quarta-feira, 24 de outubro de 2012
3011) Contracapa de post (24.10.2012)
& quando você toma a primeira cerveja do dia antes mesmo de levantar da cama, está na hora de revisar parâmetros & não sei onde a generosidade me surpreende mais, se entre os abastados, se entre os mendigos & comemorar aniversário é fazer um risco a mais na parede da cela & pensavam que iam me prender e eu saí voando com gaiola e tudo & eu gostaria de dar um pulinho rápido no futuro só para saber como vão chamar a época em que eu vivi & sou do tipo que se remexer na cesta de lixo do escritório traz de volta metade das coisas & um submarino repleto de pássaros coloridos & passei a vida me preparando contra catástrofes que nunca aconteceram, ou seja, deu certo & a roda só foi inventada quando havia cem pessoas pensando naquilo o tempo inteiro & um túnel com lojas de shopping nas paredes laterais & a imagem fala à razão, o som fala ao inconsciente & hoje em dia só quem acha um mecenas são os bobos da corte & certas pessoas são como os guindastes, levantam tudo mas se caírem não se levantam sozinhos & o governo oferece pacote completo: anistia, amnésia e eutanásia & o simples fato do sujeito concordar em ir para a guerra já o torna merecedor de uma medalha por bravura & todo escritor devia ter uma luzinha vermelha na testa que piscasse furiosamente sempre que ele está trabalhando & uma pistola de dois canos e uma faca de duas lâminas & o sertão é divino e a cidade é maravilhosa & uma dor serve também para nos garantir que o resto do corpo não está doendo & uma tragédia é um drama do qual a gente não consegue rir tempos depois & a vida é uma guerra sem exército inimigo & o poeta é um mero para-raios, esperando a poesia acontecer & Wall Street está durando mais do que o Muro de Berlim & em História deveríamos dizer sempre “um segmento de fato”, porque fatos não têm começo nem fim & o que mais precisamos na vida é de coisas que não nos deixem ficar pensando no significado da vida & o pavão é tão burro que não sabe que é bonito, pensa que aquilo quer dizer força & se eu pegasse dois dias de cadeia por cada piada politicamente incorreta que já falei, ia ter de reencarnar pra poder pagar tudo & ver futebol sem torcer por nenhum dos dois times é como tomar cerveja sem álcool & o melhor lugar para esconder dinheiro é gastando & tão samurai que lhe basta uma pena de ganso para estripar um exército inteiro & eu bebo a vida naquelas canecas de agarrar com a mão inteira & por aí tem candidato a prefeito que não conseguiria mestrar um jogo de RPG & um olho de vidro com um aquário dentro onde nadam peixes cegos &
terça-feira, 23 de outubro de 2012
3010) A retórica da FC (23.10.2012)
(ilustração: John Schoenherr)
O fantástico e a ficção científica se baseiam numa retórica
em que, como observou Samuel R. Delany, expressões metafóricas são usadas de um
modo literal. Na literatura comum, expressões como “voltar ao passado”, “virar
bicho”, “ser um morto-vivo”, “atravessar paredes”, “ler o pensamento” são
metáforas. No fantástico e na FC, tudo isto acontece ao pé da letra. Ademais,
essa retórica especial combina palavras comuns para formar sentidos
inesperados, e Delany dá o célebre exemplo da frase de Heinlein: “The door
dilated”. A porta se dilatou. O leitor de FC deve ser alguém capaz de imaginar
um mundo em que as portas são aberturas na parede que se dilatam e depois se
fecham de novo.
Uma imagem como “pistola de raios desintegradores” (anos
1920?) é um produto dessa retórica, concebido numa época em que “pistola” era
algo banal, e “raios” eram um aspecto do mundo físico intensamente estudado
pela ciência, resultando em descobertas divulgadas pelos jornais (mais do que
hoje, aliás). A noção de que raios pudessem desintegrar não era absurda,
portanto, e o fato de poderem ser produzidos (por que fonte de energia? com que
tipo de controle?) em algo do tamanho de uma pistola era uma conveniência
narrativa. A literatura mainstream não dispunha dessas licenças retóricas.
