narrador ao mato. Uma ida maculada pelo malfeito que pratica contra o velho Mangolô, o criador de porcos. E tem a volta na escuridão, no desespero, nos joelhos esfolados, até trombar no velho, até (atipicamente para uma narrativa fantástica, se fosse anglo-saxã) a diplomacia prevalecer e os dois adversários conquistarem algum tipo de trégua, mesmo que seja só um adiamento.

Uma leitura possível do conto seria a análise da “hubris” do Narrador, que na ida humilha o preto velho e na volta, subjugado pelo feitiço, é coagido a vir às cegas pedir-lhe desculpas. Uma alegoria da culpa racial, onde o recurso ao sobrenatural (admitido por ambos) é o fator desequilibrante.

Ainda durante a “ida”, o narrador conta um conto-dentro-do-conto, a história de “Quem Será”. Ele lembra que tempos atrás passava por ali e rabiscava coisas num bambuzal, porque bambus são bons de rabiscar. Dias depois, ele percebe que Alguém, também em rabiscos, respondia às suas frases, sem conhecê-lo. Começa aí entre os dois uma espécie de desafio às cegas, a cada viagem no mato e reencontro com os bambus. É como um muro pichado ou uma porta de banheiro; ou um embate de xadrez por correspondência.

O diálogo com o invisível “Quem Será” gera um momento de revelação verbal na obra de Rosa, o famoso “rol dos reis leoninos”, que o Narrador do conto inscreve nos bambus para intimidar com erudição o oponente invisível, um pouco como Romano do Teixeira citando mitologia grega no desafio de viola contra Inácio da Catingueira:

Sargon
Assarhaddon
Assurbanipal
Teglattphalasar, Salmanassar
Nabonid, Nabopalassar, Nabucodonosor
Belsazar
Sanekherib

Este “poema” abre o famoso trecho do conto, muito citado, onde Rosa afirma que as palavras, como os pássaros, têm “canto e plumagem”, fornecendo uma página inteira de exemplos impagáveis.

Para finalizar, só mais um comentário. Quando começamos a ler, o nosso conjunto inicial de experiências literárias torna-se um zero cartesiano, um parâmetro para medir alturas, profundidades e distâncias. O menino ou a menina vai lendo e pensando: “Ah, em literatura pode-se fazer isso, então!”.

O Narrador de “São Marcos” fica cego de repente, num processo que Guimarães Rosa (o miguilim míope) descreve com seu senso infalível de visualidade:

E, pois, foi aí que a coisa se deu, e foi de repente: como uma pancada preta, vertiginosa, mas batendo de grau em grau – um ponto, um grão, um besouro, um anú, um urubu, um golpe de noite... e escureceu tudo.

Quando resolve sair sozinho do mato, mesmo cego, ele vem aos tropeções, e sua mente aperreada acaba incidindo naqueles deliriozinhos de quem, acossado por um terror imóvel, meio que se distrai dedilhando nonadazinhas:

Vamos. Os primeiros passos são os piores. Mãos esticadas para a frente, em escudo e reconhecimento. Não. Pé por pé, pé por si. Um cipó me dá no rosto, com mão de homem. Pulo para trás, pulso um murro no vácuo. (...)  Um canto arapongado, desconhecido: cai de muito alto, pesado, a prumo. De metal. Canso-me. Vou. Pé por pé, pé por si... Pèporpè, pèporsí... Pepp or pepp, epp or see... Pèpe orpèpe, heppe Orcy...

Essa divertida troca de idiomas se casa com o que o Narrador lembrara, páginas antes, no tal parágrafo sobre canto e plumagem:

E que o menino Francisquinho levou susto e chorou, um dia, com medo da toada “patranha” – que ele repetira, alto, quinze ou doze vezes, por brincadeira boba, e, pois, se desusara por esse uso e voltara a ser selvagem.

No cérebro atarantado pelo cataclismo, as palavras repetidas em desespero se esvaziam de sentido e se recompõem em outros idiomas, em meros sons, selvagens de sentido.

