A lua cheia gerou jibóias paranóicas que infestaram os
planetas circundantes. As jibóias geraram triângulos, sendo que cada um deles
era uma catástrofe inteiramente evitável. Os triângulos geraram ametistas
falsificadas para os brincos das embaixatrizes e das cafetinas. As ametistas
geraram alfarrábios caducos e cada dia menos inteligíveis. Os alfarrábios
geraram Trombômega, elefante grego especialista em elefoas, gregas ou não.
Trombômega gerou muralhas ao seu redor, tão numerosas que ele sumiu até hoje.
As muralhas geraram um cíclotron de madeira que acelerava carunchos e cupins. O
cíclotron gerou um Minuto em forma de circunflexo, para o qual não se achou
utilidade. O minuto gerou uma espingarda que atirou no que é vil e matou o que
não é vil. O tiro gerou um trocadilho com gosto de pedido de socorro. O
trocadilho gerou um chofer de lotação com curso de kamikaze em Hong Kong. O
chofer gerou ovos de águia, urubu, borboleta. Os ovos geraram águias, urubus,
mas nenhuma borboleta. As águias e os urubus geraram a hesitação. A hesitação
gerou a brisa no oco das cavernas. A brisa gerou peixes oceanógrafos, centenários.
Os peixes geraram bigodes sem rosto e sem linguagem. Os bigodes geraram um
cogumelo metade fogo, metade fumaça. O cogumelo gerou sapos musculosos sob a
epiderme dos incautos. Os sapos geraram círios fúnebres que sobreviviam aos
seus fabricantes. Os círios geraram camas vazias e sonâmbulos exaustos. As
camas geraram chuva interminável, fizesse ou não fizesse sol. A chuva gerou
estradas sem raízes que viviam se mudando. As estradas geraram sepulturas
abertas, devorando os passantes. As sepulturas geraram relvas espinhosas e
ásperas como nervos secos ao sol. As relvas geraram gotículas de fumaça cor de
ferrugem. A fumaça reverteu às chaminés e gerou as mãos de um homem
trabalhando. As mãos geraram o resto do homem. O homem gerou flores que eram
como olhos. As flores geraram relâmpagos para conversar. Os relâmpagos geraram
imagens gravadas na abóbada celeste. As imagens geraram reflexos maiores nas
abóbadas maiores que as cobriam. Os reflexos geraram Deus. Deus gerou o Diabo
que se revoltou contra ele e gerou o homem. O homem se revoltou contra o diabo
e gerou o Sangue, que não é o sangue invisível de nossas veias. O Sangue gerou
um altar de gelo no meio de um deserto cercado de cidades por todos os lados.
No altar se gerou uma adolescente de rosto sem memória, e o seu sexo, e o
míssil intercontinental que a penetrou. E depois da apocalíptica explosão
surgiu nas bordas da cratera, empoeirado, tonto, e com as calças pelo avesso,
ele, o abominável homem dos trópicos, Trupizupe, o Raio da Silibrina.
quarta-feira, 26 de junho de 2013
terça-feira, 25 de junho de 2013
3221) Marcelo Grassmann (25.6.2013)
Ele talvez tenha sido o primeiro artista fantástico
brasileiro da minha vida. Em revistas, catálogos e suplementos literários as
suas gravuras sombrias e detalhistas chamavam a atenção pelo traço
característico e pela temática surpreendente. A arte brasileira tem dois
troncos principais, o experimentalismo formal e o realismo social. Grassmann
viajava num mundo gótico só dele, um mundo com cavaleiros de alabardas e elmos
ameaçadores, de dragões e ogros, de abantesmas sem nome. Suas gravuras estavam repletas de avejões
noturnos com bicos sequiosos, larvas, florestas impenetráveis, castelos e
torreões. Lembro de ter visto aqui e ali comentários desdenhosos que elogiavam
sua técnica mas o consideravam “pouco brasileiro”. Sua arte, no entanto, era
tectônica: ia nas placas profundas onde repousam tanto o Brasil quanto a finada
Atlântida e o fictício Zothique.