Tinha que se restringir ao já existente, ou ao que um dia existira.
domingo, 21 de outubro de 2012
3009) "A Volta do Parafuso" (21.10.2012)
Já correu um Açude Velho de tinta a respeito desse livro, que é um dos
grandes exemplos do que a gente chama “o fantástico todoroviano”. A teoria de
Tzvetan Todorov é de que uma história legitimamente fantástica é aquela que
permite o tempo inteiro duas leituras: uma leitura sobrenatural (os fantasmas
existem de fato) e uma leitura realista (tudo não passa de um delírio provocado
pela sexualidade reprimida da governanta). As duas leituras estão entrelaçadas,
e qualquer pessoa que queira defender uma delas encontrará numerosas pistas ao
longo do texto.
Um aspecto que se discute menos sobre esta pequena grande história é que
James foi um dos primeiros e melhores formuladores da teoria que hoje chamamos
“Não Mostrar o Monstro”. Quando queremos assustar o leitor, é melhor a
abordagem indireta, que sugere mas não afirma, implica mas não descreve, deixa
tudo à imaginação do próprio leitor. Amigo de Robert Louis Stevenson, James talvez
tivesse em mente, ao escrever, o clássico Dr. Jekyll e Mr. Hyde que o amigo
publicara em 1886, e onde a natureza exata das perversidades de Mr. Hyde não
fica bem clara.
sábado, 20 de outubro de 2012
3008) Anonymous (20.10.2012)
O que é o Anonymous,
ou, talvez, quem são os Anonymous? Eles
não têm nome: têm “nicks”, “usernames” ou “logins”; não têm rosto, têm máscaras
de Guy Fawkes. Nos últimos anos, têm sido o pesadelo e a nêmesis de governos,
polícias, corporações. Invadem saites, roubam informações secretas e as
divulgam para o mundo inteiro, bloqueiam ou desfalcam contas bancárias, convocam
manifestações de rua e de praça. As autoridades os chamam de neo-terroristas,
mas eles nunca (ao que eu saiba) tiraram vidas humanas. Atacam a informação e a
propriedade privada. São uma bomba-de-nêutrons ao contrário: fazem ruir as
infra-estruturas e deixam as pessoas intactas. Estiveram presentes na Primavera
Árabe, apoiaram o saite Wikileaks em suas campanhas de vazamento de informações
econômicas e militares, combateram departamentos de polícia e a Igreja da
Cientologia.
Os Anonymous são o
novo Anarquismo – sem bombas, mas sempre infernizando a vida dos arquiduques. Uma
multidão espontânea, não-coordenada, sem líderes; na verdade são um conjunto de
subgrupos de hackers e agitadores, que agem cada qual por conta própria e
mandam a conta ser cobrada à griffe. Num artigo na revista Wired de julho (http://bit.ly/LVLPbf) Quinn Norton analisa esse
aspecto sem-forma do movimento. Em junho de 2011 o FBI prendeu e cooptou
“Sabu”, um ativista de intensa participação; até que isto foi revelado em março
de 2012, “Sabu” entregou uma infinidade de companheiros. Isto quebrou a espinha
do movimento? De jeito nenhum. Nos Anonymous, nenhum indivíduo é
insubstituível. Conan Doyle dizia que nenhuma corrente é mais forte do que o
mais fraco dos seus elos. Os Anonymous parecem ser uma corrente que só pode ser
quebrada se todos os seus elos o fôrem, simultaneamente.
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
3007) A glória secreta (19.10.2012)
(Saul Steinberg)
Fala-se que no Oriente
há uma cordilheira de montanhas de calcário escavadas por dentro, formando uma
colmeia de galerias. Vive ali um povo frugal e contemplativo. Seus poetas
diferem dos de outros lugares pelo fato de que não escrevem: compõem suas obras mentalmente, às vezes em silêncio,
às vezes em voz alta. Exploradores e turistas europeus já foram admitidos às
câmaras internas onde eles vivem sem jamais saírem, alimentados e mantidos pela
comunidade.