Mais tarde, chegando ao casebre de João Mangolô, o negro velho, o Narrador se atraca com ele, recupera a vista, e os dois se engalfinham numa escaramuça corporal:

– Conta direito o que você fez, demônio! – gritei, aplicando-lhe um trompaço.
– Pelo amor de Deus, Sinhô... Foi brincadeira... Eu costurei o retrato, p’ra explicar ao Sinhô...
– E que mais?! – Outro safanão, e Mangolô foi à parede e voltou de viagem, com movimentos de rotação e translação ao redor do sol, do qual recebe luz e calor.

A mente ainda atordoada regurgita pedaços de frases colhidas nos livros escolares, num processo de associação de idéias, cujo resultado humorístico esvazia um pouco a violência da cena (que nem chega a ser tanta).

Nem vou (ou seja, vou) lembrar a presença fugaz, neste trecho, do tema central do livro (“A Ida e a Volta”). Mas é bom registrar que quando um menino de doze anos lê isso ele recebe o recado de que na literatura mais séria é possível encontrar processos mentais que se comparam aos dele próprio. O ludismo verbal de Rosa é às vezes o do erudito, mas muitas outras é o ludismo dos meninos que pensam o tempo todo, que prestam atenção a palavras e frases o tempo todo, cuja mente absorve e borbulha linguagem o tempo todo.











quinta-feira, 29 de junho de 2017

4248) "O Horlá" de Maupassant (29.6.2017)




Devorei num dia o exemplar da mais recente tradução brasileira (São Paulo, Grua, série “A Arte da Novela”, 2017) de Le Horla (1887), o clássico da literatura fantástica de Guy de Maupassant. Meu colega Sérgio Flaksman, ao que eu saiba, foi o primeiro tradutor a cravar um acento agudo no título: O Horlá, conforme a pronúncia do original francês.

Eu passei a vida toda dizendo “o Órla”, até que um belo dia tomei conhecimento do projeto “Hors-Là” através do artista plástico Raul Córdula, um projeto de intercâmbio artístico entre a Paraíba e a França (isso mesmo; se a gente for esperar pelo Brasil não faz nada). O projeto trouxe muitos artistas franceses à PB, e levou para lá muitos conterrâneos, inclusive amigos meus como Luiz Barroso, Dyógenes Chaves e outros.

“Hors-là” (esclarece Sérgio numa nota final ao esguio volume) quer dizer algo como “lá fora, aí fora”, ou mesmo “aqui fora” como dizemos meio contraditoriamente quando estamos dentro de casa: “Vamos sentar aqui fora, está passando um ventinho bom” – o “aqui” refere-se não à parte interna, mas à casa em si.

Maupassant é um dos grandes contistas de todos os tempos. Suas histórias são lições leves e nítidas de como narrar. Era, imagino, um desses autores que parecem uma torneira, basta abrir e o texto brota, límpido, abundante, já num formato que parece inevitável e obtido sem muito esforço.

Seus contos fantásticos são geralmente associados ao fato de que morreu louco, de sífilis, e que o progresso gradual da doença contaminou sua percepção das coisas. Aconselho o livro A Viagem (Companhia das Letras, 2003) de Noemi Moritz Kon, que faz um percurso de idas e vindas entre psicanálise e literatura usando a obra de Maupassant como um dos canais (além de Stevenson, Poe e Machado de Assis). Não me lembro de nenhuma biografia dele traduzida no Brasil, mas há algum tempo comentei esta aqui, em inglês:


Incluí um conto de Maupassant numa das minhas antologias (“Uma aparição”, em Freud e o Estranho, Casa da Palavra, 2007) e lamento não poder incluir um em cada outra que venha a organizar. “Quem sabe?” é uma dessas narrativas inesquecíveis: a história do homem que, voltando para casa à noite, vê toda a sua mobília fugindo de casa, poltronas, mesas, camas, tudo se arrastando sozinho pelo chão e indo embora, como num desenho animado.