Faleceu no dia 21 de junho passado, aos 87 anos. Foi um
grande desenhista, e a parte mais significativa de sua obra está em gravuras em
pedra e metal. Deixo ao Google a informação sobre seus numerosos prêmios e
distinções. O que nos atrai em sua obra é esse clima expressionista e simbólico,
cheio de Templários, fantasmas, ogivas, mastins. Diz ele:
“Embora formalmente a
Renascença tenha me dado muito mais que a Idade Média, a Idade Média era mais
carregada de coisas interiores, a meu ver, do que a Renascença, que já começava
com uma preocupação formalista, de estilo, maneira, de como encarar as coisas,
mais do que quais as coisas a serem encaradas. Os flamengos adoravam fazer o
inferno, porque no inferno havia a proposta de milhões de fantasias. Bosch, por
exemplo, parte para toda aquela loucura de figuras dentro de armaduras, meio
peixe, meio gente, meio cômico e, no fundo, eu sofri influências
importantíssimas dele. O mundo de Bosch é cheio de diabolismos, de fantasias,
de coisas que não são de todo mundo. Já a China me deu duas coisas: um dragão e
alguns diabinhos. Os etruscos me deram pouca coisa, os egípcios me deram muito
mais, com suas zoomorfias religiosas”.
domingo, 23 de junho de 2013
3220) Não faça esforço (23.6.2013)
Às vezes, digo isto só para ver a reação das outras pessoas.
Estamos num segundo ou terceiro andar, e na hora de ir embora pergunto: “Por
que a gente não desce pela escada?”
Olhares de incompreensão. A reação é sempre tipo: “Mas por que descer
pela escada, se temos o elevador?”.
Saímos de um boteco, no início da noite, rua cheia de gente, e eu digo:
“Vamos em tal lugar”. Fica a cinco quarteirões. As pessoas dizem: “Vamos pegar
um táxi”. Eu digo: “Não, vamos andando.” Elas: “Por que andando, se podemos
pegar um táxi?”.
As pessoas que se recusam a subir e descer escadas de prédio
(escadas claras, espaçosas, seguras, em 99% dos casos) e a andar meia dúzia de
quarteirões são as mesmas pessoas que se preocupam com o colesterol ou o
pulmão, ou que se queixam de que estão dez quilos acima do último ultimato que
deram a si mesmas. Essas pessoas, claro, são as mesmas que acabam gastando uma
bela grana para ir (de carro) a uma academia e passar a tarde andando numa
esteira que não vai para lugar nenhum.
Essa psicose de evitar pequenos esforços físicos é um dos
exemplos (que não me ouçam os psicanalistas!) do espírito de autodestruição do
ser humano. O impulso de Tânatos, o
impulso da morte. Temos com a morte uma relação meio impudente e imprudente.
Como sabemos que é inevitável, não ficamos à espera: metemos os pés e vamos ao
encontro dela, dizendo: “E aí, vai encarar”?
É a única explicação possível para essa insidiosa autodestruição.
O sujeito que inventou o controle remoto de TV provavelmente
causou a morte de uns 150 milhões de pessoas devido a doenças cardiovasculares.
Aquele exerciciozinho de levantar do sofá e ir girar botões na TV vinha até
então prolongando a vida útil de muitas artérias. Dizem os humoristas (com
razão) que a mola propulsora da ciência e da tecnologia é a preguiça humana, a
intuição de que deve haver uma maneira mais fácil de fazer qualquer coisa. Mais
fácil significa geralmente uma maneira que nos poupe de fazer esforço físico.