Lord Gregson informa,
em Journeys Through the Lands of the Sun, que foi conduzido ao longo de um
corredor por um guia que lhe recomendava silêncio. Os corredores cavados na
pedra são baixos, e um europeu precisa curvar-se para atravessá-los. No fim,
numa câmara circular com uns seis metros de diâmetro, via-se uma esteira
simples, onde um homem estava sentado. Quando Gregson entrou, ele se servia de
água de uma bilha, num caneco de barro. Gregson e o guia se sentaram; o homem
não pareceu dar pela sua presença. Ficou concentrado, as mãos pousadas sobre os
joelhos, e depois de meia hora fechou os olhos e recitou uma longa sequência de
frases que deixaram o guia emocionado. Ele explicou depois a Gregson que o
homem tinha contado o reencontro entre um homem e seu cavalo. Os dois haviam se
perdido numa batalha, muito tempo atrás, e nesse dia o cavalo, reconhecendo o
guerreiro no meio de um curral cheio de gente e animais, galopou até ele e se
ajoelhou aos seus pés.
Criam histórias assim,
para si e para ninguém, ou melhor, para os curiosos (em geral crianças e
velhos) que se dão o trabalho de visitá-los. Não têm o direito de escrever,
porque escrever seria partir o fio de inspiração que liga o poema ao poeta. O
poema (diz aquele povo) pertence ao corpo do poeta, nasce nele, deve morrer com
ele. Fala-se que algumas tribos, mais radicais, cortam a língua dos poetas para
que nem mesmo a palavra falada quebre esse vínculo.
3006) Pobre com carro (18.10.2012)
(Pawla Kuczynskiego)
Freud dizia que o dinheiro não
traz felicidade porque não é um desejo de infância. Talvez seja por isto que a
posse de um automóvel enche de lágrimas felizes os olhos de tantos brasileiros.
Desde os primeiros cambaleios infantis esses pobres diabos são induzidos a
puxar por um cordão uma traquitana qualquer com quatro rodas e a produzir
onomatopéias tipo rom-rom-rom e pi-biiit.
Para milhões desses desventurados, o
carro torna-se o mais multifuncional dos símbolos. Ele é rito de passagem para
o mundo adulto, é diploma de ascensão social, é triunfo tecnológico sobre o
Espaçotempo, é alcova sobre rodas, é escafandro protetor contra os esbarrões da
plebe, é talismã semiótico, é prótese locomotora em quatro dimensões...
O verbo
ser é um conceito abstrato, metafísico, mas ganha carne, osso e metal com este sinônimo
reluzente: “ter um carro”.
Muitos amigos meus dizem que
pagariam qualquer preço por um frasco de perfume com “cheiro de carro novo”, e
só não mango porque eu, por exemplo, gosto de cheiro de livro velho (mas não,
não compraria um frasco de perfume, compraria um livro velho – como se tivesse
poucos).
E assim não é difícil entender
porque nossas cidades não funcionam, nosso transporte público é uma porcaria,
nossos urbanistas fazem as pessoas se adaptarem ao trânsito e não o contrário.
Diz-se mundo afora que “país rico não é aquele onde pobre tem carro, é aquele
onde rico anda em transporte público”.
Duvido que vejamos o Brasil ser assim um dia. O sonho dos governos brasileiros
e da indústria brasileira é termos um dia 200 milhões de carros para 200
milhões de pessoas. E as cidades que se explodam.
A psicose automobilística endivida milhões de famílias
hipnotizadas pela fantasia de ascensão social e inviabiliza as cidades. Cidades
deformadas e desfiguradas pela ideologia individualista do cada-um-por-si, onde
usar transporte público ou é uma tortura (onde ele é entregue às baratas) ou é
humilhante mesmo onde ele tem boa qualidade. Refugiar-se no carro é a
derradeira ilusão da classe média. Ela imagina estar melhorando de vida e está
apenas trocando a pobreza por uma engorda-para-abate, uma espécie de
empobrecimento financiado que a leva a trabalhar e produzir cada vez mais para
ficar com cada vez menos.
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
3005) "Breaking Bad" (17.10.2012)
Esta série de TV está em sua
quinta temporada nos EUA. (No Brasil, passa no Canal AXN.) Já vi as duas
primeiras e estou vendo (a conta-gotas) a terceira. A vantagem de ver as séries
com atraso é não ter que esperar uma semana pelo próximo episódio; meu filho
baixa e a gente faz uma maratona de dois por noite. Breaking Bad é a história
de Walter White, um professor de química, tímido e bundão, que ao saber que
está com câncer e tem somente um ano de vida decide fabricar e vender drogas (secretamente)
para deixar um pé-de-meia para a família. O diferencial de Walter é que ele é
um químico dos mais CDF, e a metanfetamina que ele fabrica é de uma pureza
demolidora. Ele e seu “assistente”, um ex-aluno meio rebelde e meio desnorteado,
açambarcam o mercado daquela região fronteiriça com o México. onde a história
se passa.
