quarta-feira, 5 de agosto de 2009

1171) A revista “Piauí” (14.12.2006)



Já saíram nas bancas dois números desta nova revista carioca, que tem uma numerosa equipe mas é conhecida, pelo menos entre os que ma indicaram, como “a revista de João Moreira Salles” (o cineasta de Notícias de uma Guerra Particular, e irmão de Walter Salles Jr.). Seu projeto gráfico lembra um pouco a Caros Amigos e parece um aprimoramento da revista Argumento, lançada pela livraria homônima do Leblon. Uma das coisas que me agradam nela é a variedade de temas e de formas (ensaio, poesia, foto, quadrinhos, reportagem, etc.). Outra é o papel fosco, discreto, agradabilíssimo à leitura. Tenho um tremendo preconceito contra o papel brilhante usado por quase todas as nossas revistas que se pretendem chiques, um papel que nos força a ficar procurando uma posição adequada que não reflita a luz.

O número 1, de outubro (na capa um pingüim de geladeira), traz boas e informativas matérias sobre o engenheiro brasileiro seqüestrado no Iraque, sobre a indústria do telemarketing, sobre o primeiro jornalista americano que entrevistou Fidel Castro e “passou primeira” no mito da guerrilha cubana. Há um longo texto autobiográfico de Ivan Lessa retornando ao Rio depois de 28 anos para constatar que seus amigos envelheceram e que a cidade está cheia de nordestinos. Há um texto divertidíssimo sobre o país imaginário da Molvânia; parece uma mistura de Campos de Carvalho com Veríssimo.

O número 2, de novembro (na capa, Che Guevara usando uma camiseta dos Simpsons) tem uma ótima HQ de Angeli sobre a música “Satisfaction” dos Rolling Stones, um excelente e inesgotável artigo de Vanessa Barbara sobre palíndromos (tem mais coisas, mas só costumo comentar o que de fato li). Nas duas revistas, pequenas HQs de Edward Sorel (mordazes, telegráficas) sobre Bertolt Brecht e Carl Jung. Lamento que uma das seções mais interessantes, “Esquina”, com pequenos textos sobre assuntos variados, não seja assinada. É lá que encontramos no número 2 duas matérias irônicas e melancólicas (que devem ser lidas em conjunto) sobre Gillo Pontecorvo (um cineasta de esquerda que regrediu à obscuridade) e Diduzinho Souza Campos (um playboy carioca falido).

Um leitor com poder aquisitivo razoável que se dispusesse a ler todas as revistas de cultura, arte e ciência que têm surgido no mercado nestes últimos anos se veria talvez impossibilitado, por falta de tempo, de ler um livro sequer. São revistas de História, de Ciência, de Literatura, de Cinema, do escambau. A maioria se distingue por uma área temática restrita, como é o caso da Scientific American brasileira e suas excelentes edições especiais sobre etnomatemática, etnoastronomia, etc. Uma revista pluralista como “Piauí” é uma cartada no escuro, porque tanto pode atrair muita gente como não atrair ninguém. São riscos de um mercado onde nem sempre a boa qualidade dos textos ou do projeto gráfico garantem a sobrevivência da publicação.

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