Eu estava num hotel onde não tem serviço de quarto, tem
geladeirinhas na recepção, com sanduíches. Pedi um sanduíche, perguntei os
sabores que tinha. A moça olhou e disse: “Peito de peru e queijo”. Pedi esse, ela
tirou, trouxe para o balcão. Aí veio a pergunta: “O senhor quer só o sanduíche,
ou misto?” Eu achei que pela descrição
já estava misto o bastante, mas perguntei por que. E ela disse: “Misto a gente
esquenta na chapa”.
Trata-se de uma visível contaminação da expressão “misto
quente”. O misto, no caso, absorveu para si a temperatura do adjetivo. Para a
moça, misto quer dizer quente. Se não está quente, não é misto.
Esses errinhos endoidecem os gringos que tentam aprender
português. Temos a tendência a abreviar as coisas até elas ficarem meio
ininteligíveis para um não iniciado. Você tem um hóspede estrangeiro em casa aí
diz a ele: “Está fazendo muito calor. Liga o ar.” Ele pergunta perplexo: “Mas não já estamos respirando?” Ele não sabe que no Brasil “ar” é abreviatura
de “ar condicionado”.
É a mesma coisa de “liga o som”, quando queremos ligar o
“aparelho de som”.
Quando abreviamos palavras ainda há uma certa medida de
entendimento. O Facebook é o “feice” e o notebook é o “nôte”.
Isso é só no Brasil? Claro que não. O inglês é faz isso
mais do que nós: “ammunition” é “ammo”, “illustration” é “illo”, “pictures” é
“pix”...
É uma espécie de erosão linguística em que uma palavra
mais longa (ou grupo de palavras) vai se desgastando pelo uso e vai perdendo
fragmentos, até restar somente um núcleo radical que passa a valer
semanticamente por todo o conjunto anterior – mas o novato muitas vezes não
decifra, nessa abreviação compacta que sobrou, o termo original onde o
significado saltava aos olhos.
Funciona até com nomes artísticos, porque me lembro muito
bem que o grupo paulista “Premeditando o Breque” acabou se transformando em
“Premê”, porque de fato dá muito trabalho dizer aquilo tudo. E o
norte-americano Prince achou que esse nome já estava longo demais (esse pessoal
refinado é fogo) e resolveu se autodenominar com um símbolo gráfico. Não
adiantou muito, porque a imprensa pulou para o extremo oposto e passou a
chamá-lo “The Artist Formerly Known as Prince”. Era melhor ter ficado quieto.
Toda esta lenga-lenga é para comentar pela enésima vez
que “ficção” é uma coisa e “ficção científica” é outra. Imagine o seguinte
diálogo:
– Me fala aí um romance de ficção que você gosta.
– São Bernardo,
de Graciliano Ramos.
– Mas isso não é ficção. Ficção é 2001, Odisséia no Espaço.
Por alguma razão que não encontro no momento as pessoas
não têm o hábito de chamar de ficção as obras literárias em geral. Balzac, Virginia
Woolf, Dostoiévski, Agatha Christie, Machado de Assis... Chamam de romance, ou
de livro, ou de história, mas não consideram que isso é ficção. (E é.) Para
elas, a palavra ficção é abreviatura de “ficção científica”, assim como Cacá
Diegues dizia que para a geração dele “cinema” era abreviatura de “cinema
americano”.
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