Não canso de ficar perplexo diante das idiotices que são inventadas em nome
disso. Escova-de-dentes elétrica (para poupar o movimento do braço)... Lâmpada
do teto com controle remoto...
sábado, 22 de junho de 2013
3219) Roubo no Baile de Gala (22.6.2013)
(Ladrão de Casaca)
É uma figura dramática que talvez não se encaixa em todos os
gêneros, mas que traz muita animação a alguns deles. Essa situação (uma das 7,
ou 36, ou 100 situações dramáticas essenciais, dependendo do autor) pode variar
muito de ambientes, mas sua estrutura principal é assim: num local fechado
(hotel, palácio, prédio público) está havendo uma cerimônia ou festa especialíssima,
com muitos convidados, e alguém vai se valer disso para tentar um golpe ousado
e profundo contra os organizadores. Basta pensar nos salões chiques da Riviera
Francesa onde Cary Grant, em Ladrão de Casaca de Hitchcock, revivia o mito
daqueles ladrões de jóias por quem se apaixonavam todas as socialites, um
pessoal tipo Raffles, Arsène Lupin, Simon Templar (“O Santo”), Irving Le Roy,
etc.
Não tem que ser um roubo; e tanto podemos estar torcendo
pelos donos do baile quanto pelos assaltantes. Este último caso me lembra “A
Dança dos Vampiros” de Polanski, aquele minueto-quadrilha num salão todo
espelhado em que só os intrusos disfarçados de vampiro se veem (no pior momento
possível) como as únicas imagens refletidas.
Não precisa ser um baile. Pode ser uma coroação, ou um
casamento real. Quando todas as atenções do mundo estão voltadas para um
acontecimento central, nítido, ensaiado, agendado, pré-pesquisado por todos... Que
melhor momento para se infiltrar e aplicar um golpe no coração do adversário?
Novelas, folhetins, filmes B, todos gostam dessas situações em que pessoas
ricas e poderosas precisam manter as aparências de normalidade enquanto uma
invasão plebéia está se processando. Uma situação que só o surrealismo poderia
condensar numa única imagem: aquela de L’Âge d’Or de Buñuel, quando no meio
do baile surge uma carroça cheia de operários bêbados que atravessa o salão
inteiro sem ser percebida.
quinta-feira, 20 de junho de 2013
3218) A rua pegando fogo (21.6.2013)
(foto: Rodrigo Motta)
Movimentos
políticos de rua têm de tudo. Jovens preocupados com o futuro do país em que
viverão um dia suas velhices (pensem nisto agora, amigos). Velhos relembrando
os bons tempos da “revolução no ar”. Baderneiros e vândalos. Hippies, hipsters,
ripongas, ripadores de animê. Tímidos que jamais soltariam um berro daqueles na
Av. Rio Branco se estivessem sozinhos. Agentes de extrema-direita e de
extrema-esquerda infiltrados. Gente descontente com os partidos. Militantes ingênuos
para quem o único partido sem políticos corruptos é o seu.
Muitos
que estão ali são meros curiosos, satisfeitos em participar de um momento fora
do comum, porque terão uma história para contar no dia seguinte: “Olha, ninguém
me disse: eu estava lá...”. Entre aquelas dezenas que erguem cartazes e faixas, você vai encontrar lado a lado duas
pessoas que, se parassem para acertar os ponteiros, passariam quatro anos
discutindo sem chegar a um denominador comum. Mas erguem os cartazes,
protestam, cantam hino, andam lado a lado, e cada um deles acredita que está
indo na direção certa. Podem até estar.
Manifestação
tem skinhead, aposentado, marqueteiro, universitário jubilado, balconista,
comerciante, batedor de carteira, vendedor de picolé, trotskista, keynesiano,
sadomasoquista, evangélico, flanelinha. Tem modelo-e-atriz, manicure, perua,
piranha, filhinha da mamãe, filhinha do papai, socialite, socióloga, feminista, doméstica, filósofa, poetisa,
cobradora de ônibus. Todos tentam, num
momento assim, encontrar um movimento coletivo que lhes dê a sensação de serem
um só, sem ao mesmo tempo desbastar as arestas de individualidade que os
definem.