A série se vale principalmente
de um excelente roteiro e de atores encaixadíssimos nos papéis. Cada personagem
tem uma história de vida suficientemente variada e complexa para proporcionar
reviravoltas a qualquer momento, e um dos prazeres da série é ver como tudo se
encaixa, e como certos fatos têm uma mecânica de tragédia grega – a gente
“canta a pedra” com muita antecedência e fica roendo as unhas à espera da sucessão
de catástrofes em que se transforma a vida de Walter (o ótimo ator Bryan
Cranston) em sua tentativa de levar uma vida dupla de pai de família
respeitável e chefão do tráfico nas horas vagas. O título, acho, significa algo
como “Chutando o pau da barraca e virando um caba ruim”.
Há uma leve tintura de David
Lynch em certas imagens inesperadas, surrealistas, que depois são justificadas
dentro da narrativa. A cidade onde tudo se passa, Albuquerque (Novo México), é
uma espécie de Campina Grande, com tamanho suficiente para o sujeito ter uma
vida dupla sem ser descoberto, mas não tão grande que ele não esbarre com
conhecidos nas horas mais impróprias. Walter é um Jekyll-e-Hyde, um obsessivo
capaz de destruir vidas humanas para garantir o futuro da esposa, do filho com
leve paralisia cerebral e do bebê que nasce durante essa confusão toda. Os chefões
são personagens fascinantes, cheios de
complexidade e de nuances, servidos por excelentes diálogos e uma narrativa de
cenas curtas, secas, que vão direto no osso. É o mundo da droga fabricada e
vendida por caras que jamais a usariam, porque não são malucos. “Eles são
adultos, fazem isso por livre arbítrio”, diz um fabricante. Esta crítica ao
nosso conceito ingênuo de liberdade é um dos aspectos mais desconfortáveis
dessa história brutal, cômica, cínica, emotiva, cruel. Um dos melhores “filmes”
sobre drogas.
terça-feira, 16 de outubro de 2012
3004) O mundo não acabou (16.10.2012)
Enquanto restar um único jornal capaz de
publicar a manchete “O mundo acabou!”, o mundo não terá acabado. Notícias sobre
o fim do mundo são um passatempo a mais dos jornalistas, porque a toda hora, em
algum país, tem um sujeito meio desnorteado interpretando febrilmente sinais
aleatórios e dizendo que o Fim está próximo. Como aconteceu agora em Teresina,
onde o ex-zelador Luís Pereira dos Santos conseguiu reunir um grupo de 100
pessoas firmemente convencidas de que ele dizia a verdade ao profetizar que o
mundo acabaria no dia 12 de outubro. Luís largou o emprego, se desfez dos seus
pertences, atraiu essa multidãozinha de crentes e mandou que todos se
preparassem. O mundo mais uma vez recusou-se a se acabar e Luís acabou preso.
Segundo ele, Deus resolveu fazê-lo passar por uma provação e impediu que o
mundo acabasse, apenas para castigá-lo.
Está tudo aí: a megalomania (tudo que Deus
faz é por causa dele), a visão do final apocalíptico, a quebra das normas
sociais (as pessoas largaram tudo e foram amontoadas em duas casas, as crianças
abandonaram a escola), a busca inconsciente da simetria (“Jesus enviou anjos
aos quatro cantos”) e a regurgitação do visionarismo bíblico, uma das formas
mais poderosas de aliciamento do inconsciente coletivo (“haverá choro e ranger
de dentes”, “noites de trevas”, “a Besta sairá do abismo”). No dia aprazado, o
mundo continuou indiferente a eles (em geral, essas coisas ocorrem a quem é
tratado com indiferença pelo mundo) e a polícia foi lá desfazer a “arca”, com
medo de que houvesse distribuição coletiva de veneno (como ocorreu com a seita
do pastor Jim Jones, na Jamaica).
domingo, 14 de outubro de 2012
3003) O fantasma que envelheceu (14.10.2012)
Fantasmas não existem num plano ultraterreno, invulneráveis
ao tempo. A prova disso pôde ser
constatada na casa de D. Rigoberta Agra, na av. Floriano Peixoto, perto da
catedral. É uma das primeiras mansões “art-nouveau” da cidade, construída na era
opulenta do algodão.