Na sua veia fantástica, Maupassant era o rei do “relato alucinatório”, o conto onde alguém narra uma série de fatos bizarros e incompreensíveis, com ou sem elementos sobrenaturais, mas regido do começo ao fim pela voz do menos confiável dos narradores-não-confiáveis: um narrador louco. O tipo de história popularizado por Hoffmann e Poe, e ao qual ele deu colorações muito pessoais.

“O Horlá” é um desses relatos, em forma do diário de um homem que se crê assediado e vampirizado por um ser invisível. É também uma das aparições gloriosas do Brasil na literatura fantástica européia. O narrador, que vive à margem do rio Sena, conta logo no início:

Como estava linda a manhã!
Por volta das onze, um longo comboio de navios, puxados por um rebocador do tamanho de uma mosca que grunhia de esforço vomitando uma fumaça espessa, desfilou diante de minhas grades.
Depois de duas escunas inglesas cujo pavilhão vermelho ondulava contra o céu, vinha um soberbo navio brasileiro de três mastros, todo branco, admiravelmente limpo e lustroso. Prestei-lhe uma continência, nem sei por quê, tamanho foi o prazer que me deu a visão desse barco. (pag. 14)

Há uma ironia trágica nesse gesto, porque lá pro final o narrador constata que nesse barco veio a criatura invisível que ingere líquido e também suga dele a força vital. Lá pelas tantas, o narrador cita o que leu na Revista do Mundo Científico:

Uma notícia muito curiosa nos chega do Rio de Janeiro. Uma loucura, uma epidemia de loucura, comparável às demências contagiosas que afligiram os povos da Europa na Idade Média, grassa neste momento na província de São Paulo. Os habitantes confusos deixam suas casas, abandonam suas aldeias, renunciam a seus campos, dizendo-se perseguidos, possuídos, governados como um animal de serviço humano por seres invisíveis embora tangíveis, espécies de vampiros que consomem suas vidas enquanto dormem, e que além disso bebem água e leite sem dar a impressão de tocar em qualquer outro alimento. (pag. 44)

O texto de Maupassant é classificado às vezes como ficção científica, porque o próprio narrador postula uma explicação evolucionista para este pesadelo, a substituição de uma espécie dominante (o Homem) por outra:

Pobre do homem! Ele chegou, o... o... como é mesmo que ele se chama... o... tenho a impressão de que ele me grita o seu nome, e não consigo ouvir... o... sim... ele grita o nome...  E eu escuto... não posso... repita... o... Horlá... Eu ouvi... o Horlá... é ele... o Horlá... ele chegou!...  (pag. 46)

O “hors-là” é algo que está “aqui fora”, próximo de nós mas ao mesmo tempo irredutivelmente “outro”, “estranho”, diferente de nós, alheio a nós, alienigenamente diverso da nossa essência.

Por mais que afete loucura, o narrador tenta explicar de forma científica a invisibilidade do Horlá, lembrando que nossos olhos percebem apenas uma gama muito limitada do espectro luminoso. Uma explicação que seria retomada em 1893 por Ambrose Bierce no seu conto clássico “The Damned Thing”, onde ele postula a existência de uma fera que tem a mesma existência física de qualquer outra, mas cujos pelos têm uma cor invisível ao olho humano.

A edição da Grua traz três textos: as duas versões de “O Horlá” que Maupassant publicou em 1886 e 1887 (esta última mais longa, e considerada a “versão oficial”), e a “Carta de um Louco” (1885) onde ele já desenvolvia alguns temas do conto.








segunda-feira, 26 de junho de 2017

4247) Escrever é cavar (26.6.2017)




(ilustração: Ariano Suassuna)

Nem todo mundo é assim, mas para algumas pessoas escrever é cavar.

Existe uma coisa que está sendo procurada, e é preciso um esforço de remoção de entulho até chegar a essa coisa. Digamos que estamos cavando um poço. O que procuramos é a água. O que temos de remover é a terra.