(OBS. texto escrito na 4a-feira, 19 de junho, após o pronunciamento conjunto de Alckmin & Haddad)
3217) Escrever pensando (20.6.2013)
Os neurocientistas afirmam (http://bit.ly/10GJfrT) que quando a gente
escreve estimula mais áreas do cérebro (lobo frontal, lobo parietal, sistema de
ativação reticular, etc) do que quando está apenas lendo, ouvindo ou falando. O
ato de escrever a mão ou num teclado mobiliza diferentes áreas motoras e
sensoriais. E isso contamina o que se passa pela nossa mente. Por isso se diz
aos escritores profissionais: não fique pensando, escreva; não fique só
imaginando, escreva; não queira ter a história toda pronta na cabeça antes de
escrever. Porque quando chegar o ato de escrever, você vai estar pensando, em
termos práticos, com um cérebro mais amplo do que o cérebro que pensava antes.
Treino é treino, e jogo é jogo.
Não sei quanto aos cientistas, mas como escritor eu
vejo assim. Digamos que você está escrevendo uma história de um casal que,
viajando à noite numa estrada deserta, tem um problema no motor do carro.
Discutem --- devem esperar socorro? Sair
andando à procura de uma casa próxima? Se eu estou deitado na rede imaginando a
cena, tudo fica num plano vagamente mental de imagens visuais superpostas,
antes, depois, fragmentos de diálogos semi-imaginados, ocupando uma área
relativamente limitada do cérebro. Mas é diferente se enquanto imagino a cena
total eu estou escrevendo.
“—Puxa vida, disse Sandra, você quer que a gente
saia andando nesse escuro? – Meu amor, disse Fernando, melhor do que ficarmos
aqui no carro, numa estrada onde não passa ninguém, porque na última meia hora
a gente não ultrapassou nenhum carro. – Mas é uma estrada, disse Sandra, cedo
ou tarde vai passar alguém. Mas quando ela disse isso Fernando já tinha partido
a passos largos, e ela, mesmo engolindo a raiva, tirou as sandálias altas e o
seguiu”.
Escrever isso ativa (através das mãos e dos olhos)
centros motores que não são ativados pelo mero devaneio, e daí começa um
feedback em que esses centros começam a xeretar o texto e dar palpite. O
diálogo acima foi improvisado agora, em meio minuto; eu pensava em escrever
apenas as falas, e de repente me vi fazendo Fernando meter o pé na estrada e a
mulher segui-lo, com esse detalhe que eu não antevira (mas para mim plausível)
de tirar as sandálias de salto alto.
quarta-feira, 19 de junho de 2013
3216) O Inominável (19.6.2013)
Dá pra pensar em dois escritores mais diferentes do que H. P. Lovecraft e Samuel Beckett? Eu diria até que a zona de intersecção entre o universo de leitores de um e de outro é bastante estreita.
Pode até haver gente que tenha lido alguma coisa de um e alguma coisa do outro, mas gente que conheça bem (e admire) a obra de um e de outro é uma arquibancada meio vazia.
“Estávamos sentados sobre um arruinado túmulo do
século 17, ao fim da tarde de um dia de outono no velho cemitério da cidade de
Arkham, e estávamos especulando sobre o Inominável”.
Assim começa um conto de Lovecraft, “The Unnamable” (1939). Expressões como inominável, indizível, sem fala, etc são frequentes no terror lovecraftiano, que despeja sua descarga numa medula pré-verbal que todos nós temos e que não é comandada pela linguagem, pelo menos a linguagem com que nos defendemos da realidade durante o dia a dia.
Anne Sexton, numa carta de 1963, dizia:
“As palavras me incomodam. Acho que é por isso que sou poeta. Eu fico me forçando a falar das coisas que permanecem mudas dentro da gente. Meus poemas só chegam quando eu já quase perdi a capacidade de articular uma palavra. De falar, de certo modo, do infalável. Produzir um objeto a partir do caos... Para dizer o que? Um último grito no vazio”.