Ali morreu de uma febre, com três anos, o pequeno Gilbertinho – um golpe que abalou e finalmente dispersou a família. D. Rigoberta foi a primeira a avistá-lo, anos depois, brincando com soldadinhos invisíveis num canto do salão. Correu para abraçá-lo e desmaiou.
Ali morreu de uma febre, com três anos, o pequeno Gilbertinho – um golpe que abalou e finalmente dispersou a família. D. Rigoberta foi a primeira a avistá-lo, anos depois, brincando com soldadinhos invisíveis num canto do salão. Correu para abraçá-lo e desmaiou.
As aparições se sucederam
numa média de duas ou três por ano. A arrumadeira, D. Lígia, o avistou um dia
entretido com um livro de Monteiro Lobato. Aprendera a ler sozinho. Viram-no
depois de calção, chutando recursivamente uma bola de encontro à parede dos
fundos. Nunca conseguiram aproximar-se dele, que desaparecia.
Foram rezados terços e novenas, foi aspergida água benta,
mas D. Rigoberta afirmava que o menino era feliz; deixassem-no viver em paz os
pedacinhos daquela vida que lhe coube.
Gilbertinho continuou crescendo; em breve já era um rapaz, sentado pensativo sobre a balaustrada. Gostava de observar o ir e vir das pessoas rumo à esquina da Maciel Pinheiro, e não perdia o corso durante o carnaval. Jamais transpunha os limites da mansão, onde parecia residir a fonte oculta de força que o mantinha. D. Rigoberta faleceu, e à saída do féretro Gilberto, nessa época já de bigode, foi visto por trás da janela do segundo andar.
Gilbertinho continuou crescendo; em breve já era um rapaz, sentado pensativo sobre a balaustrada. Gostava de observar o ir e vir das pessoas rumo à esquina da Maciel Pinheiro, e não perdia o corso durante o carnaval. Jamais transpunha os limites da mansão, onde parecia residir a fonte oculta de força que o mantinha. D. Rigoberta faleceu, e à saída do féretro Gilberto, nessa época já de bigode, foi visto por trás da janela do segundo andar.
A casa ficou com outro neto, Valfredo, quando este casou com
Silvana. Em algumas cartas ele mencionou que Gilberto agora dava preferência
aos quartos de hóspedes, eternamente vazios, e opinou que a presença humana o
incomodava.
Percebeu também que Gilberto trajava roupas de acordo com o figurino do momento, e teorizou (gostava de ler teosofia, ocultismo) que a aparência física de um fantasma é criada por nós mesmos, com farrapos de memória, quando sentimos sua presença – que é necessariamente imaterial e invisível. “Gilberto está aqui, mas a imagem que percebemos só existe em nós, como as cores do arco-íris”, afirmou ele numa palestra que fez no Encontro Para a Nova Consciência.
Percebeu também que Gilberto trajava roupas de acordo com o figurino do momento, e teorizou (gostava de ler teosofia, ocultismo) que a aparência física de um fantasma é criada por nós mesmos, com farrapos de memória, quando sentimos sua presença – que é necessariamente imaterial e invisível. “Gilberto está aqui, mas a imagem que percebemos só existe em nós, como as cores do arco-íris”, afirmou ele numa palestra que fez no Encontro Para a Nova Consciência.
De acordo com os registros da família, a última pessoa a avistá-lo foi a filha do casal, Thayssa, que o viu várias vezes cochilando sentado na grama do jardim, entre as flores. O mesmo lugar onde perdura hoje, principalmente ao anoitecer, uma luminosidade sem forma, pairando como um fogo-fátuo ou como o reflexo, numa vidraça distante, de um sol que já se pôs.
sábado, 13 de outubro de 2012
3002) Lionel Messi (13.10.2012)
Ele tem sido eleito o melhor jogador do mundo, e mesmo que
não volte a sê-lo este ano isto não faz diferença. Continuará jogando o mesmo futebol
brilhante que joga há anos.