Cada dia é diferente. Tem dias em que a gente mete a pá na terra, e a água já brota. Tem dias em que a gente cava dois metros de fundura e só acha terra seca.

Não depende da gente. A mente imaginativa da gente (estou falando de escritor, de quem trabalha com a mente imaginativa) produz muita terra seca, palavras que parecem dizer alguma coisa mas não dizem nada. Palavras opacas, sem brilho; palavras surdas, sem som; palavras inertes, sem vibração.

A gente vai cavando e esperando a água brotar. A água são aqueles filetes de palavras que trazem movimento, vibração de fluido, reflexos da luz em volta, murmurejamento de coisa viva. Uma frase que se a gente arrancar da página e jogar no chão ela sai andando sozinha.

Você está procurando por isso, aí escolhe um lugar onde cavar. “Vou dizer tal e tal coisa.”  Começa a cavar. Cava um metro, dois metros de fundura. Nada acontece. O que se deve fazer, então?  O que se “deve fazer” eu ainda não sei: sei o que se faz. Eu geralmente paro de cavar ali e vou cavar noutro canto.

A letra do samba empancou por falta de uma rima? Vou trabalhar meia hora naquele artigo sobre Stanley Kubrick. O artigo não está caminhando? Vou preparar as aulas daquela oficina de poesia.  A oficina não rende?  Meia hora de tradução de Chandler talvez salve esta manhã.  A tradução parou num “pig’s valise”? Talvez seja hora de voltar à letra da música. Milagre! Heureca! Achei a rima que faltava.

Eu tenho a superstição (cientificamente infundada) de que cavar um buraco ajuda a aumentar proporcionalmente os outros buracos em que estava cavando.  Acho, contra toda lógica, que trabalhar na escavação A me ajuda também a chegar mais perto da possível água contida em B, C e D.

Saber onde cavar é um dos maiores “talentos ocultos” da humanidade. Uso a palavra talento não no sentido de talento artístico, como é mais frequente no português, mas no sentido parapsicológico, sobrenatural, metapsíquico, com que a palavra “talent” é tão usada em inglês.

Talento é o que têm os rabdomantes para andar pelo sertão empunhando uma forquilhazinha de pau e em dado local parar e dizer: “Aqui tem água”. Ou, como diz o adivinhão-de-água de Ariano Suassuna em As Infâncias de Quaderna, tem “uma cordilheira de água nativa”.

O talento que tinha o Ragle Gumm de Philip K. Dick (Time Out of Joint, 1959) para adivinhar o lugar onde o homenzinho verde ia aparecer no quebra-cabeças do jornal. Ou o talento que tinha a Cayce Pollard de William Gibson (Pattern Recognition, 2003) para olhar de supetão um logotipo e saber se ia ou não funcionar com o público. Ou o talento que possibilita ao Martin Carvajal de Robert Silverberg (The Stochastic Man, 1975) adivinhar o futuro para turbinar candidaturas presidenciais, e mergulhar na crise existencial dos que já sabem tudo, tudo, tudo o que vai acontecer.

O que chamam de talento literário não é propriamente isso mas é irmão disso, a capacidade de escolher, entre as centenas de milhares de palavras do idioma, aquelas palavras que, enfileiradas, vão resultar numa história capaz de fazer o leitor dizer: “uau”. 

Conta-se que o produtor hollywoodiano Irving Thalberg, numa reunião com roteiristas, minimizou o ofício: “Grande bobagem, ser escritor. É só botar uma palavra atrás da outra”. E uma roteirista, Lenore Coffee, respondeu: “Perdão, Mr. Thalberg: é botar uma palavra certa atrás da outra”.

Como diz Glauco Mattoso: todas as palavras da Ilíada e da Odisséia estão no dicionário, só que estão fora de ordem. “Talento” é imaginar uma possível ordem para elas.