Assim começa um conto de Lovecraft, “The Unnamable” (1939). Expressões como inominável, indizível, sem fala, etc são frequentes no terror lovecraftiano, que despeja sua descarga numa medula pré-verbal que todos nós temos e que não é comandada pela linguagem, pelo menos a linguagem com que nos defendemos da realidade durante o dia a dia.
Anne Sexton, numa carta de 1963, dizia:
“As palavras me incomodam. Acho que é por isso que sou poeta. Eu fico me forçando a falar das coisas que permanecem mudas dentro da gente. Meus poemas só chegam quando eu já quase perdi a capacidade de articular uma palavra. De falar, de certo modo, do infalável. Produzir um objeto a partir do caos... Para dizer o que? Um último grito no vazio”.
Ninguém celebrou o Inominável tão bem quanto Samuel
Beckett, cuja obra parece uma tentativa de recobrir com linguagem
incompreensível a falta de sentido da existência humana.
L’Innomable é um romance de 1953, que de romance só tem mesmo a designação, porque os críticos se divertem sugerindo novos nomes de gêneros literários para incluir obras assim, monólogos aparentemente desconexos em que a mente do narrador dá voltas e mais voltas sobre si mesma, narrando ações que talvez sejam imaginárias ou descrevendo ambientes que talvez não existam. Personagens sem nome, ou que mudam de nome no meio da história, ou que afirmam ser falso seu nome.
L’Innomable é um romance de 1953, que de romance só tem mesmo a designação, porque os críticos se divertem sugerindo novos nomes de gêneros literários para incluir obras assim, monólogos aparentemente desconexos em que a mente do narrador dá voltas e mais voltas sobre si mesma, narrando ações que talvez sejam imaginárias ou descrevendo ambientes que talvez não existam. Personagens sem nome, ou que mudam de nome no meio da história, ou que afirmam ser falso seu nome.
O inominável de Beckett é o horror existencial. Em certo momento percebemos que o mundo não hospeda nada além da cortina de aparências materiais de que é feito. A relação entre as coisas e a linguagem é uma mera convenção, porque todas as coisas, em sua essência, são inomináveis, são uma existência pura, selvagem, monstruosa.
Guimarães Rosa registra, entre os muitos nomes do Diabo, o Não-Sei-Que-Diga. É algo forte demais, pesado demais, capaz de rasgar qualquer invólucro verbal com que se procure contê-lo.
segunda-feira, 17 de junho de 2013
3215) Não são 20 centavos (18.6.2013)
Tudo indica que esta semana também vai ser de gente
protestando nas ruas e a polícia descendo o cassetete. Dizem as autoridades e
uma parte da imprensa que as manifestações têm como objetivo o vandalismo. É
mentira. Vândalos e desordeiros se infiltram em qualquer multidão, até em
torcida de futebol comemorando título. Alguns são manifestantes que querem
sinceramente protestar mas também aproveitam para descarregar a raiva em
vidraças e lixeiras. Outros são os habituais arruaceiros inimigos infiltrados,
agindo contra a manifestação para sujar sua imagem. (É o que em política
partidária se chama a “turma da pesada”, que ganha para ir aos comícios dos
adversários e aprontar confusão.) E existem baderneiros que nem sabem do que se
trata, não estão nem aí para o motivo da passeata, querem apenas a adrenalina
do confronto e da depredação. Nenhum protesto de rua consegue se vacinar
totalmente contra esses três tipos, mas isso não é motivo para proibir os
protestos.
Protestos na rua não agradam a todo mundo. Causam
transtorno, sim. Já fiquei preso no trânsito, já perdi compromisso, já me
prejudiquei. Quem está numa ambulância pode se prejudicar mais ainda. Mas a
verdade é que certas mudanças só acontecem depois que o caldo entorna.
Autoridades são meio surdas, não escutam indivíduos, mas escutam multidões. Se
um governo pudesse apertar um botão e acabar com as passeatas, qualquer um
deles – direita, esquerda, centro – faria isso. Governo não gosta de protesto,
gosta de voto.