O argentino Messi mostra mais uma vez o quanto o talento é uma coisa única, pessoal, intransferível. Ninguém nunca jogou como ele; e o mesmo pode ser dito de Pelé, Maradona, Platini, Beckenbauer, Di Stefano, Leônidas, Heleno de Freitas. Podemos até comparar o estilo de A com o de B, mas cada um deles tem qualidades e limitações que estão ausentes no outro.
Messi e Maradona são argentinos, canhotos, baixinhos, velozes; tanto armam quanto são artilheiros; driblam com esfuziante facilidade, finalizam com variedade desconcertante. Parecidos – e diferentíssimos.
O argentino Messi mostra mais uma vez o quanto o talento é uma coisa única, pessoal, intransferível. Ninguém nunca jogou como ele; e o mesmo pode ser dito de Pelé, Maradona, Platini, Beckenbauer, Di Stefano, Leônidas, Heleno de Freitas. Podemos até comparar o estilo de A com o de B, mas cada um deles tem qualidades e limitações que estão ausentes no outro.
Messi e Maradona são argentinos, canhotos, baixinhos, velozes; tanto armam quanto são artilheiros; driblam com esfuziante facilidade, finalizam com variedade desconcertante. Parecidos – e diferentíssimos.
O saite ESPN publicou uma longa reportagem de Wright
Thompson (http://es.pn/UHBxKc)
sobre a complicada relação de Messi com sua cidade natal, Rosário.
Diz o jornalista que rodou um dia inteiro na cidade sem encontrar a menor referência a Messi, nem mesmo no "VIP", um bar-restaurante pertencente à família dele. Não há estátuas, nem fotos nas vitrines, nada.
Num bar temático sobre esporte, perto da rua onde ele foi criado, as janelas têm fotos de Muhammad Ali, Maria Sharapova e Rafael Nadal. Thompson inicia então um trabalho detetivesco para rastrear a razão dessa indiferença.
Diz o jornalista que rodou um dia inteiro na cidade sem encontrar a menor referência a Messi, nem mesmo no "VIP", um bar-restaurante pertencente à família dele. Não há estátuas, nem fotos nas vitrines, nada.
Num bar temático sobre esporte, perto da rua onde ele foi criado, as janelas têm fotos de Muhammad Ali, Maria Sharapova e Rafael Nadal. Thompson inicia então um trabalho detetivesco para rastrear a razão dessa indiferença.
Messi despontou num time infantil chamado ”A Máquina de 87”
(o ano em que todos os jogadores nasceram), e que perdeu apenas um jogo durante
quatro anos. Os outros garotos cresceram; Messi não. O Newell’s Old Boys
investiu durante algum tempo num tratamento hormonal, mas depois desistiu, e o
pai de Messi o levou para o Barcelona com 13 anos.
Este breve resumo reproduz a história de milhares de meninos (brasileiros inclusive) no mercado da bola de hoje. Todos são bons; a Europa dificilmente compra um adolescente perna-de-pau. Todos são arrancados da família e do país antes de virarem gente.
Messi não se sente à vontade em Buenos Aires; e quando retorna a Rosário, encontra-se apenas com a família e com os ex-companheiros da “Máquina de 87”. O resto da cidade o ignora. Por que? “Nunca ganhou nada para a Argentina”, resmunga com desprezo um torcedor.
Este breve resumo reproduz a história de milhares de meninos (brasileiros inclusive) no mercado da bola de hoje. Todos são bons; a Europa dificilmente compra um adolescente perna-de-pau. Todos são arrancados da família e do país antes de virarem gente.
Messi não se sente à vontade em Buenos Aires; e quando retorna a Rosário, encontra-se apenas com a família e com os ex-companheiros da “Máquina de 87”. O resto da cidade o ignora. Por que? “Nunca ganhou nada para a Argentina”, resmunga com desprezo um torcedor.
Messi é tímido, caladão, ausente, e sem uma bola nos pés parece um autista. “Estrangeiro aqui como em toda parte”, sua biografia fraturada lhe deu o destino de sentir-se em casa apenas quanto pisa no gramado, e de saber quem é apenas quando a bola chega aos seus pés.
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