Vejam só, metalinguisticamente, o que é a escrita. Eu comecei com uma estética eliminacionista, comparando a literatura à escavação de um poço. Por essa metáfora, a literatura seria algo que já existe (a água, no lençol freático) e o trabalho do escritor seria remover alguma espécie de entulho (a terra) até descobrir uma obra preexistente.

A estética eliminacionista é a que levava Michelangelo a descrever assim suas esculturas: “Eu olho para o bloco de mármore, vejo o Moisés lá dentro, e aí basta remover tudo que não é o Moisés”.  Todos sabemos que o Moisés não está lá dentro, e que a remoção é feita por aproximações, agravadas pelo fato de não se poder errar. (Em escultura, o que é tirado não pode ser botado de novo.) Seria ótimo que o Moisés interior fosse de mármore e o resto do bloco fosse de açúcar cristalizado. Era só descascar! Mas não é assim.

Ora, está na cara que a literatura não é feita assim. O texto não “já existe” e está oculto. Muito mais útil é ver a escrita como essa busca das palavras, mas eu refinaria a definição de Mrs. Coffee dizendo que não se trata apenas de palavras.

A unidade básica da literatura não é a palavra, é a frase. Isto aqui, que aparece entre um ponto e outro. Cada vez que a gente digita “ponto, espaço” a gente volta à estaca zero: é preciso compor a próxima frase. Ela tem que se conectar à que veio antes, e à que virá depois. As frases se encadeiam como dominós. Esse conectar muitas vezes é uma questão de ruptura com o que foi dito antes, mas sempre uma ruptura que produza novo significado. Bigornas chovendo. É assim que as idéias nos tomam de assalto. Cada frase é uma bigorna que cai em nossa cabeça e precisa ser traduzida em palavras.









sexta-feira, 23 de junho de 2017

4246) A Barca e a Carroça (23.6.2017)




(foto: Marcelo Rodolfo)


Por causa do meu trabalho recente com teatro, tenho voltado a encontrar algumas dessas imagens que nunca nos largam. Imagens associadas a um gênero narrativo. Elas são como um pequeno objeto que a gente toma nas mãos, fica mudando de posição, e cada ângulo nos revela uma informação nova.

A imagem do momento é a da Barca, porque a companhia teatral com quem tenho trabalhado é a Barca dos Corações Partidos, do Rio.

Bastaria esse nome para ganhar meu voto, porque isso por um lado me lembrava o “Mote do Navio” de Pedro Osmar (“Lá vem a barca / trazendo o  povo, / pra liberdade / que se conquista”) e por outro evocava o Clube dos Corações Solitários do Sargento Pimenta.

Por falar em Pimenta, o “Mote do Navio” de Pedro, uma música que é a cara do seu grupo em João Pessoa, o Jaguaribe Carne, foi gravado por Lenine no CD que fez em 1983 com Lula Queiroga, o Baque Solto (PolyGram).

“Lá Vem a Barca” era também o nome do show que eu, Fuba e Tadeu Mathias fazíamos à meia-noite no Teatro Lira Paulistana, em São Paulo, em 1980. Uma temporada que me abriu os olhos musicalmente, levando-me a conhecer, na amizade com o pessoal do teatro (alô Gordo, Fernandão, Riba, Chico Pardal, Plínio, Inimá) a música do Rumo, de Itamar Assumpção, do Premê, de Arrigo Barnabé, do Língua de Trapo.

A canção de Pedro Osmar servia como anúncio de uma Nau Catarineta mística que nos traz a liberdade. Uma espécie de Sebastianismo marítimo, ao qual nem mesmo Bob Dylan ficou imune; basta lembrar “When the Ship Comes In” (1963).

Esse arquétipo da Barca significa algo que está vindo e que vai trazer para nós um mundo melhor. Ou, dependendo do poeta, nos levar para um mundo que seja melhor do que esta coisa-sem-jeito em que vivemos. Pode ser a Arca de Noé que nos salva de um cataclismo, e pode ser o navio que depois de longo sofrimento nos resgata na ilha deserta em que nos aguentamos.