O aumento nos preços das passagens coincide com muitos
outros problemas (educação, segurança, moradia, meio ambiente, saúde) e, numa
conjunção perversa, com a Copa das Confederações. E aí fica insultantemente visível
o compromisso dos nossos governos (federal, estaduais, municipais) e todos os
partidos com o capitalismo internacional, representado neste caso pela Fifa. O
povo gosta de futebol, mas não gosta do modo sobranceiro, arrogante e acintoso
com que a Fifa entra na casa alheia ditando ordens, impondo seus esquemas de
exploração comercial, tratando nosso governo e nosso povo como capachos.
domingo, 16 de junho de 2013
3214) Bloomsday (16.6.2013)
(Joyce, por Charles Burns)
O Bloomsday, comemorado em 16 de junho, é o dia das
homenagens, libações e brincadeiras dedicadas à memória de James Joyce
(1882-1941).
Para os que não sabem, é o dia em que ocorre a ação completa do romance mais famoso do escritor, o Ulisses (1922). Ele quis celebrar o dia de seu primeiro encontro com sua futura esposa, Nora Barnacle, e com isto consagrou o 16 de junho como um dos dias mais famosos da literatura.
Para os que não sabem, é o dia em que ocorre a ação completa do romance mais famoso do escritor, o Ulisses (1922). Ele quis celebrar o dia de seu primeiro encontro com sua futura esposa, Nora Barnacle, e com isto consagrou o 16 de junho como um dos dias mais famosos da literatura.
Ulisses já tem três traduções brasileiras, as de Antonio
Houaiss, Bernardina Pinheiro e Caetano Galindo, mas as obras mais acessíveis do
autor são Dublinenses e Retrato do Artista Quando Jovem.
Joyce criou para si (ajudado por discípulos, exegetas e herdeiros) um mito complexo que atraiu pessoas diferentes por motivos diferentes. Ele é o Gênio Incompreendido, o Quase-Cego Que Sabia Tudo De Cor, o Escritor de Textos Indecifráveis, o Poeta Ribaldo do Submundo, o Erudito Sem Disciplina.
Era cheio de facetas inconciliáveis, e seus seguidores às vezes se acusam mutuamente de estarem distorcendo seu pensamento ou de “não terem entendido” sua obra.
Joyce criou para si (ajudado por discípulos, exegetas e herdeiros) um mito complexo que atraiu pessoas diferentes por motivos diferentes. Ele é o Gênio Incompreendido, o Quase-Cego Que Sabia Tudo De Cor, o Escritor de Textos Indecifráveis, o Poeta Ribaldo do Submundo, o Erudito Sem Disciplina.
Era cheio de facetas inconciliáveis, e seus seguidores às vezes se acusam mutuamente de estarem distorcendo seu pensamento ou de “não terem entendido” sua obra.
Quem quiser estudar mais a fundo o Ulisses, tem muitos
caminhos.
O saite “Notes on Ulysses” de Gerry Carlin e Mair Evans (http://bit.ly/ok9mzM) é um índice comentado de todos os episódios do livro, e ajuda o leitor a se orientar na leitura e na busca de referências.
O guia de John P. Anderson (http://bit.ly/192MS0L) oferece 25 páginas grátis e as 613 páginas (em PDF) por 17 dólares; dá pra conferir se vale a pena.
“Ulysses: The Classical Text” (http://bit.ly/wjCd2R) é um saite com facsímiles de documentos sobre as querelas editoriais, jurídicas e autorais do livro, bom para quem quiser se aprofundar nessa história tão espinhosa.
“Ineluctable Modality” (http://bit.ly/12DXV1s) é um saite dedicado a imagens de diversos artistas (britânicos, na maioria) inspirados pela obra de Joyce.
O saite “Notes on Ulysses” de Gerry Carlin e Mair Evans (http://bit.ly/ok9mzM) é um índice comentado de todos os episódios do livro, e ajuda o leitor a se orientar na leitura e na busca de referências.
O guia de John P. Anderson (http://bit.ly/192MS0L) oferece 25 páginas grátis e as 613 páginas (em PDF) por 17 dólares; dá pra conferir se vale a pena.
“Ulysses: The Classical Text” (http://bit.ly/wjCd2R) é um saite com facsímiles de documentos sobre as querelas editoriais, jurídicas e autorais do livro, bom para quem quiser se aprofundar nessa história tão espinhosa.
“Ineluctable Modality” (http://bit.ly/12DXV1s) é um saite dedicado a imagens de diversos artistas (britânicos, na maioria) inspirados pela obra de Joyce.
Se você quer ler Ulisses mas se perde na geografia, o “Mapping Bloomsday” (http://bit.ly/y5Zd3I) dá um auxílio cartográfico bastante útil.
Uma medida do sucesso de Joyce é a existência deste saite (http://nyti.ms/12jSByT), que reúne tudo já publicado sobre ele no New York Times a partir de 1919.
E finalmente o saite The Modern Word (www.themodernword.com), do qual sou colaborador (e de onde retirei estes links), tem a página “The Brazen Head” com uma espantosa quantidade de material de e sobre Joyce, sua vida e sua obra. Sendo assim... Cuidado na vida, e mãos à obra!
sábado, 15 de junho de 2013
3213) Drummond: "Quero me casar" (15.6.2013)
(Drummond, por Glen Batoca)
O tema do amor na poesia de Drummond tem dois tratamentos
principais, o profundo e o brincalhão. Somente com o livro póstumo O Amor Natural o poeta revelou um terceiro caminho que corria por fora, o do tratamento
erótico. Em Drummond coexistiam um filósofo desencantado com o mundo e um guri
sempre disposto a travessuras. Isso se manifesta em seu tratamento de temas
como o amor, o namoro, a paixão, o casamento, o sexo – palavras que não são sinônimas entre si,
como geralmente se imagina.
“Quero me casar” é um dos poemas travessos mais simples do
poeta: “Quero me casar / na noite na rua / no mar ou no céu / quero me casar.
// Procuro uma noiva / loura morena /
preta ou azul / uma noiva verde / uma noiva no ar / como um passarinho. / Depressa, que o amor / não pode esperar!”. Essa dicção
pseudo-naïf se refinou em poemas mais maduros, e igualmente desconcertantes,
como “O Mito” (“Sequer conheço Fulana...”), “Canção para Álbum de Moça” (“Bom
dia: eu dizia à moça / que de longe me sorria”), “Amar-Amaro” (“Por que amou
por que amou / se sabia / proibido passear sentimentos...”), “O amor bate na
aorta” (“Cantiga do amor sem eira / nem beira...”), “Caso pluvioso” (“A chuva
me irritava. Até que um dia / descobri que maria é que chovia”), e outros.
Todos estes poemas se dividem entre paixão e distanciamento,
desespero e gozação, carência e ironia, ajoelhamento devoto diante da amada e
cambalhota esperta pra longe dizendo “eu, hein?”. No final ora predomina um,
ora o outro, outra se travam num empate, ou num impasse. Amor e humor são
misturados como café e leite. E isto lembra o famoso micro poema de Oswald de
Andrade, tão citado como símbolo do Modernismo: “AMOR / humor”. Uma palavra é o
título, a outra é o poema. Oswald parece sugerir que o amor verdadeiro não é
outra coisa senão o humor, neste caso (imagino) a capacidade de rir das coisas
e rir das mesmas coisas, de pensar em uníssono, num “matrimônio de mentes
sinceras” (como dizia Shakespeare). Na mão de Drummond, o amor inclui o humor,
mas não como sua essência, e sim um “poder moderador”. Ele nos salva do amor
mal compreendido e mal utilizado, o amor sombrio demais, destrutivo demais, o
amor diluído em água com açúcar ou o amor de toxinas concentradas em veneno.
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