A Barca, “enquanto” elemento mítico narrativo, pertence a uma extensa família de espaços fechados que conduzem no seu interior uma memória cultural inteira.

Roland Barthes, em Mitologias (1957), citava como exemplo o “Nautilus” de Julio Verne em Vinte Mil Léguas Submarinas (1870). Um submarino cheio de obras de arte, instrumentos científicos, biblioteca de milhares de livros, tudo isso num tubo de metal e vidro viajando pelo fundo do mar. Um conceito terminal de condomínio fechado. Com o agravante de ser também um vaso de guerra.

Foi nessa altura que me ocorreu que a Barca, transposta para a terra, vira a Carroça. Pode ser o carro-de-bois que geme com seus viajantes em qualquer livro regionalista, e pode ser a carroça de um circo ambulante.

Pode ser a carruagem que cruza com ousadia o território infestado de índios em No Tempo das Diligências de John Ford (1939) e pode ser a trupe ambulante da commedia dell’arte do filme As Aventuras do Capitão Tornado (1990) de Ettore Scola.

Tudo isto faz lembrar também a “Barraca” com que o poeta e dramaturgo Garcia Lorca percorria a Espanha montando autos em praça pública, e que tanto influenciou o jovem Ariano, Hermilo Borba Filho e seus companheiros no Teatro do Estudante de Pernambuco, nos anos 1940, quando ele escreveu Uma Mulher Vestida de Sol (1947).

Remete também à trupe teatral de Monsieur Binet em que André Luís Moreau descobre o teatro e se transforma em Scaramouche, no romance de Rafael Sabatini (1921). Remete ao Circo ambulante que Dom Pedro Dinis Quaderna planeja botar na estrada no final do Romance da Pedra do Reino.

A Barca, que é ao mesmo tempo uma Carroça, expressa para alguns a volúpia da vida nômade, da vida cigana. Bruce Chatwin tinha uma teoria de que o sedentarismo e a civilização tinham estragado a aventura humana, o “sonho de Adão” como disse Gilberto Gil. Nascemos para ser nômades, pastores, viajantes; nascemos para ser leves e aventureiros.

Como disse Deus a Tonheta em Brincante (1992): “Nessa carroça seguirás pelo mundo, depois de nela colocar tudo que tens; e durante o resto da tua vida não poderás possuir nada que nela não possa caber”.

É uma prescrição de desapego. De que adianta sair em aventura pelo mundo levando a banheira de água quente, a poltrona de leitura, dez baús de roupa, todos os automóveis da família? Não, amigo. Terás direito a uma carroça, não mais.

Quando um grupo de artistas (circo, música, etc.) sai de mundo afora numa carroça, mais do que o espaço físico importa a mescla social e psicológica de tantos tipos humanos em interação permanente ao longo da rotina da estrada. E das surpresas da estrada.

Nesse sentido, esses filmes de super-heróis coletivos, como X-Men, lembram os filmes sobre circo. Ali, cada personagem se distingue e se afirma pela façanha que é capaz de realizar, mas, tirando esse aspecto excepcional, são pessoas tão complicadas e tão pouco heróicas quanto qualquer um de nós.

Em todo coletivo humano, existe um fator de nivelamento (coisas que todos sabem fazer, com a mesma competência, ao mesmo tempo, solidariamente) e um fator de individuação (coisas que somente um sabe fazer de forma excepcional). As posições dos jogadores, no futebol, exprimem um pouco disso.

Dizem que a história folclórica da “Branca de Neve e os Sete Anões” referia-se aos anões sempre coletivamente: eles não tinham nome, nem perfil próprio. Foi Walt Disney (ou alguém a quem ele pagava um ótimo salário) quem teve a idéia de personalizar os anões, transformando-os em Mestre, Zangado, Feliz, Soneca, Atchim, Dengoso e Dunga.

Todo agrupamento que viaja numa Barca ou numa Carroça precisa disso. O coletivismo solidário e a individualidade marcante.

Esta é uma das coisas que precisamos não esquecer, nos tempos que virão.